RESUMO: O presente trabalho de artigo científico, aborda o tema da abolição do Estado, com base na concepção marxista, trabalho inserido na temática de Teoria do Direito e de Direito Público. O presente trabalho utiliza o método hipotético-dedutivo como base do desenvolvimento da pesquisa, bem como, a técnica de pesquisa bibliográfica (livros, artigos, sítios eletrônicos – internet). O tema em questão foi adotado com o objetivo de aprofundarmos o conhecimento e compreensão acerca do Estado na teoria marxista, bem como, a possibilidade de sua extinção, em razão de a considerarmos como a concepção abolicionista de Estado mais conhecida e aperfeiçoada. A compreensão da instituição política do Estado através de institutos como o socialismo científico, materialismo histórico, materialismo dialético, propriedade privada, Luta de classes, Ditadura de classe e Política na concepção marxista, serviu de base para a melhor compreensão do que seria a abolição do estado para a vertente marxista. Do estudo, pesquisa e análise elaborada através do presente trabalho, concluiu-se que a realidade de uma sociedade sem Estado, com base na concepção em apreço, fundamenta-se pelo fim da propriedade privada, sobretudo, a propriedade privada dos meios de produção, em escala mundial ou internacional, possibilitando assim, um governo comum dos trabalhadores livres e unidos, que assumiram o contexto das atividades atualmente desenvolvidas exclusivamente pelo Estado. O fim da propriedade privada também coincide com o fim das classes sociais e consequentemente do Estado, este reconhecido como instrumento de domínio de classe, sucessivamente as funções estatais podem ser realizadas por qualquer indivíduo, que integraria a humanidade composta por trabalhadores livres e associados.
Palavras-chave: Abolição do Estado. Socialismo científico. Materialismo histórico. Materialismo dialético. Luta de classes. Ditadura de classe. Propriedade privada. Trabalhadores livres.
ABSTRACT: The Present Work scientific article addresses the issue of abolition of the state, based on the Marxist conception, Work inserted in the Legal Theory and Public Law Theory. This work uses the hypothetical-deductive method based on the development of research, as well as the literature of art (books, articles, electronic sites – Internet). The issue in question was adopted with the goal of deepening the knowledge and understanding of the state about the Marxist theory, as well as the extinction possibility of, in a ratio consider as Abolitionist Conception of State better known and improved. The Understanding of State Policy Institution through institutes As the Scientific socialism, historical materialism, dialectical materialism, Private Property, Class Struggle, Class Dictatorship and Politics in the Marxist conception, paragraph base served A Better Understand do would be to Abolish state of to the Marxist view. Do study, research and analysis developed through the work present, it was concluded that the reality of a society without a state, based on the design in question, is based On the End of Private Property, above all, a private property of production means, worldwide OR internationally, enabling SO, a Common Government of free and united workers, assumed the context of the activities currently developed exclusively hair State. The end of Private Property Also coincide with the end of social classes and consequently the State, the latter recognized as class field instrument successively as state functions can be performed by any individual, that integrate Humanity Composed BY free Workers and Associates.
Keywords: Abolition of the state. Scientific socialism. Historical Materialism. Dialectical materialism. Class struggle. Dictatorship class. Private property. Free workers.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. Diferenciação entre concepção marxista e marxiana. 2. Marxismo. 3. Socialismo científico e materialismo histórico e dialético. 4. Conceito marxista de classe social. 4.1. A Luta de classes. 5. Concepção marxista de Estado. 5.1. Precedentes à concepção marxista. 5.2. O Estado na concepção marxista (origem e finalidade). 5.3. Estado e ditadura de classe. 6. Concepção marxista de Política. 6.1. Política na concepção marxista. 6.2. A questão da Democracia. 7. Abolição do Estado. 7.1. Ditadura da burguesia e ditadura do proletariado. 7.2. Comunismo. O fim da propriedade privada e do Estado. 7.3. A experiência da Comuna de Paris. 7.4. Revolução mundial. CONCLUSÃO. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará o seguinte tema: A abolição do Estado na concepção marxista. A abolição ou extinção do Estado, nos moldes da concepção marxista é uma tema que para sua compreensão e aprofundamento, nos exigiu a pesquisa e análise acerca de institutos marxistas correlatos.
Abordaremos temas marxistas, tais como, o instituto do marxismo, o socialismo científico, o materialismo histórico e dialético, a concepção marxista de classe social, a luta de classes, a concepção marxista de Estado e de política, e a Abolição ou extinção do Estado, com fins a uma compreensão mais ampla e aprofundada dos conceitos e fundamentos marxistas da sociedade e do Estado, conceitos tais, que amparam e fundamentam a noção da Abolição do Estado.
A concepção marxista acerca do Estado promoveu grandes rupturas nas mais diversas vertentes dos conhecimentos humanos. A possibilidade de abolição do Estado, com base na teoria marxista do socialismo científico, é tratada em doutrinas de disciplinas como: Direito, Ciência Política, Sociologia e Filosofia, não obstante, a nosso entender, no que concerne quanto à possibilidade da extinção do Estado, de forma obscura e limitada. Destarte, em que consistiria, de forma clara e objetiva, a extinção do Estado na concepção marxista? Evidentemente, a pergunta para a questão em apreço, demandaria pesquisa acerca dos institutos afins ou correlatos, que embasam a noção marxista de Estado.
O método marxista possibilita a compreensão do Estado como instrumento dos sistemas econômico-sociais de divisão e domínio de classe, nestes termos, pode apontar para uma possibilidade, aos menos no plano teórico, da supressão do Estado, na hipótese de ocorrer a supressão de tais estruturas. A princípio, partiremos do pressuposto que a possível noção marxista de abolição ou extinção do Estado estaria à existência das classes sociais, na conformidade da concepção marxista de classe social.
No presente trabalho objetivaremos a compreensão da possibilidade da extinção social da entidade “Estado”, através dos fundamentos científicos, bem como, das transformações econômicas, políticas e sociais teorizadas pelo método marxista.
Um tema, a nosso ver, polêmico, instigante e pouco aprofundado, inclusive por obras e autores de correntes marxistas, socialistas e comunistas. Agregar conteúdo a um tema ainda pouco aprofundado e que desperta curiosidade, constitui uma das nossas principais motivações.
O tema em apreço, particularmente, sempre nos causou grande intriga e curiosidade. A compreensão da possibilidade de abolição do Estado, com fulcro na vertente abolicionista do Estado mais conhecida, a vertente marxista ou do socialismo científico, promoverá um trabalho agregador, ao nosso humilde ver, de considerável valia, demonstrando importância, inclusive, para o desenvolvimento de um conhecimento mais amplo acerca da instituição do Estado, bem como, da política, sociedade e economia.
O entendimento dos fundamentos, princípios e processos, que, dentro da vertente marxista, tornaria possível a abolição ou extinção de uma instituição histórica, sólida e aparentemente eterna, como o Estado, acreditamos ser uma questão que desperta considerável interesse, não apenas no meio acadêmico, mas para a própria sociedade, com fins a compreensão de suas instituições, assim como, os fundamentos e arcabouços que as originam e sustentam.
O presente artigo utiliza o método hipotético-dedutivo como base do desenvolvimento da pesquisa, bem como, a técnica de pesquisa bibliográfica (livros, artigos, sítios eletrônicos – internet). A hipótese da abolição social do Estado na concepção marxista, é verificada, compreendendo e esclarecendo seu processo, bem como, seus pontos relevantes, com amparo imprescindível em seus institutos correlatos.
Dentre os principais autores que embasaram o presente artigo, encontram-se autores clássicos, com suas obras de destaque: Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lênin, Leon Trotsky, Louis Althusser, Mao Tsé Tung e Norberto Bobbio, agregando-se aos mesmos, autores nacionais: Alysson Leandro Mascaro, Marilena Chauí, José Paulo Netto, Leovegildo Pereira Leal, Emir Sader, Benjamin Lago, Tânia Quintaneiro, Maria Lígia de Oliveira Barbosa, Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira, Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi. Foram consultados capítulos, seções e parágrafos que demonstraram considerável pertinência ao objeto dos institutos tratados no nosso artigo. Os referidos autores, com suas obras mais conhecidas, nos serviram de fonte de estudo, pesquisa e citação, essenciais para a constituição do trabalho em apreço.
O presente artigo encontra-se dividido em 7 (sete) capítulos ou seções. Na primeira seção, a fim de fundamentar e decidir sobre a correta nomenclatura da concepção a se utilizada, abordaremos a diferenciação entre concepção marxista e marxiana. Na segunda seção, trataremos do instituto do Marxismo. Na terceira seção, esclarecemos o instituto do Socialismo científico e materialismo histórico e dialético. Na quarta seção, será exposto o conceito marxista de classe social, bem como, o relacionado tema da Luta de classes. Na quinta seção, adentramos na Concepção marxista de Estado, com seus precedentes teóricos, a sua concepção da origem e finalidade do Estado, por último, sua correlação com a ditadura de classe. Na sexta sessão será tratada a concepção marxista de Política, com a noção de democracia no pensamento marxista. Na sétima e última seção tem-se a abordagem da abolição do Estado, no qual encontra-se incluso, questões correlacionadas, quais sejam, a ditadura da burguesia e do proletariado, o comunismo, a experiência da Comuna de Paris e A revolução mundial.
1. Diferenciação entre concepção marxista e marxiana
Impende-nos, num primeiro momento, definir a diferença entre a terminologia das expressões marxistas e marxianas, para definirmos então, a vertente a ser usada no presente trabalho. Assim consta na enciclopédia eletrônica Wikipédia, ao conceituar as diferenças entre economia marxista e economia marxiana:
Nota: A economia marxiana não se restringe à economia marxista, pois inclui o pensamento econômico daqueles inspirados pela obra de Marx que não se identificam com o “marxismo” como ideologia política. A economia marxiana se refere ao corpo do pensamento econômico que nasce das obras de Karl Marx. Os que aderem a economia marxiana, particularmente na academia, a distinguem do marxismo como uma ideologia, argumentando que a abordagem de Marx para entender a economia é intelectualmente valiosa por si própria, independentemente da defesa de Marx do socialismo revolucionário ou da inevitabilidade da revolução do proletariado. Ela não se baseia exclusivamente na obra de Marx e outros conhecidos marxistas (Lênin, Trotsky, etc.), mas pode absorver de fontes marxistas e não marxistas. Sua obra é vista como a base para uma abordagem analítica viável, em alternativa à economia neoclássica. Faz explicitamente considerações políticas e sociais em sua análise, sendo por isso amplamente normativa.[1]
Depreende-se portanto, que a terminologia marxiana refere-se a todo conteúdo de análise da obra marxista, que nem sempre o adota como referência, ou seja, que não são adeptas da teoria marxista como filosofia, ciência ou ideologia política, podendo inclusive, assumir um posicionamento crítico ou opositor da vertente política marxista. A diferenciação se faz necessária para que se demonstre ciência dos termos a serem utilizados.
