Olhando sobre o foco da interdisciplinaridade do estudo dos ramos do direito, o Direito Ambiental Internacional, que tomou força ao longo do século XX em virtude do agravamento dos problemas ambientais, não se trata de uma disciplina nova autônoma, mas de uma vertente do Direito Internacional focada na instituição de regras ambientais internacionais com fins de conservação e uso racional do meio ambiente.
Movidos e impulsionados pela a divulgação do relatório do Painel Inter-governamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas em 2007, que culpa a ação do homem pelo aquecimento global e que antevê um cenário apocalíptico para o fim desse século, várias entidades governamentais e não governamentais sugeriram propostas para conter o índice de degradação ao meio ambiente, mas sem perder o foco da manutenção do desenvolvimento econômico sustentável.
Dentre as propostas apresentadas por várias entidades, a de um parlamentar brasileiro se destaca merecendo uma análise e um debate jurídico sobre o assunto devido a sua importância transnacional, pois trata-se de uma tributação ambiental.
Segundo o jornalista Marco Bahé: “A proposta consiste na criação de um fundo ambiental para combater a deterioração provocada pelo efeito estufa que seria financiado por um imposto de até 1% sobre o valor das importações. O novo tributo incidiria sobre produtos que causam dano ao meio ambiente e que têm alto impacto na formação do efeito estufa, como os derivados do petróleo, por exemplo, e em contrapartida, seria isentados os produtos ecologicamente sustentáveis, como é o caso dos equipamentos de energia solar e combustíveis à base de biodiesel e etanol”. [1]
É uma proposta ambiciosa, pois sugere uma articulação com outros países para que o fundo tenha abrangência mundial. Segundo ele através do Itamaraty e mediante a diplomacia brasileira, a idéia é a de acolher à proposta do governo francês de transformar o programa da ONU para o meio ambiente numa agência internacional, tendo inicialmente como ponto de partida a abertura de negociações para que os países do Mercosul encampem a idéia do fundo ambiental.
Na opinião do parlamentar brasileiro seria uma oportunidade do país de adotar uma posição de vanguarda, pois se aprovado em bloco, o novo fundo custearia, em âmbito continental e internacional, programas ambientais como, por exemplo, programas de preservação da Amazônia.
Cada país coletaria e gerenciaria os recursos do imposto ambiental de forma soberana, mas sob a supervisão da ONU, seja por meio do programa ambiental das Nações Unidas, seja pela nova agência a ser criada nos moldes propostos pela França.
E a proposta não para por aí, pois sugere ainda o parlamentar que a diplomacia brasileira leve o debate à OMC (Organização Mundial do Comércio) e lembra que já existe, no âmbito da Rodada de Doha, uma negociação que visa definir uma lista de bens ecologicamente sustentáveis que poderiam ser isentados da cobrança de imposto de importação.
Analisando essa proposta aparentemente simples e aplicável, sob a luz dos Direitos Internacional, Tributário, Ambiental e sobre a égide das Relações Internacionais é preciso se fazer uma análise quanto à viabilidade desta e algumas considerações, sendo esse o objeto do presente artigo.
O Direito Internacional é o conjunto de normas que regula as relações externas dos atores que compõem a sociedade internacional. Estes atores, chamados sujeitos de direito internacional, são, principalmente, os Estados nacionais, embora a prática e a doutrina reconheçam também outros atores, como as organizações internacionais.
Martin Wight no do seu livro “A Política do Poder”, no capítulo intitulado “A Sociedade Internacional” afirma que para muitos existem divergências de que essa sociedade possa ser considerada realmente uma sociedade, pois faltam requisitos e elementos para tal consideração. O autor deixa evidente a sua convicção neo-realista de que o sistema internacional é anárquico sem nenhuma dúvida e é exatamente esta característica que difere a política internacional da política ordinária interna de cada Estado. Baseado em exemplos históricos, Wight afirma que “o cenário internacional pode ser corretamente definido como uma anarquia – uma multiplicidade de Estados sem governo”. [2]
No entanto, é preciso ressaltar o significado de anarquia concebido pelo autor. Wight afirma que esta é somente a ausência de um governo comum, e não como se usualmente costuma afirmar, uma desordem completa.
Conhecido como um direito costumeiro, o direito internacional é estabelecido por acordos e tratados entre Estados soberanos, mas que não possui agentes e elementos significativos para o seu cumprimento, como é o caso de um judiciário internacional soberano com jurisdição compulsória.