Isto posto, no presente trabalho adotaremos, preponderantemente, às concepções marxistas, a saber, dos teóricos e autores que adotam o marxismo como referência de ideologia política, pois será mais oportuna ao trabalho em apreço, considerando-se a necessidade de aprofundar-se na concepção marxista para o entendimento da possibilidade da abolição ou extinção do Estado, conforme sua vertente.
2. Marxismo
Preliminarmente, decidimos elaborar uma pesquisa geral acerca do marxismo, contando com o amparo doutrinário de teóricos renomados no assunto. Acerca do instituto do marxismo, aduz Marilena Chauí:
O marxismo permitiu compreender que os fatos humanos são instituições sociais e históricas produzidas não pelo espírito ou pela vontade livre dos indivíduos, mas pelas condições objetivas nas quais a ação e o pensamento humano devem realizar-se. Levou a compreender que os fatos humanos mais originários e primários são as relações do homem com a natureza na luta pela sobrevivência e que tais relações são as de trabalho, dando origem as primeiras instituições sociais.[…] Assim, as primeiras instituições sociais são econômicas. Para mantê-las, o grupo social dominante cria ideias e sentimentos, valores e símbolos aceitos por todos e que justificam ou legitimam as instituições assim criadas. Também para conservá-las, o grupo social cria instituições de poder que a sustentam (pela força, pelas armas ou pela lei) as relações sociais e as ideias, valores, símbolos produzidos… Enfim, o marxismo trouxe como grande contribuição à sociologia, à ciência política e à história a interpretação dos fenômenos humanos como expressão e resultado de contradições sociais, de lutas e conflitos sociopolíticos determinados pelas relações econômicas baseada na exploração do trabalho da maioria por uma minoria de uma sociedade.[2]
Nas palavras da renomada filósofa brasileira, a concepção marxista permitiu o desenvolvimento de uma forma de interpretação das relações sociais, inclusive as relações políticas, tendo como base o sistema econômico ou as condições materiais, sendo estes, as condições ou circunstâncias primárias que determinam a forma de pensar e agir do ser em sociedade. Em consonância com este posicionamento, encontramos um trecho da obra a ideologia alemã dos autores Karl Marx e Friedrich Engels:
A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com a sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto a maneira que produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção.[3]
Nestes termos, os indivíduos definem-se pela sua forma de trabalho ou produção. A forma pela qual se institui e desenvolve o trabalho é determinante na forma de ser e de viver dos indivíduos, sendo esta forma pela qual se desenvolve ou se institui o trabalho ou a produção, ou seja, o modo ou forma de produção, denominada pelos próprios autores como as condições materiais de existência.
José Paulo Netto destaca a existência de inúmeras correntes de pensamento marxista, assim assevera:
A obra de Marx fundou um modo original de pensar a sociedade burguesa e a sua dinâmica, que inclui necessariamente a alternativa da revolução socialista. Tendo como marco o pensamento marxiano, desenvolveu-se uma tradição marxista, dos anos 80 do século passado aos nossos dias. No bojo desta tradição se entrecruzaram e se entrecruzam propostas diversificadas, conquistando alternadamente a hegemonia no interior desse leito histórico graças a razões diversas (desde o seu apelo intelectual à sua funcionalidade política). Respondendo, bem ou mal, aos desafios históricos em face dos quais se foram erigindo, tais propostas tanto alargaram o universo temático da tradição marxista quanto se vincularam seletivamente a algumas dimensões do pensamento de Marx. Em poucas palavras: a obra de Marx (que chamamos de marxiana) forneceu a base para inúmeros desenvolvimentos (as correntes marxistas) que, no seio de um bloco teórico cultural diferenciado (a tradição marxista), oferecem tratamentos complementares, alternativos e/ou excludentes para os problemas que se foram e vão colocando no mundo burguês e nas suas ultrapassagens revolucionárias. Se se rotula esta tradição de “marxismo”, corre-se o risco de perder de vista a sua enorme heterogeneidade — porque, se existem fios condutores que a identificam enquanto uma tradição, existem igualmente, e com a mesma relevância, componentes que peculiarizam as numerosas propostas que a compõem.[4]
É valido a menção a existência de diversas vertentes dos pensamento marxista, com suas convergência e divergência, no que pese o fato de não trataremos acerca da definições e classificações das mesmas no presente trabalho, pois escaparíamos da nossa temática. Isto posto, consideraremos obras marxistas aptas a embasar nosso trabalho, aquelas que tratarem do tema com profundidade ou especificidade, sobretudo, contribuindo com o cerne do trabalho, qual seja, a compreensão do Estado e a possibilidade de sua extinção nos moldes da concepção marxista.
3. Socialismo científico e materialismo histórico e dialético
A possibilidade da abolição do Estado, com base na concepção marxista, torna oportuna a compreensão de dois institutos, a saber, o socialismo científico e o materialismo histórico dialético. Friedrich Engels, ao criticar o socialismo utópico (então moderno) e tratar das bases fáticas e teóricas do socialismo científico, assim assevera:
O conjunto de ideias que representa o socialismo moderno é o reflexo, na ininteligência, de um lado, da luta das classes que reina, na sociedade, entre os possuidores e os espoliados, entre os burgueses e os assalariados, e, de outro lado, da anarquia que reina na produção. Mas, sob sua forma teórica, ele aparece primeiramente como uma continuação mais desenvolvida e mais consequente dos princípios formulados pelos grandes filósofos franceses do século XVIII.[…]
O socialismo criticava, é verdade, a produção capitalista e suas consequências, mas não a explicava e não podia, por conseguinte, destruí-la teoricamente; podia, apenas, condená-la como inadequada.
Mas o problema consistia, antes de tudo, em determinar o lugar histórico da produção capitalista no desenvolvimento da humanidade, demonstrar sua necessidade para um determinado período histórico e, por isso mesmo, a necessidade também de sua queda futura; depois, em desvendar o caráter íntimo, ainda oculto, da produção capitalista, pois a crítica se ocupara, até então, antes em descrever as incongruências produzidas do que em procurar as causas que determinavam essas incongruências.
Isso foi feito pela descoberta da mais valia. Provou-se que a apropriação do trabalho não pago era a forma fundamental da produção capitalista e da exploração dos operários que dela participam; que o capitalista, mesmo pagando a força trabalho do operário pelo valor real que, como mercadoria, tem no mercado, não obstante dela extrair mais valor do que deu para adquiri-la; e que essa mais valia constitui, afinal, a soma dos valores de onde provém a massa do capital sempre crescente, acumulada nas mãos das classes possuidoras. O processo, tanto da produção capitalista como da produção do capital, estava explicado.
Essas duas grandes descobertas: a concepção materialista da história e a revelação do mistério da produção capitalista por meio da mais valia, devemo-las a Marx. elas fizeram do socialismo uma ciência, que agora nos cabe elaborar em todos os seus detalhes e em todas as suas relações.[5]
Em sua obra: Do socialismo utópico ao socialismo científico, Engels institui o socialismo científico, ciência que busca a compreensão teórica dos fenômenos das incongruências sociais e políticas, com base na análise crítica do modo socialista de produção, apoiando-se no arcabouço teórico de Marx. O socialismo científico correlaciona-se com outro instituto, qual seja, o materialismo histórico, instituto também trabalhado na obra do referido autor, assim aduz acerca do materialismo histórico, em suas palavras, a introdução do materialismo na concepção da história:
Enquanto a revolução na concepção da natureza só se concluía proporcionalmente à quantidade de materiais positivos fornecidos pela ciência, produziram-se fatos históricos que exigiam uma transformação decisiva na concepção da histórica. Em 1831, rebentava em Lyon a primeira sublevação operária; de 1838 a 1842, o primeiro movimento nacional operário (o cartismo inglês) atingia o seu ponto culminante. A guerra de classes entre proletários e burgueses irrompeu no proscênio da história dos povos que decidem a sorte da humanidade. Intensificou-se proporcionalmente ao desenvolvimento da grande indústria e da supremacia política recentemente conquistada pela burguesia. As doutrinas da economia burguesa, a identidade dos interesses do capital e do trabalho, a harmonia universal, a prosperidade geral gerada pela livre concorrência, tudo isso foi brutalmente desmentido pelos fatos. Esses fatos não podiam ser ignorados pelo socialismo francês e inglês, que, apesar de suas imperfeições, era deles a expressão teórica. Mas a velha concepção idealista da história, que ainda sobrevivia, não conhecia nem guerras de classe baseada em interesses materiais, nem qualquer interesse material; a produção e todas as relações econômicas só recebiam um olhar desdenhoso e furtivo; não passavam de elementos secundários da história da civilização. Os novos fatos impunham um novo exame de toda história passada; viu-se, então, que as classes combatentes foram sempre e por toda a parte o produto do modo de produção e troca, numa palavra, das relações econômicas de sua época; que, por conseguinte, a estrutura econômica de determinada sociedade forma sempre a base real que devemos estudar para compreender toda a superestrutura das instituições políticas e jurídicas, assim como as concepções religiosas, filosóficas e outras que lhe são peculiares. Assim, o idealismo era expulso do seu último refúgio: a ciência histórica; a base de uma ciência histórica materialista estava constituída. Estava aberta a estrada que nos ia conduzir à explicação da maneira de pensar dos homens de determinada época por sua maneira de viver, em lugar de se querer explicar, como até então se havia feito, sua maneira de viver por sua maneira de pensar.[6]
O Socialismo Cientifico cumulado ao materialismo histórico trouxeram uma ruptura histórica na forma de se interpretar a relações sociais. A política, a jurídica, a cultura, a filosofia, as religiões, as ciências, a ideologia, bem como, as instituições sociais em geral, podem ser compreendidas então, a partir das condições materiais de existência. O materialismo histórico rompeu com a tradição do idealismo histórico, que instituía uma concepção da realidade como efeito das ideais dos homens durante os períodos históricos.
As condições materiais de existência, ou seja, as relações de produção ou sistema de produção constitui, na referida concepção, a base das relações sociais, a partir das quais se desenvolvem todas as outras, nas quais se incluem as relações políticas, sobretudo, o Estado. A forma de viver, de pensar e de existir dos homens, encontram sua explicação no modo pelo qual se institui e se desenvolve o trabalho e a produção, são estas condições materiais de existência que explicam a realidade, e não puramente as ideias. A história, enfim, pode ser cientificamente compreendida com base no desenvolvimento dos sistemas econômicos ao longo do processo histórico.
Acerca do instituto marxista do materialismo dialético, leciona Alysson Mascaro:
O arcabouço do pensamento marxista baseia-se na práxis e não na mera consciência desconectada do mundo, constatando a especificidade da história do homem, que se resolve na produção, no trabalho, na realidade prática das relações econômicas. Além disso, em Marx, há um método de tal evolução histórica. Não se há de entender a história como uma mera sucessão linear de acontecimentos, mas, nem tampouco, como uma espécie de anunciação metafísica de que deveria mesmo ter acontecido e do que acontecerá, como se de algum modo já estivesse previsto ou escrito. Para marx, a evolução da história dá-se de maneira dialética. Não por meio de uma dialética idealista, como da Hegel, mas por meio de um materialismo dialético.[…].
Embora Marx reconheça em Hegel a primazia na formulação do movimento dialético, é ele, Marx, o primeiro a compreender tal dialética com base na realidade, na materialidade, na práxis. Pode-se dizer, sem dúvida, que a dialética marxista é diferente da hegeliana no mínimo porque subverte sua estrutura. Enquanto para Hegel a dialética, embora atrelando realidade e razão, é um movimento desta última, para Max a dialética diz respeito à própria práxis, à realidade social humana, produtiva, que é onde se perfaz a história.
A questão do método dialético em marx suscitou controvérsias na história posterior do marxismo, em especial no que tange à sua aproximação com a tradição hegeliana. De qualquer modo, a dialética marxista constrói-se de maneira radicalmente inversa a dialética hegeliana: enquanto para Hegel a dialética era o processo histórico de contradição na consciência, de plano ideal, para marx a dialética será o processo histórico da contradição da realidade, das próprias relações produtivas e práticas do homem.[7]
Endossando as palavras do referido mestre, o materialismo dialético constitui-se num método de interpretar o desenvolvimento da humanidade, a partir de então, não mais através das superações idealistas, das superações da consciência e da forma de pensar, de origens hegeliana, mas sim, das superações da forma de viver, sendo esta forma de viver, a forma de produção dos meios de vida e de subsistência, o modo pelo qual os homens produzem suas vidas. As ideias, bem como, as superações das ideais ao longo da história humana, podem então ser entendidas a partir do modo de produção e da superação dos modos de produção ao longo da história do desenvolvimento humano.
O socialismo científico, bem como, o materialismo histórico e dialético, compõe um arcabouço teórico que abriu um novo campo metodológico do conhecimento, uma nova forma de entender a humanidade, em seu aspecto político e social, adotando como fundação as relações materiais de produção. O entendimento da realidade, tanto no âmbito social quanto político, implica o entendimento das condições materiais de existência e das forças econômicas e produtivas que a integram.
4. Conceito marxista de classe social
A compreensão do conceito de classe na concepção marxista tem fundamental relevância no desenvolvimento do presente trabalho. Lakatos e Marconi lecionam acerca do conceito marxista de classe de social:
O primeiro autor a empregar continuamente o termo “classes sociais” foi Marx, que ao longo de suas obras, se utilizou dos conceitos sem, todavia, defini-lo com precisão. Ao contrário, muitas vezes o conceito de “classes sociais” foi por ele empregado em contextos teóricos divergentes ou francamente opostos. Muitos outros autores que analisaram a obra de Marx tentaram conciliar as divergências, intentando apresentar um conceito unificado.[…] Engels, depois da morte de Marx, não retomou a questão da conceituação de classe social, deixada sem resposta no manuscrito de O capital. A definição que foi popularizada pelos manuais e enciclopédias marxistas é a de Lênin (apud Ossowski, 1964:89-90):
“As classes são grandes grupos de pessoas que diferem uma das outras pelo lugar ocupado por elas num sistema historicamente determinado de produção social, por sua relação (na maioria dos casos fixada e formulada em lei) com os meios de produção, por seu papel na organização social do trabalho e, por consequência, pelas dimensões e métodos de adquirir a parcela da riqueza social de que disponham. As classes são grupos de pessoas onde uma se pode apropriar do trabalho de outra, devido aos lugares diferentes que ocupam num sistema definido de economia social”[8]
Marx não sistematizou um conceito de classe social, não obstante, o instituto de “classe social” compor um dos principais fundamentos de sua teoria. Em consonância com os citados autores, o conceito marxista de classe foi estabelecido por Lênin. Destacamos então, duas grandes características das classes sociais, com fulcro na teoria marxista, conforme desenvolvida por Lênin (apud Ossowski), a saber, a) grandes agrupamentos de pessoas que se distinguem por sua relação com os meios de produção, e por seu papel na relação social do trabalho, e b) um grupo pode apropriar-se do trabalho do outro. Nico Poulantzas (apud Lakatos e Marconi)[9] em sua obra “As classes sociais no capitalismo de hoje”, descreve características das classes sociais nos moldes da teoria marxista:
A. “as classes sociais são conjuntos de agentes sociais determinados principalmente, mas não exclusivamente, por seu lugar no processo de produção, isto é, na esfera econômica”. O econômico (infraestrutura) assume papel determinante em um modo de produção e numa formação social; mas a superestrutura (o político e o ideológico) desempenha igualmente importante papel;[10]
Depreende-se então, que o conceito classe na concepção marxista, baseia-se fundamentalmente nas relações materiais de produção, ou seja, baseia-se principalmente na economia, no que pese não ignore a correlação das relações políticas e ideológicas da sociedade com as classes sociais. O conceito de classe marxista é fundamentalmente econômico, e sua compreensão correlaciona-se com a compreensão dos sistemas e modos de produção. Benjamin Lago nos auxilia na compreensão das classes sociais, ao analisar a desigualdade social com amparo na teoria marxista:
Já para Marx, a desigualdade de classes determinaria todas as demais desigualdades e resultaria da opressão dos que possuem a propriedade dos meios de produção sobre os que não a possuem. Os motivos para a posse desses bens não seriam necessariamente meritórios, tais como a apropriação indébita ou legalizada, a violência e a herança.
A mudança social profunda decorreria das revoluções, nas quais a classe dominada tomaria o poder da classe dominante e mudaria todo o sistema social.
Sua teoria é a da estrutura de classes, na qual os homens se relacionam condicionados pela existência de duas classes fundamentais e antagônicas: a dominante e a dominada, varáveis conforme o modo de produção (senhores feudais e servos no feudalismo, burguesia e proletariado no capitalismo, por exemplo).[11]
Além de fundamentalmente econômica, a teoria de classes marxista, prevê a existências de dois grupos principais e antagônicos, quais sejam, a classe dominante e a classe dominada. A classe dominante é constituída pelos proprietários do meios de produção, consecutivamente, a classe dominante é constituída pela classe trabalhadora, não detentora dos meios de produção, submetida assim, a um sistema de opressão que consiste na exploração de seu trabalho pela classe dominante. A concepção ou conceito marxista de classe envolve dois elementos básicos: a propriedade privada dos meios de produção e a relação de antagonismo (exploradores – explorados), consistente na exploração do trabalho e dos trabalhadores pelos detentores dos meios de produção.
Não obstante o conceito sistemático de classe não ter sido desenvolvido pelo próprio Marx, seu arcabouço teórico permitiu um desenvolvimento de um conceito de classe social. Encontramos uma definição mais abrangente acerca do conceito marxista de classe social na obra Dicionário do pensamento marxista, de Tom Bottomore:
O conceito de classe tem uma importância capital na teoria marxista, conquanto nem Marx nem Engels jamais a tenham formulada de maneira sistemática. Num certo sentido, ele foi o ponto de partida de toda a teoria de Marx, pois foi a descoberta do PROLETARIADO como a ideia no próprio real” – uma nova força política engajada em uma luta pela emancipação – que fez Marx voltar-se diretamente para a análise da estrutura econômica das sociedades modernas e de seu processo de desenvolvimento. Nessa mesma época (1843-1844), Engels, pelo lado da ECONOMIA POLÍTICA, estava efetuando a mesma descoberta, delineada em seu ensaio publicado em 1844 nos Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais Franco Alemães) e em seu livro A condição da classe trabalhadora na Inglaterra (1845). Assim, foram a estrutura de classes da fase inicial do capitalismo e as lutas de classes nessa forma de sociedade que constituíram o ponto de referência principal para a teoria marxista da história. Posteriormente, a ideia da LUTA DE CLASSES como força motriz da história foi ampliada, e no Manifesto comunista Marx e Engels afirmaram, em uma frase famosa, que “a história de todas as sociedades que até hoje existiram é a história das lutas de classes”. Ao mesmo tempo, contudo, Marx e Engels admitiram que a classe era uma característica singularmente distintiva das sociedades capitalistas sugerindo mesmo em A ideologia alemã que a “própria classe é um produto da burguesia” – e não empreenderam qualquer análise sistemática das principais classes e relações de classes em outras formas de sociedade. Kautsky, em sua discussão sobre classe, ocupação e status (1927), argumentou que muitas das lutas de classes mencionadas no Manifesto comunista eram, na realidade, conflitos entre grupos de status e que Marx e Engels estavam cientes disso, já que, nesse mesmo texto, observaram que, “nas épocas mais antigas da História, encontramos em quase toda parte uma complicada disposição da sociedade em várias ordens, uma múltipla gradação de categorias sociais” e contrastaram essa situação com a “característica distintiva” da época burguesa, em que a “sociedade como um todo está cada vez mais dividida em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente –a burguesia e o proletariado”.[12] (destaques do autor).
No que pese marx e Engels não terem conceituado sistematicamente o fenômeno das classes sociais, conceituaram as principais classes do capitalismo, a saber, burguesia e proletariado, na obra O manifesto Comunista, nos seguintes termos: “burguesia significa a classe dos capitalistas modernos, que possuem os meios da produção social e empregados assalariados. Proletariado, a classe dos trabalhadores modernos que, por não ter meios de produção próprios, são reduzidos a vender a própria força de trabalho para poder viver”[13]. Destarte, pelo conteúdo levantado em nossa pesquisa, definimos classe social, na perspectiva marxista, como uma divisão social, econômica e politica, em grupos antagônicos ou adversários, que se relacionam num sistema de dominação e exploração, ambas fundamentalmente econômicas, sendo, de uma parte uma minoria exploradora, detentora dos meios ou bens de produção; de outra parte, uma maioria explorada em sua força de trabalho, tendo as classes sociais, como causa, a propriedade privada dos meios de produção, e como efeito, a exploração do trabalho e dos integrantes da classe trabalhadora.