Valendo-se da opinião de Wight, fica então uma indagação no ar: Como se viabilizaria tal proposta feita pelo parlamentar brasileiro e tantas outras a nível de direito ambiental internacional? Como fazer valer regras de tributação ambiental transnacionais em Estados soberanos sem elementos e agentes significativos de garantia no direito internacional que possam garantir o seu cumprimento e efetividade?
Talvez a resposta esteja na eficácia do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro que fez uma conexão objetiva com a realização dos direitos ambientais, quando através da promulgação da Constituição da República de 1988, destinou um capítulo inteiro ao Meio Ambiente (Capítulo VI, do Título VIII), conferindo ao este o status de BEM JURÍDICO DE USO COMUM, assim dispondo em seu artigo 225, caput:
Art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações ”.
Há de se identificar ainda na Constituição Federal, que a preservação ao meio ambiente é princípio informador da Ordem Social na República Federativa do Brasil, consistindo, sem sombra de dúvidas, em preceito fundamental intransponível a ser seguido pelos componentes dos setores públicos e privados da sociedade brasileira.
Sob essa ótica interpretativa pode se pressupor que na política de atuação ambiental, a Constituição Federal exige dos agentes pertinentes, uma atuação preventiva, não descuidando, certamente, de ações repressivas.
A propósito, ensina Eros Roberto Grau “O Estado social, assim, caracteriza-se pelo exercício, de parte do setor público, de uma ação sistemática sobre a economia: princípio da defesa do meio ambiente conforme a ordem econômica (mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos uma existência digna.” [3]
Considerando-se que o Estado é o responsável pela garantia dos princípios do artigo 170 da Constituição, é seu o papel de intervir na economia para induzi-la à proteção ambiental, garantindo que o desenvolvimento econômico se dê dentro de níveis aceitáveis de danos ao meio ambiente, em ação de respeito aos deveres impostos pelo art. 225 da Constituição Federal.
As atividades econômicas geram, com diferente intensidade, impactos sobre o meio ambiente e para minimizar os efeitos desses impactos sobre o bem-estar humano, a sociedade lança mão da ação governamental que através de políticas públicas de seus governos dispõe de diversos instrumentos, e dentre esses instrumentos, há que se levar em consideração a incidência da tributação nas políticas direcionadas à gestão do meio ambiente, incluindo também, nesse caso, as políticas internacionais.
E sob essa perspectiva, deve-se concordar com o que escreve José Marques Domingues de Oliveira:“o Direito Tributário vai buscar no Direito do Meio Ambiente a seiva para nutrir-se dos elementos que lhe permitam servir de instrumento à preservação da natureza e um desenvolvimento econômico sustentável”. [4]
O Código Tributário Nacional preceitua no art. 16 “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.”
Nota-se no conceito de imposto, não haver aquela característica de contrapartida do Estado, face ao adimplemento da obrigação tributária. Isto se deve ao fato de que o valor do imposto é de acordo com uma medida geral de capacidade econômica do contribuinte, e é destinado ao Erário Público como forma de captação de recursos.
Os Impostos de importação e exportação consistem assim em uma prestação pecuniária, cobrada pelo Estado brasileiro, gerada quando respectivamente da entrada e saída de mercadorias estrangeiras destinadas ao comércio internacional e nacional.
A doutrina é unânime em afirmar que a função desse dois impostos, além de arrecadatória, é econômica ou regulatória, dando a estes o caráter extrafiscal, no qual também pertencem outros impostos.
Sendo assim, a Extrafiscalidade Tributária, que é uma exceção aos princípios da legalidade e anterioridade, deve ser vista como o emprego dos meios tributários para fins não fiscais, mas ordinatórios, isto é, para disciplinar comportamentos de virtuais contribuintes, visando as situações sócio-ambientais e político-econômicas, objetivos alheios aos meramente arrecadatórios.
Com todas essas considerações podemos então fazer algumas ponderações sobre a viabilidade dessa proposta.
A nível de política interna, a propositura da criação de um novo imposto defendida pelo parlamenta fica claro não ser “a idéia” mais viável por pelo menos dois motivos: o primeiro motivo diz respeito a sistemática imposta pelo Sistema Constitucional Tributário vigente; Configura-se como impossível a criação de um novo tributo incidente somente sobre as ações responsáveis pela degradação ao meio ambiente; isso decorre, aliás, da própria definição de tributo constante no Código Tributário Nacional, que difere referida exação de sanção. No entanto, os tributos existentes podem ser utilizados com caráter extra-fiscal, sendo constitucionalmente admissível a aplicação do princípio da seletividade.
O segundo motivo diz respeito a não auto-aplicabilidade do novo imposto na forma da sua incidência, pois poderia caracterizar bi-tributação e ferir outros princípios tributários previstos no art. 150 da Constituição Federal, que são instrumentos limitadores do poder de tributar do Estado.