Entender o conceito de classe social na concepção marxista possui imprescindível importância para o presente trabalho, em razão, sobretudo, do conceito e entendimento marxista sobre as classes sociais está intimamente ligado ao conceito de Estado, bem como, a possibilidade de sua abolição, conforme a concepção em apreço.
4.1. A Luta de classes
Nestes termos, aduz Marx em sua obra O manifesto comunista:
A história de todas as sociedades que já existiram é a história da luta de classes.
Homens livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, chefe da corporação e assalariado; resumindo, opressor e oprimido estiveram em constante oposição um ao outro, mantiveram sem interrupção uma luta por vezes aberta – uma luta que todas as vezes terminou com uma transformação revolucionária ou com a ruína das classes em disputa.
Nos primeiros tempos da história, por quase toda parte, encontramos uma disposição complexa da sociedade, em várias classes, uma variada gradação de níveis sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos. Na idade Média, senhores feudais, vassalos, chefes de corporação, assalariados, aprendizes, servos. Em quase todas as classes, mais uma vez, gradações secundárias.
A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas.
Nossa época – a época da burguesia – distingue-se, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em duas classes que se opões frontalmente: burguesia e proletariado.[14]
Neste trecho inicial da obra o manifesto comunista, Marx define a Luta de classes como a base de toda a história de todas as sociedades que já existiram, ou seja, a base de toda a história da humanidade no aspecto social. Segundo o teórico em questão, as sociedades anteriores ao capitalismo eram divididas por um sistema de classes ainda mais complexos e numeroso, a sociedade capitalista ou burguesa, conforme vigora atualmente, não aboliu as classes sociais, as simplificou, dividindo a sociedade cada vez mais em dois grandes grupos antagônicos principais, a saber, burguesia e proletariado.
Buscamos uma compreensão sistemática e aprofundada do instituto da Luta de classes, instituto destacado por alguns doutrinadores ou autores marxistas. Haverá um conceito elaborado ou determinado do instituto ou fenômeno da Luta de classes? Na carta a Weidemeyer, Marx esclarece não ter sido ele o descobridor das classes sociais nem da Luta de classes, em suas palavras:
Pelo que me diz respeito, não me cabe o mérito de ter descoberto a existência das classes na sociedade moderna, nem a luta entre elas. Muito antes de mim, alguns historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta de classes, e alguns economistas burgueses, a sua anatomia. O que acrescentei de novo foi demonstrar: 1) que a existência das classes está unida apenas a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes conduz, necessariamente, à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura não é mais que a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes.[15]
Marx não foi descobridor da Luta Classes, conforme suas próprias palavras, entretanto seus trabalhos e teorias contribuíram para a compreensão da luta entre as classes como um fenômeno social e histórico, e não algo natural ou insuperável. As classes sociais, ante a concepção marxista, podem ser objeto de estudo científico e sociológico. Nas palavras de Sahid Maluf:
A Luta de classes é o outro ponto fundamental da doutrina marxista. A sociedade divide-se em duas classes: proprietários e assalariados. Entre essas duas classes existem antagonismos profundos e irreconciliáveis. A luta entre ambas é a luta das forças contrárias, que integra a lei do desenvolvimento, a qual rege a evolução da natureza e da sociedade.
Marx não se refere à luta violenta, oportunista, insuflada pelos agitadores, impregnada de ódio e de paixão, mas a luta natural das forças contrárias, energia íntima que impele a sociedade ao progresso. A Luta de classes, diz Marx, é aquela força benéfica, propulsora do progresso e da civilização. Toda história humana é uma ininterrupta história de luta das forças antagônicas, e todos os progressos da humanidade resultam dessas lutas.[16]
Conclui-se então, que a Luta de classes não deve ser compreendida como uma luta, em sentido vulgar, como uma mera briga ou desavença constante, mas sim, como um complexo processo histórico pelo qual se desenvolve e se desenvolveu todas as sociedades, um processo gradual de desenvolvimento e progresso social, processo pelo qual, conforme a concepção marxista, caminha-se para a extinção das classes sociais. De forma ainda mais sistemática, Tânia Quintaneiro, Maria Lígia de Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira, analisam o processo da Luta de classes na vertente marxista, conforme aduzem:
Portanto, a história das sociedades cuja estrutura produtiva baseia-se na apropriação privada dos meios de produção pode ser descrita como a história das lutas de classes. Essa expressão, antes de significar uma situação de confronto explícito – que de fato pode ocorrer em certas circunstâncias históricas – expressa a existência de contradições numa estrutura classista, o antagonismo de interesses que caracteriza necessariamente uma relação entre classes, devido ao caráter dialético da realidade. Dado que as classes dominantes sustentam-se na exploração do trabalho daqueles que não são proprietários nem possuidores dos meios de produção – assim como em diversas formas de opressão social, política, intelectual, religiosa etc. - a relação entre elas não pode ser outra senão conflitiva, ainda que apenas potencialmente. Para o materialismo histórico, a luta de classes relaciona-se diretamente à mudança social, à superação dialética das contradições existentes. É por meio da luta de classes que as principais transformações estruturais são impulsionadas, por isso ela é dita o “motor da história”. A classe explorada constitui-se assim no mais potente agente da mudança.[17]
Assim, o instituto ou conceito marxista da Luta de classes, compreende um processo ou sistemática de desenvolvimento histórico da humanidade, nos sistemas econômicos que já vigoraram, guardando entre si a identidade na propriedade privada dos meios de produção como base das relações produtivas, que se desenvolve na instituição de um sistema econômico, fundado no domínio de uma classe sobre outra, e consequente superação deste domínio pela classe dominada, com a sucessiva superação do sistema econômico vigente, bem como, as relações de trabalho e produção instituídas, criando-se então uma nova realidade social, qual seja, uma nova forma de produção, com novas classes sócias, derivando-se daí, uma nova concepção, não apenas econômica, mas também social, política e ideológica. A Luta de classes resulta na superação dos antagonismos e conflitos existes, construindo-se uma nova realidade social e promovendo as maiores mudanças históricas.
O entendimento dos institutos ou fenômenos das classes sociais e da Luta de classes nos fornecem um arcabouço necessário para a compreensão do Estado e sua possível abolição, em consonância com a vertente marxista.
5. Concepção marxista de Estado
A concepção marxista acerca do Estado promoveu rupturas e grandes contribuições para a compreensão do Estado amparado nas relações sociais e econômicas, em consonância, seguem as lições de Alysson Mascaro:
O marxismo se revela como a mais alta contribuição para a compreensão do Estado e da política nas sociedades contemporâneas. Na obra de Marx já se expões a mudança radical no modo de entender as categoriais políticas e os fenômenos sociais como o Estado. E, em Marx e em muitos marxistas, para além de uma simples constatação da estrutura e do funcionamento da sociedade, a contribuição é teórica e prática. É no combate à exploração capitalista que são percebidas, concretamente, as dinâmicas e contradições extremas da estrutura política de nossos tempos. O marxismo não só entende a política por horizontes distintos daqueles tradicionais como, na verdade, reconfigura totalmente o âmbito do político e do estatal, atrelando-o à dinâmica da totalidade da reprodução social capitalista.[18]
Na presente seção abordaremos os principais pontos da concepção marxista acerca do Estado, preliminarmente, abordando os precedentes teóricos e filosóficos ao marxismo.
Impende-nos, para uma compreensão mais ampla, entender o pensamento teórico filosófico dominante que antecedia a compreensão marxista do Estado, de tal forma, podemos mensurar a significância da contribuição de Marx, Engels e dos marxistas. Marilena Chauí, na sua obra Convite à filosofia, desenvolve um contexto dos antecedentes históricos à teoria marxista do estado, em suas palavras:
Antes de examinarmos as respostas de Marx a essas indagações, devemos lembrar um conjunto de ideias e de fatos, existentes quando ele iniciou seus trabalho teórico.
Do ponto de vista dos fatos, estamos na era do desenvolvimento do capitalismo industrial, com a ampliação da capacidade tecnológica de domínio da natureza pelo trabalho e pela técnica. Essa ampliação aumenta também o campo de ação do capital, que passa a absorver contingentes cada vez maiores de pessoas no mercado da mão de obra e do consumo, rumando para o mercado capitalista mundial.
Do ponto de vista das ideias, além das teorias liberais e socialista e da economia política, Hegel propõe uma filosofia política, a filosofia do direito.
Hegel explica a Gênese do Estado moderno sem recorrer à teoria do direito natural e do contrato social. O Estado surge como superação racional das limitações que bloqueavam o desenvolvimento do espírito humano: o isolamento dos indivíduos na família e a luta dos interesses privados na sociedade civil. O Estado absorve e transforma a família e a sociedade civil numa totalidade racional, mais alta e perfeita, que exprime o interesse e vontade geral. Por isso, é a realização importante – e a última – da razão na história, uma vez que supera aos particularismos numa unidade universal, que, pelo direito, garante a ordem, a paz, a moralidade, a liberdade e a perfeição do espírito humano.
A história é a passagem da família a sociedade civil e desta ao Estado, término do processo histórico. Esse processo é concebido como a realização da cultura, isto é, da diferença e da separação entre Natureza e Espírito e como absorção da primeira pelo segundo. O processo histórico é o desenvolvimento da consciência, que se torna cada vez mais consciente de si através das obras espirituais da Cultura, isto é, das ideias que se materializaram em instituições sociais, religiosas, artísticas, científico-filosóficas e políticas. O Estado é a síntese final da criação racional ou espiritual, expressão mais alta da ideia e do espírito.
Contra o liberalismo político, Marx mostrará que a propriedade privada não é um direito natural e o Estado não é resultado de um contrato social. Contra a economia política, mostrará que a economia não é a expressão de uma ordem natural racional. Contra Hegel, mostrará que o Estado não é a ideia ou o espírito encarnados no real e que a história não é o movimento da consciência e suas ideias.[19]
Pela breve síntese histórica desenvolvida por Chauí, a concepção hegeliana em conjunto com as concepções do direito natural e do contrato social, constituíam as teorias dominantes para compreensão da origem da entidade estatal. A teoria hegeliana instituiu um caminho alternativo à teoria jusnaturalista e a teoria do contrato social, desenvolvendo uma concepção de Estado fundada na síntese entre a contradição do isolamento dos indivíduos na entidade familiar, e o individualismo dominante nas relações da sociedade civil. Assim, Hegel também concebeu a filosofia do direito.
Em consonância, dentre as principais concepções da gênese do Estado, que antecederam a concepção marxista, estão as concepções do direito natural e do contrato social, ambas concepções possuem, dentre os nomes mais notáveis, incluem-se os filósofos e teóricos Hobbes, Locke e Rosseau.[20] Nas lições de Alysson Mascaro, em sua síntese introdutória da Filosofia do Direito Moderna:
O pensamento jusfilosófico moderno, no movimento que se dá do Absolutismo ao Iluminismo, foi produzido por uma série de pensadores de grande vulto. O último e marcante deles foi Kant. Mas Hobbes, Locke e Rosseau, que influenciaram decisivamente os seus tempos no que tange à política e às lutas sociais, são também três pensadores muitos distintos no que diz respeito aos horizontes postulados, ainda que sejam todos defensores da ideia de contrato social. Ocorre que cada um desses filósofos desenha o contrato social de um modo específico, para proveitos políticos também específicos.
Hobbes é o mais defensor teórico do absolutismo que seu tempo viu produzir, justamente porque assim o faz já liberto da tradição teológica que fundamentava o poder do soberano num direito divino. Hobbes é absolutista mas já com uma visão filosófica moderna, racional. Locke, por sua vez, é o mais destacado pensador dos interesses da burguesia ascendente na Europa. Seu pensamento, que dá as bases ao liberalismo, é totalmente aproveitado pela lógica burguesa.
Rosseau, de todos, o mais importante e mais compromissado com as questões sociais, é aquele que consegue fazer a tensão mais profunda na própria filosofia política e do direito moderna. Rosseau é quem vai mais a fundo, em seu próprio tempo, no desvendamento crítico da democracia e da própria verdade social moderna. Em grande medida, será Rosseau o elo histórico que liga modernidade à filosofia crítica contemporânea.[21]
O pensamento do direito natural e do contrato social, assume diferentes finalidades, quanto ao seu respectivo filósofo, em Hobbes, representa o pensamento absolutista desatrelado à tradição teológica ou divina, em Locke, fundamento o pensamento liberal, de raízes burguesas, e em Rosseau, desenvolve-se uma ruptura, o elo histórico que liga o pensamento politico moderno à filosofia crítica contemporânea, nas quais, incluem a filosofia do marxismo.[22]
Outra concepção de Estado, antecedente ao marxismo, de grande destaque, é a concepção hegeliana. Marx expõe sua apreciação crítica da concepção hegeliana, em sua obra Para a crítica da filosofia do direito de Hegel:
A crítica da filosofia alemã do direito e do Estado, que teve a mais lógica, profunda e completa expressão em Hegel, surge ao mesmo tempo como a análise crítica do Estado moderno e da realidade a ele associada e como a negação definitiva de todas as anteriores formas de consciência na jurisprudência e na política alemã, cuja expressão mais distinta e mais geral, elevada a ciência, é precisamente a filosofia especulativa do direito. Só na Alemanha era possível a filosofia especulativa do direito, este pensamento extravagante e abstrato acerca do Estado moderno, cuja realidade permanece no além, mesmo se este além fica apenas no outro lado do Reno; o representante alemão do Estado moderno, pelo contrário,
que não toma em linha de conta o homem real, só foi possível porque e na medida em que o próprio Estado moderno abstrai do homem real ou unicamente satisfaz o homem total de maneira ilusória. Em política, os Alemães pensaram o que os outros povos fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. A abstração e a presunção do seu pensamento ia a passo com o carácter unilateral e atrofiado da sua realidade. Se, pois, o status quo do sistema político alemão exprime a consumação do ancien régime, o cumprimento do espinho na carne do Estado moderno, o status quo da ciência política alemã exprime a imperfeição do Estado moderno em si, a degenerescência da sua carne.[23]
Na apreciação crítica do direito e do Estado de Hegel, Marx reconhece o caráter abstrato do pensamento hegeliano, que ignora os homens em suas condições reais de vida. A pesquisa e análise do panorama teórico e filosófico do Estado antecedente à concepção marxista, nos faz concluir, que a concepção marxista promove uma frontal ruptura aos institutos do Direito Natural, Contrato Social e o idealismo de Hegel. As vertentes jusnaturalistas, contratualistas e hegelianas, guardam consigo, o desconhecimento e a desconsideração às condições materiais de existência, a forma pela qual os homens vivem. A realidade material dos homens, a saber, o modo pelo qual produzem suas vidas, com seus conflitos, desigualdades e relações de domínio, na qual se inclui o Estado, é interpretada como produto da natureza; um contrato entre homens livres e iguais, e sucessivamente, em Hegel, o produto da livre consciência ou evolução do espírito humano.
Na próxima seção ao adentrarmos na concepção do Estado em Marx e Engels, promoveremos uma compreensão mais ampla do seu caráter crítico.
5.2. O Estado na concepção marxista (origem e finalidade)
Nesta seção abordaremos o Estado na concepção de marxista (Marx e Engels), sobretudo, quanto à sua origem e finalidade. Cumpre-nos primeiro abordar a questão quanto às origens do Estado na concepção marxista, para em seguida, a compreensão da finalidade ou razões do Estado na organização social.
Marilena Chauí apresenta um contexto da gênese histórica, sociológica e econômica do Estado, em consonância com a vertente marxista, assim leciona:
Dissemos acima que Marx indaga como os homens passaram da submissão ao poder pessoal de um senhor para a obediência do poder impessoal de um Estado. Para responder a essa questão, é preciso desvendar a gênese do Estado.
Os seres humanos, escrevem Marx e Engels, distinguem-se dos animais não porque sejam dotados de consciência – animais racionais –, nem porque sejam naturalmente sociáveis e políticos –, mas porque são capazes de produzir as condições de sua existência material e intelectual. Os serem humanos são produtores: são o que produzem e como produzem, A produção das condições materiais e intelectuais de existência não são escolhidas livremente pelos seres humanos, mas estão dadas objetivamente, independente de nossa vontade. Eis porque Marx diz que os homens fazem a história, mas não a fazem em condições escolhidas por eles. São historicamente determinados pelas condições em que produzem suas vidas.[24]
O surgimento do Estado representou o fim da submissão pessoal a um senhor proprietário, para a submissão a uma entidade, que se se apresenta como imparcial ou impessoal, representante do interesse geral, qual seja, o Estado. A compreensão das origens do Estado na vertente marxista, imprescinde da compreensão da concepção materialista histórica da sociedade, conforme abordada em seção anterior, em outras palavras, a compreensão da gênese do Estado, impende-nos à compreensão do sistema econômico como organização fundamental da sociedade. Assim corroborando, nas palavras de Chauí:
As relações sociais de produção não são responsáveis apenas pela gênese da sociedade, mas também pelo Estado, que Marx designa como superestrutura jurídica e política, correspondente à estrutura econômica da sociedade.
Qual a gênese do estado? Conflitos entre proprietários privados dos meios de produção e contradições entre eles e os não proprietários (escravos, servos, trabalhadores livres). Os conflitos entre proprietários e as contradições entre proprietários e não proprietários aparecem para a consciência social sob a forma de conflitos e contradições entre interesses particulares e o interesse geral. Aparecem dessa maneira, mas não o são realmente como aparecem. Em outras palavras, onde há propriedade privada, há interesse privado e não pode haver interesse coletivo e geral.
Os proprietários dos meios de produção podem ter interesses comuns, pois necessitam de intercâmbio e de cooperação para manter e fazer crescer a propriedade de cada um. Assim, embora estejam em concorrência e competição, precisam estabelecer certas regras pelas quais não se destruam reciprocamente nem às suas propriedades.
Sabem também que não poderão resolver as contradições com os não proprietários e que estes podem, por revoltas e revoluções populares, destruir a propriedade privada. É preciso, portanto, que os interesses comuns entre proprietários dos meios de produção e a forma para dominar os não proprietários, sejam estabelecidos de maneira tal que pareçam corretos, legítimos e válidos para todos. Para isso, criam o Estado como poder separado da sociedade, portador do direito e das leis, dotado de força para usar a violência na repressão de tudo quanto pareça perigoso à estrutura econômica existente.
No caso do estado moderno, como vimos, as ideias do Estado de natureza, direito natural, contrato social e direito civil fundam o poder politico na vontade dos proprietários dos meios de produção, que se apresentam como indivíduos livres e iguais que transferem seus direitos naturais ao poder político, instituindo a autoridade do Estado e das leis. (grifos do autor).[25]
As origens do Estado encontra, na concepção marxista, uma explicação fundada nas condições materiais de existência humana. O desenvolvimento histórico dos modos de trabalho e produção, bem como, os conflitos e a dominação entre as classes sociais, apresentam correlação com a fundação do Estado. As noções de Estado natural, direito natural e direito civil, que transferem o poder politico e social à instituição do Estado, são instituições criadas pelas classes proprietárias.
Na visão da referida autora, a instituição do Estado tem sua origem na necessidade de cooperação entre os proprietários, nos seus interesses comuns, bem como, a dominação e controle da classe ou grupo dos proprietários privados sobre os não proprietários, o que possibilita a manutenção das contradições entre as classes, contradições não solucionáveis dentro da estrutura econômica onde vigora a divisão de classe.
Alysson Mascaro ressalta a relevância do pensamento marxista acerca do Estado, em suas palavras:
Marx é o grande transformador da tradição do pensamento jusfilosófico e da filosofia política: ao mesmo em que se debruça às bases, tocando em todos os fundamentos da filosofia política e do direito to Moderno, terá o efeito de denúncia do profundo idealismo e caráter burguês de tais conceitos. Pode-se dizer que Marx alcança, sobre o Estado e a política, um patamar nunca antes alcançado por toda filosofia. Os fios estruturantes que ligam a política às condições materiais concretas, ao nível econômico, são o fundamento político mais profundo compreendido a ser revelado pela filosofia.[26]
Considerando-se a revolução promovida no pensamento político pelo marxismo, o referido autor, reconhece na concepção marxista, ao ligar as condições materiais concretas de existência à política, a maior transformação já trazida a ciência política. Nessa linha, segue sua análise da gênese e do fundamento do Estado, consoante a vertente marxista:
A descoberta fundamental de Marx, para o campo da política, é a ligação necessária entre as formas políticas modernas e a lógica do capital. O Estado moderno torna os indivíduos cidadãos. Instituído como sujeito de direito, cada ser humano está apto a transacionar nos mercados. Poder-se-ia reputar esse fato, da constituição do sujeito de direito pelo Estado, como fundamento isolado, ocasional, ocorrido na época moderna. No entanto, a grande contribuição de Marx está em demonstrar os mecanismos estruturais do processo.