Tomando-se como base comparativa os constitucionalistas e financistas norte- americanos que valem-se dos incentivos e inibições fiscais, o simples fato de torná-los impostos ambientais com uma ampliação interpretativa no objeto do conceito de extrafiscalidade desses impostos, já se observaria um desestímulo nos comportamentos nocivos ao meio ambiente, ficando claro assim que as atitudes podem ser mudadas não através da utilização da criação de novos tributos ou de novas sanções a serem aplicadas aos comportamentos causadores da degradação, mas sim utilizando-se da “tributação como uma forma que premia”, àqueles setores que mudarem suas atitudes, implementando novas tecnologias, com o objetivo de ir ao encontro do desenvolvimento sustentável, que somente poderá ser alcançado com uma política pública que fomente e incentive os setores produtivos, premiando aqueles que preservam e o cuidam das questões ambientais.
A solução, portanto, estaria na ampliação do objeto interpretativo da extrafiscalidade dos impostos de importação e exportação com base nos os fundamentos constitucionais relevantes no sentido de uma extrafiscalidade sócio-ambiental e político-econômico como um viés de ligação importantíssimo que pode contribuir e muito, para amenizar o distanciamento entre desenvolvimento econômico e o meio ambiente sustentável. desses dois impostos, utilizado-os
A nível de política internacional, sugere ainda o parlamentar a criação de um fundo ambiental para combater a deterioração provocada pelo efeito estufa financiado por um novo imposto de até 1% sobre o valor das importações, incidindo sobre produtos que causam dano ao meio ambiente e que têm alto impacto na formação do efeito estufa e consequentemente contribuindo para a degradação do meio ambiente.
Apesar de ser interessante, porém, também não auto aplicável a nível de Direito Internacional e Relações Internacionais, devido a complexidade dessas duas vertentes do Direito, conforme nos ensina Martin Wight, citado anteriormente.
Portanto, o que fica de positivo nessa proposta é o interesse despertado sobre o assunto pelo Congresso Nacional que é de alta relevância para interesses transnacionais comuns e que deve sim ser levada inicialmente a uma discussão intermediada pela ONU entre os Estados soberanos, com o objetivo de viabiliza-la num futuro próximo possível e sem utopias.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, LT. Política ambiental: uma análise econômica. São Paulo: Editora Unesp; 1997.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental como direito econômico-análise crítica. Revista de Informação Legislativa. Brasília, nº.115, jul./set, 1992.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Ltda, 1.999.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 9ª Edição, Rio de Janeiro,
Forense, 1977,
BERNARDI, Renato. Artigo: Tributação Ecológica. www.direitopositivo.com.br/...
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed.,
Malheiros: São Paulo, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9ª ed. São Paulo: Saraiva,
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11 ed. São
Paulo: Malheiros, 2003.
MAGANHINI, Thais Bernardes. Artigo: Extrafiscalidade Ambiental: Um Instrumento de Compatibilização do Desenvolvimento Econômico e o Meio Ambiente. www.idtl.com.br/artigos/172.pdf
NUNES, Cleucio Santos. Direito tributário e meio ambiente. São Paulo: Dialética,
2005.
SOUZA, Adriano Stanley Rocha. Artigo: O Meio Ambiente como Direito Difuso sua Proteção como exercício da Cidadania. www.conpedi.org/manaus/...
WIGHT, Martin. A Política de Poder. Brasília: Universidade de Brasília, 2002.
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LEGISLAÇÃO:
Constituição da República Federativa do Brasil.
Código Tributário Nacional.
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NOTAS:
[1] BAHÉ, Marco. Artigo: “Mercadante propõe taxar importações para conter efeito esufa”.www.google.com.br/acertodecontas.blog.br/economia/... 2007.
[2] WIGHT, Martin. A Política de Poder. Brasília: Universidade de Brasília, 2002.
[3] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11 ed. São
Paulo: Malheiros, 2003.
[4] DE OLIVEIRA, José Marques Domingues. Artigo: Sistema Tributário e Proteção Ambiental no Brasil e no Japão. www.japonartesescenicas.org/...
Advogado. Especialista em Direito Tributário. Professor na PUC-GO e UNIP-GO. Mestrando do Curso de Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Marcos Ricardo da Silva. Tributação ambiental nas relações comerciais internacionais sob a égide do direito internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2009, 07:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18667/tributacao-ambiental-nas-relacoes-comerciais-internacionais-sob-a-egide-do-direito-internacional. Acesso em: 10 dez 2024.
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