O Estado moderno se constitui numa instância isolada, apartada da dependência direta dos senhores e dominadores, justamente porque o modo de produção da vida moderna é específico. O capitalismo demanda que a apropriação da riqueza gerada pelo trabalho seja feita não a partir da coerção com violência contra o trabalhador. Pelo contrário, o trabalhador é constituído como sujeito de direito, livre, apto a ter direitos subjetivos e deveres, e, por meio dessa nova condição política, cada trabalhador pode vender seu trabalho aos capitalistas de maneira livre, isto é, por meio de vínculos que obrigam tendo por fundamento uma relação jurídica, e não uma mera força.
Assim sendo, a instância de coerção política não se apresenta como diretamente dominada pela burguesia. Ela se presta, de fato, ao interesse burguês, mas não porque seja controlada a todo momento pela vontade da burguesia, e sim porque sua lógica, ao construir sujeitos de direitos, torna todos juridicamente iguais e livres. O Estado moderno é burgues porque parece não o ser. Isto é, tonando a todos cidadãos livres e iguais formalmente, dá condições de que os capitalistas explorem os trabalhadores por meio de vínculos que se apresentam, à primeira vista, como voluntários.
Nas sociedades escravagistas, o trabalhador é diretamente jungido pelo senhor para o trabalho. Não há uma instância terceira que faça tal intermediação. No capitalismo, por sua vez, para que haja exploração, os trabalhadores e os burgueses devem ser tornados “iguais” por uma instância política terceira, que seja distinta de ambos. O Estado moderno cumpre esse papel. Mas não o cumpre porque seja, de fato, a unificação geral dos interesses, o bem comum. O Estado surge como condição estruturante da exploração jurídica do trabalho. Serve como ultima ratio do poder, na medida que mantém um aparato de repressão para oprimir as ações que impeçam o funcionamento da máquina de reprodução econômica capitalista. Mas a opressão no capitalismo, ao contrário do escravagismo, se esconde. A ilusão de que o trabalhador é livre, porque escolhe quem o explorará, leva a essa máscara que se põe sobre a própria exploração do capital exploração do capital e do Estado.
Por essa razão, o Estado funciona para exploração capitalista, mas não como a guerra e a brutalidade do poder funcionavam para o escravagismo. Nesse modo de produção, o poder é visto, a olhos nus, como brutalidade. No capitalismo, por sua vez, o Estado, que existe para garantir a possibilidade de exploração indistinta dos trabalhadores, se apresenta aos olhos das pessoas, como o contrário: é o bem como, a democracia, o público contra o privado etc. Trata-se do caráter ideológico do Estado, que revela uma face que não é sua verdade. O Estado se apresenta como universal para atender à reprodução de uma estrutura de apropriação da riqueza do trabalho por alguns particulares.[27]
Isto posto, pela lógica do pensamento marxista, a origem do Estado se encontra, consoante Chauí, na propriedade privada dos meios de prodição e na divisão de classe, e a origem do Estado Moderno, em consonância com Mascaro, encontra-se no modo econômico capitalista.
O Estado Moderno, amparando-nos nas lições do autor, nasce como instrumento que possibilita o domínio econômico da classe capitalista ou burguesa sobre os trabalhadores. O Estado Moderno, apresentando-se como um elemento imparcial, acima da sociedade, possibilita o domínio exploratória da classe capitalista, esse domínio não se funda na força bruta, mas numa sistemática ideológica, que induz os trabalhadores a reconhecer o Estado como entidade representante da vontade coletiva e do bem comum, mascarando sua verdadeira gênese e finalidade, qual seja, o domínio de classe. Assim, o poder do Estado Moderno assume um caráter ideológico, ainda que subsidiariamente possa utilizar da força para a defesa da manutenção das relações econômicas de produção. O Estado Moderno, diferente das organizações de poder das sociedades escravagistas, sustenta e reproduz o domínio da classe burguesa, não apenas através da força, mas através da ideologia, de uma falsa percepção da realidade, consistente na aparência de instituição fundada na vontade geral, no bem comum, bem como, garantidora dos direitos sociais, coletivos e da igualdade entre os homens, entretanto, apenas no plano legalista, pois, havendo propriedade privada e divisão de classe, não há interesse social, bem comum, vontade geral, direito coletivo ou igualdade.
Engels, em sua obra: A origem da família, propriedade privada e do Estado, assim conclui:
O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é “a realidade da ideia moral”, nem “a imagem e a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.[28]
Assim, Engels conclui que a origem e finalidade do Estado, baseia-se na divisão social de classes, quando a sociedade atinge determinado nível de desenvolvimento. Sem a instituição do Estado, é impossível manter a divisão de classe, ou seja, o domínio econômico ou exploratório de uma classe sobre outra, pois a Luta de classes seria um confronto constante e permanente, não sendo possível às classes dominantes, sustentar e manter seu domínio, haja vista, o caráter irreconciliável e antagônicos dos interesses de classe. A instituição de uma organização imparcial, que se coloca acima da sociedade, parecendo originar-se por fora dela e apresentando-se com verdadeira dominadora da sociedade, é o que possibilita a dominação real, a saber, o domínio econômico das classes proprietárias.
Destarte, concluímos que, entender as origens e finalidades do Estado, sob a vertente marxista, para então compreender a possibilidade de sua abolição, exige também, entender o Estado como instrumento ou organização de domínio de classe, como será tratado na seguinte seção.
5.3. Estado e ditadura de classe
Concluímos, até o presente momento, que a origem e finalidade do Estado, sob a vertente marxista, está intimamente relacionada ao domínio econômico de uma determinada classe. Norberto Bobbio expõe uma considerável análise acerca do pensamento marxista, no tocante à concepção classista do Estado, em suas palavras:
A ideia do Estado razão vai bem além do jusnaturalismo e chega a Hegel, que define o Estado como “racional em si e por si”. Deste ponto de vista, o autor, não obstante o seu declarado antijusnaturalismo, leva às últimas consequências a ideia do Estado – razão que, enquanto tal, é também Estado – potência. Não diferente de Hobbes, Hegel é o intérprete do mesmo processo histórico, a formação do Estado territorial moderno, que unifica, em um só corpo orgânico os esparsos membros da sociedade medieval. O Estado da restauração que ele tem diante de si é um Estado que se recompôs depois da laceração da Revolução francesa, e é a continuação daquele mesmo Estado que, no início da era moderna, impôs a própria unidade a um mundo dilacerado pelas guerras religiosas. Hegel, o mestre de Marx (que Marx irreverentemente subverte), é aquele que escreveu: “Somente no Estado o homem tem existência racional”.
Demorei-me nessas referências textuais para que, a partir delas, ficasse clara a reviravolta radical que Marx operou sobre essa tradição apologética do Estado. Para Marx, o Estado não é o reino da razão, mas o reino da força. Não é o reino do bem comum, mas do interesse de uma parte. O Estado não tem por fim o bem – viver de todos, mas o bem – viver daqueles que detêm o poder, os quais, além do mais, tem sido até agora, na história da humanidade, uma minoria. Que o Estado tem por fim o bem comum, o bem – viver, ou mesmo a justiça, é uma ideologia da qual a classe dominante se utiliza para dar aparência de legitimação do próprio domínio. O Estado não é a saída do estado de natureza, mas sim a sua continuação sob outra forma. O estado de natureza, considerado de modo hipotético por Hobbes como estado no qual vigora o direito do mais forte, nunca faltou na história. Prolongou-se no Estado, ainda que não mais na forma, de resto de todo hipotética, da guerra de todos contra todos, mas na forma de conflito permanente entre as classes que vão se sucedendo e conquistando, a cada circunstância, o domínio, e que, uma vez conquistado o domínio, não podem mantê-lo senão através da força. A saída definitiva do estado de natureza talvez seja, para Marx, não o Estado, mas o fim do Estado, a sociedade futura sem Estado.[29]
À luz do renomado autor, na concepção marxista, o Estado não representa a razão ou fim do estado de natureza, conforme concepções hegeliana e hobbesiana, respectivamente, mas a manutenção do poder de uma determinada classe, através do uso da força. A razão hegeliana, bem como o fim do estado de natureza, de Hobbes, ignoravam o Estado como organização de domínio classista. O reconhecimento do estado como instrumento de manutenção do domínio de classe, constituiu uma grande ruptura promovida por Marx.
Com o processo da Luta de classes, como abordamos, o processo histórico de dominação de classe, e superação dessa dominação pelas classes oprimidas, faz-se necessário uma organização que possibilite o domínio dessa, até então, nova classe dominante, possibilitando o domínio territorial de uma classe, essencialmente pelo uso da força. Guardando a aparência de representante da razão, da vontade geral, do bem – comum, da justiça, da democracia, etc, em sua essência, o Estado é a organização destinada à manutenção dos interesses de uma classe. Em consonância, a prevalência real dos valores morais e sociais defendidos pelo Estado, só podem efetivar-se, com o fim do próprio Estado. O Estado não impossibilita a guerra de todos contra todos, na verdade, possibilita o domínio político-econômico de uma minoria, representada pela classe dominante, contra uma maioria, representada pela classe dominada.
O entendimento do Estado como organização política econômica, fundado no domínio classista, constitui a base principal do pensamento político marxista. Nesse sentido, seguem mais lições do renomado cientista político italiano, ao tratar das concepções negativas do Estado:
Na concepção negativa tradicional de inspiração religiosa, o que exige o aparato da força é a maldade dos súditos; na concepção marxiana e marxista, é a maldade (uso esta expressão por razões de simetria, ainda que não seja literalmente correta) dos governantes. Trata-se, em suma, da mesma interpretação da função do Estado, mas vista a partir de pontos de vista opostos: ex parte populi, a primeira, ex parte principis, a segunda. Na concepção tradicional, o Estado é por necessidade um aparato coativo porque deve refrear é por necessidade um aparato coativo porque deve refrear os súditos; na concepção marxiana, o Estado é por necessidade um aparato coativo porque somente através da força a classe dominante pode conservar e perpetuar seu próprio domínio. A justificação do uso absoluto e exclusivo da força é, nas duas concepções, oposta. Na primeira é justificada pela culpidez dos súditos, na segunda pela culpidez da classe dominante. Poderíamos até mesmo dizer que a teoria de Marx é uma dessacralização da justificação tradicional que aceita a força repressiva do Estado como remédio para os instintos beluínos da “massa peccati”: a força do Estado não é necessária, como foi sendo repetido pela ideologia dominante (que é marxianamente ideologia da classe dominante), para o bem dos governados, mas no interesse dos governantes.[30]
Dentre as concepções negativas do Estado, ou seja, as que desenvolvem uma vertente de juízo negativo acerca do Estado, como instrumento de coação, a marxista se distingue da tradicional, por atribuir ao Estado uma finalidade negativa diferente, qual seja, possibilitar o domínio dos governantes, governantes estes, que em realidade, são os membros da classe dominante. Entretanto, onde surge a noção de ditadura de classe? Seria ditadura de classe sinônimo de domínio de classe? Mais uma vez, recorremo-nos a Bobbio:
Além disso, se ficarmos ao pé da letra de muitas passagens marxianas, engelsianas e marxista, do ponto de vista das reais relações de domínio e não das relações aparentes, que são estabelecidas nas constituições formais e que a própria realidade do domínio se encarrega de esvaziar de qualquer valor substancial, todos os Estados são “ditaduras”, tanto que se tornaram lugar – comum, não apenas na teoria, mas, o que mais conta, na prática do movimento operário, durante, pelo menos, um século, as expressões “ditadura da burguesia” e “ditadura do proletariado”. Nada vem mais a calhar do que a seguinte passagem, extraída de Stato e rivoluzione, de Lenin, para mostrar que, uma vez estendido para todos os Estados o caráter de ditadura, a distinção das formas de governo, já não tem sentido algum: “A essência da doutrina do Estado de Marx realizou-se propriamente apenas naqueles que compreenderam que a ditadura de uma classe é necessária não apenas para qualquer sociedade classista em geral, não apenas para o proletariado depois de ter derrubado a burguesia, mas também para um inteiro período histórico que separa o capitalismo da sociedade sem classes do comunismo. As formas de Estado burgueses são extraordinariamente variadas, mas a sua essência é uma só: todos esses Estados são de um modo ou de outro, em última instância, necessariamente, uma ditadura da burguesia. A transição do capitalismo para o comunismo não pode deixar de originar um grande número e uma grande variedade de formas políticas, mas sua essência será inevitavelmente uma só: a ditadura do proletariado”.
É preciso, antes de mais nada, livrar o terreno de uma cilada terminológica. Quando Marx e os marxistas falam de “ditadura”, relacionando-a a uma classe, não usam o termo no sentido técnico, para qual ditadura é, desde o tempo da antiga Roma, uma magistratura extraordinária que se justifica, e é portanto perfeitamente legítima, quando for declarado Estado de exceção.
Tanto ditadura quanto despotismo, em suma, não são utilizados por Marx para indicar específicas formas de governo, segundo seu significado técnico, mas unicamente para representar com particular força polêmica o “domínio” de uma classe sobre as outras (e não é por acaso que a classe que exerce a chamada ditadura ou o chamado despotismo é chamada de “dominante”).[31]
Ante o exposto, a expressão ditadura de classe marxista, não se refere a uma ditadura de forma política, como o senso comum costuma designar ditadura. O próprio Estado é, por essência ou por excelência, uma ditadura, no sentido de ser instrumento de dominação de classe. A definição de estado como ditadura de classe, o revela como instrumento que possui em sua essência ou razão de ser, a opressão e o domínio de uma classe social e econômica.
Em razão de considerar o Estado, em sua essência, instrumento do domínio de classe, a forma política, na vertente marxista, recebe um tratamento de menor importância, haja vista, tratar-se de uma mera aparência, que serve de meio para ocultar e possibilitar o domínio de classe, assim como ocorre com instituição das constituições políticas, que terminam por ocultar o domínio real, o domínio social verdadeiro, que é o domínio econômico. Nesse sentido, o Estado é uma ditadura socioeconômica de uma determinada classe, que detêm o domínio numa determinada relação social de produção.
Assim, no capitalismo, não obstante a crença social ou ideologia de um Estado democrático de direito, para a concepção marxista, tem-se, na realidade das relações sociais, não uma democracia, mas sim, uma ditadura da burguesia. Em Aparelhos ideológicos de Estado, de Louis Althusser, encontramos uma considerável descrição do Estado, sob a vertente marxista:
A tradição marxista é formal: desde o manifesto e do 18 Brumário (e em todos os textos clássicos posteriores, sobretudo no de Marx sobre a comuna de Paris e no de Lênin sobre o Estado e revolução, o Estado é explicitamente concebido como um aparelho repressivo. O Estado é uma “máquina” de repressão que permite às classes dominantes (no século XIX à classe burguesa e à “classe” dos grandes latifundiários) assegurar a sua dominação sobre a classe operária, para submetê-la ao processo de extorsão da mais valia (quer dizer, à exploração capitalista).
O Estado é, antes de mais nada, o que os clássicos do marxismo chamaram de o aparelho de Estado. Este termo compreende: não somente o aparelho especializado no sentido estrito), cuja existência e necessidade reconhecemos pelas exigências da prática jurídica, a saber: a política – os tribunais – e as prisões; mas também o exército, que intervém diretamente como força repressiva de apoio em última instância (o proletariado pagou com seu sangue esta experiência) quando a polícia e seus órgãos auxiliares são “ultrapassados pelos acontecimentos”; e, acima deste conjunto, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração.
Apresentada desta forma, a “teoria marxista-leninista” do Estado toca o essencial, e não se trata por nenhum momento de duvidar que está aí o essencial. O aparelho de estado como força de execução e de intervenção repressiva “a serviço das classes dominantes”, na luta de classes da burguesia e seus aliados contra o proletariado é o Estado, e define perfeitamente a sua função fundamental.[32]
Nestes termos, Althusser define o Estado, aparado no marxismo, como “aparelho” ou “máquina” de domínio das classes dominantes, a partir do século XIX, o Estado é aparelho de domínio e repressão da classe burguesa sobre o proletariado. A função fundamental do Estado é o domínio de classe, seja pela organização política – jurídica, ou pelo uso da força bruta, a exemplo das forças armadas, esta, aplicada em última instância.
Sobre a teoria marxista descritiva do estado, Althusser assevera:
Diremos, com efeito, que a teoria descritiva do Estado é justa uma vez que a definição dada por ela de seu objeto pode perfeitamente corresponder à imensa maioria dos fatos observáveis no domínio que lhe concerne. Assim, a definição do Estado como Estado de classe, existente no aparelho repressivo de Estado, elucida de maneira fulgurante todos os fatos observáveis nos diferentes níveis de repressão, qualquer que seja seu domínio: desde os massacres de junho de 1848 e da Comuna de Paris, do domingo sangrento de maio de 1905 em Petrogrado, da Resistência, da Charonne, etc… até as mais simples (e relativamente anódinas) intervenções de uma “censura” que proíbe a Religiosa de Diderot ou uma obra de Gatti sobre franco; elucida todas as formas diretas ou indiretas de exploração e extermínio das massas populares (as guerras imperialistas); elucida a sútil dominação cotidiana aonde se evidencia (nas formas de democracia política, por exemplo) o que Lênin chamou depois de Marx de ditadura da burguesia.
Precisemos inicialmente um ponto importante: O Estado (e sua existência em seu aparelho) só tem sentido em função do poder de Estado. Toda luta política das classes gira em torno da posse, isto é, da tomada e manutenção do poder de Estado por uma certa classe ou por uma aliança de classes ou frações de classes.[33]
Ao entender o Estado como Estado de classe, possibilita-se a compreensão das repressões históricas sofridas pelas classes populares, em suma, a classe trabalhadora. Conforme o referido autor, Lênin definiu a ordem capitalista burguesa como ditadura da burguesia. O aparelho de domínio de classe, ou ditadura de classe, permite uma repressão tanto no plano de controle político – legalista, quanto no plano de controle repressivo pela violência, o que ocasiona e ocasionou massacres históricos, sobretudo, contra as classes dominadas ou oprimidas, a saber, as classes populares.
Depreende-se, que o estado como instrumento, máquina ou aparelho de classe, relaciona-se diretamente com a necessidade de manutenção do domínio social, político de e econômico de uma determinada classe. O aparelho de Estado ou ditadura de Estado, portanto, poderá ser tanto uma ditadura burguesa, quanto uma ditadura proletária. A Luta de classes, gira em torno da tomada do poder do Estado, pois este é o instrumento que representa o poder da dominação social, em amplo sentido, de uma determinada classe.
Encontramos, na obra o manifesto comunista de Marx, uma passagem que aprecia o Estado conforme a visão do autor:
A burguesia, afinal, com o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou para si própria, no Estado representativo moderno, autoridade política exclusiva. O poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda burguesia.[34]
A luz da referida passagem, Marx define o Estado representativo moderno como instrumento originário do desenvolvimento industrial e mercantilista internacional. Definindo sua função, Marx esclarece ser o Estado, um elemento de autoridade política da burguesia, bem como, o poder executivo do Estado, precisamente, como um comitê destinado a administrar assuntos da burguesia como classe.
Isto posto, nos parece inequívoco a correlação entre o Estado e o domínio territorial de classe, logo, o poder executivo ou administrativo do estado, por essência, é o poder administrativo ou gerenciador dos interesses da classe dominante, ou seja, dos interesses da ditadura da classe que exerce o domínio.
Assim, também corrobora o autor Leovegildo Pereira Leal, em sua obra: Marxismo e socialismo – Análise crítica da Revolução Cubana, nestes termos:
O Estado só aparece no cenário histórico, quando, no interior mesmo daquelas sociedades e por efeito de determinado desenvolvimento técnico, surge a divisão do trabalho, a produção de excedentes e, por consequência, as classes sociais, uma das quais, por definição, explora a outra e se apropria dos frutos de seu trabalho. É esta a equação fundamental demonstrada em A origem…[35]: o estado foi criado para garantir a exploração de uma classe social sobre outra.
A reflexão a respeito do caráter geral do estado, nas suas relações concretas com a sociedade em que está postado, é tema permanente de toda teoria política marxista, enfatizadas tais relações gerais em todas as manifestações de Marx e Engels, sustentando aprofundamentos especificamente teórico-analíticos ou parametrando posicionamentos políticos. Pode-se mesmo dizer que este é o tema fundador da teoria marxista. Pois foi sobre este tema que Marx produziu seus primeiros trabalhos mais significativos, como Crítica da filosofia do direito de Hegel e A questão judaica, a que se seguiram A ideologia alemã, Miséria da filosofia, O Manifesto, O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, Contribuição à crítica da economia política, Guerra civil na França e Crítica ao programa de Gotha, além trabalhos de intervenção política direta, que aprofundaram, desenvolveram e especificaram um conceito – base que perpassa e sustenta toda a reflexão de Marx e Engels sobre o tema: o estado surge da sociedade e é expressão das relações sociais de produção que caracterizam esta sociedade.[36]
Nas lições do autor, em sua obra marxista, a concepção do Estado como instrumento de classe, constitui uma das bases e fundamentos principais da teoria marxista, sobretudo no campo politico. O Estado encontra origem, fundamento e razão, no desenvolvimento histórico da sociedade, a partir do momento que surge a divisão de trabalho e divisão de classes, como instrumento que garante a permanência dessa estratificação política e econômica da sociedade.
O Estado seria então, a expressão dos sistemas econômicos sociais, nos quais vigoram a divisão de classe e divisão do trabalho, sua origem e razão se encontra na sua imprescindibilidade para as classes dominantes, que são as classes exploradoras do trabalho e dos trabalhadores. Em outra passagem, Leovegildo Leal, amparando-se em Engels, sintetiza a vertente marxista do Estado como instrumento de domínio classista:
Talvez não fosse necessário fazer presente que a consideração de ser todo e qualquer estado instrumento de dominação de classe constitui uma das pedras fundamentais da construção marxista. […] de todo modo, não será ocioso reproduzir a formulação de Engels no A origem…[37], uma síntese que permanece atual em seus termos:
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo de classe e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por geral, o Estado de classe mais poderosa, da classe economicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida.[38]
O estado, com fulcro na vertente marxista e engelsiana, encontra sua origem e razão no antagonismo de classe. Originando-se no antagonismo de classe, o Estado institui-se como instrumento ou aparelho a fins de possibilitar o domínio territorial de determinada classe, a saber, a classe dominante. O antagonismo de classe, faz necessário um instrumento que possibilite a manutenção de antagonismo, no sentido de permitir um domínio de uma classe minoritária (proprietária) sobre outra classe majoritária (trabalhadora), destarte, o Estado possibilita esse antagonismo, não apenas através da força bruta ou da força armada, mas também através de um fenômeno ideológico, pois a existência de uma instituição “superior” que se apresenta como governante geral da sociedade a serviço do bem comum ou vontade geral, termina por esconder as relações de domínio reais, ou seja, as relações de domínio verdadeiras, quais sejam, o domínio econômico da classe detentora dos meios de produção, classe esta, a verdadeira governante da sociedade, que exerce o poder de domínio real, para qual o Estado é mero instrumento, domínio definido pela concepção marxista como uma ditadura, uma ditadura de classe.
Concluímos assim, com base nas obras marxistas pesquisadas, que o Estado encontra sua origem, razão e finalidade na existência de classes sociais, assim, nos moldes da vertente em apreço, inexistindo classes sociais, ou seja, a divisão de classes, bem como, a divisão do trabalho, a instituição do Estado, perderá sua razão se ser ou de existir.
6. Concepção marxista de Política
Ao pesquisarmos e analisarmos a concepção marxista de Estado, por oportuno, encontra cabimento também analisarmos a concepção marxista de política e do Direito, o que faremos nas seguintes subseções.
Entender o significado de política na concepção marxista, guarda correlação direta com o objeto do presente trabalho, assim, encontramos uma definição direta de política, nas palavras do próprio Marx, em sua obra O manifesto comunista, nestes termos, assevera o autor:
Quando, no curso do desenvolvimento, as diferenças de classe tiverem desaparecido e toda a produção tiver sido concentrada nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder político, propriamente chamado, é, meramente, o poder organizado de uma classe para oprimir outra.[39] (grifos nossos).
Nas lições do próprio Marx, o poder político é um poder organizado para garantir a opressão e domínio de uma classe sobre outra, assim, o poder público, na ordem econômica socioeconômica vigente, possui um caráter político, e não verdadeiramente público ou coletivo, ou seja, um caráter de instrumento destinado ao domínio de uma classe social – econômica sobre outra. Para melhor entendermos o posicionamento do pensamento marxista acerca da política, nos embasamos nos trabalhos de alguns autores marxistas, marxistas no sentido de abordarem um estudo e análise acerca de obras de cunho marxista. Poucos autores marxistas nacionais, conforme pesquisado, aprofundaram-se tanto no tema em questão quanto Alysson Mascaro. Conforme assevera o referido autor:
Marx acentua em suas obras o vínculo histórico estruturante entre o Estado e a lógica do capital. A forma política moderna eleva ao extremo as condições ideais da própria reprodução econômica. No surgimento do Estado moderno, o poder estatal ainda não estava plenamente nas mãos da burguesia. Por essa razão, havendo ainda conflito entre a velha classe aristocrática e a nova classe burguesa, o aparato estatal não dava plenas condições para a circulação mercantil geral, inclusive a circulação geral do trabalho como mercadoria. Os privilégios da nobreza, a falta de liberdade negocial e a desigualdade jurídica não constituíam um solo propício ao pleno funcionamento da máquina de exploração do capital.
Na idade Contemporânea, desenvolve-se então um aparato estatal cuja forma – um poder imparcial e distinto das classes, que garanta a liberdade negocial e a igualdade formal, constituindo todos como sujeitos de direito – é enfim tornada plena. Mas tal forma política, sendo correspondente das necessidades da exploração capitalista, não é o horizonte final da ação política humana de todos os tempos: é, tão somente, a plena forma política do capitalismo.
Há contradições profundas na forma político estatal do capitalismo. Os trabalhadores, para se venderam à exploração capitalista, são tornados formalmente sujeitos de direito e cidadãos, e, portanto, votam. Brechas políticas são abertas justamente pela necessidade de a forma política parecer “equidistante” das classes. É certo que, no atrito das próprias estruturas políticos capitalistas, as contradições podem se tornar ainda mais agudas. No entanto, não são essas contradições que por si só, levam à superação do capitalismo. É preciso uma mudança nas relações de produção em vigor para que haja a superação do capitalismo e a transição ao socialismo.[40]
Com fulcro na síntese histórica elaborada pelo autor, a política moderna, bem como o Estado moderno, conforme tratado no tópico anterior, relaciona diretamente com a forma capitalista de produção e o domínio econômico e social da classe burguesa. Sendo o Estado moderno instrumento de domínio burguês, a política moderna, nessa analogia, é meio para manutenção do domínio da classe burguesa.
A política moderna encontra suas origens no desenvolvimento do modelo capitalista de produção, bem como, na consolidação do domínio burguês ante a política e o direito aristocrático e escravagista, que impossibilitava a livre circulação de mercadorias, sobretudo, a liberdade na compra e venda da força de trabalho, transformando-a em mais uma mercadoria. A política moderna viabilizou o pleno desenvolvimento do sistema econômico capitalista burguês.
A livre circulação de mercadorias e do trabalho como mercadoria, exige uma nova ordem política, uma ordem política diversa da vigente no sistema aristocrático escravagista. As mercadorias precisam circular, precisam ser compradas e vendidas, o que só é possível com o surgimento de uma classe, a classe proletária, que com seus salários, oriundos da compra e venda da sua força de trabalho, alimente e sustente, de forma cíclica, a nova relação econômica social vigente, até então, a saber, o capitalismo. Destarte, a política moderna é imprescindível para a plena expansão, inclusive territorial e internacional, da forma política capitalista, diretamente correlacionada com a exploração do trabalho.
Em sua recente obra, Estado e forma política, Mascaro desenvolve uma considerável análise e apreciação acerca da política moderna como instrumento de domínio classista burgues e capitalista.
Pode-se reconhecer o núcleo da forma estatal num aparato de poder político separado dos indivíduos, grupos e classes. De fato, é nesse aparato que reside o imediato da identificação do Estado. No entanto, a forma política estatal só pode ser compreendida de modo relacional. Além de sua internalidade – as características e as configurações próprias de um poder político impessoal e apartado do poder econômico da sociedade –, a forma política necessita, para sua identificação, de uma externalidade: somente em relações sociais de tipo capitalista, permeadas pela forma – mercadoria e pelo antagonismo de classes entre o capital e o trabalho assalariado, tal aparato político adquire a forma social que o constitui.
A forma política estatal deve ser buscada no seu interior e em suas instituições próprias, para o reconhecimento de sua manifestação imediata, mas só pode ser identificada estruturalmente mediante a sua posição no conjunto da reprodução das relações sociais capitalistas. É justamente tal elemento externo a si que lhe dá identidade. Sociedades do passado houve com algum grau de separação do poder político do poder econômico. No entanto, somente as relações sociais capitalistas constituem formas sociais como a forma – valor, a forma – mercadoria, a forma – sujeito de direito. É apenas entrelaçada estruturalmente nesse conjunto que a forma política estatal se revela. Seus atributos internos podem lhe dar a dimensão de suas variantes, mas sua posição no contexto geral das relações sociais dá-lhe causa, identidade e existência.[41]
Mascaro correlaciona a forma política estatal com o modo de produção capitalista. O poder político estatal só pode ser compreendido pela compreensão das formas sociais de produção. Apresentando-se como um poder apartado ou separado das relações econômicas da sociedade, ou seja, um poder imparcial, o poder político adquire a forma social de representação de institutos originariamente capitalistas, dente eles, a circulação de mercadorias, a noção de sujeito de direito e o antagonismo entre o capital e o trabalho. Em consonância, a política moderna, nos mesmos moldes do Estado moderno, guarda relação direta com as instituições econômicas e sociais da ordem capitalista. É no contexto das formas sociais e dos institutos sociais capitalistas, que se pode compreender estruturalmente a forma política de Estado.
Se para Marx, a política é um meio ou manifestação organizada do poder, domínio ou opressão econômica de uma classe sobre outra, em Alysson Mascaro, constatamos que a politica estatal moderna, em consonância com o pensamento marxista, apresenta vinculação direta com as relações sociais da forma capitalista de produção.
6.2. A questão da Democracia
Compete-nos, aqui, a abordagem da questão da democracia sob a vertente marxista. Qual a noção de democracia ou de regime democrático sob a ótica marxista? A forma política democrática, ou ao menos, que se designa democrática, representa mesmo ou interesses da coletividade? Alysson Mascaro disserta sobre a questão em apreço, em suas palavras:
No capitalismo, a forma política democrática está entranhada à forma jurídica, residindo aí seu talhe, seu espaço típico e seus limites. Os agentes econômicos são tornados sujeitos de direito e, como extensão dessa subjetividade para o plano político, cidadãos. Tal qualificação dos direitos políticos granjeia o acesso ao Estado segundo direitos, deveres, garantias, poderes e obrigações estatuídos juridicamente. Trata-se de um investimento à vida política nos termos da atribuição jurídica para tanto. Seu locus fundamental é o direito, desdobrado no plano eleitoral e no plano da constituição e do resguardo da subjetividade mínima suficiente à reprodução do capital. Sendo cidadãos, os sujeitos de direito se tornam aptos a votar e a serem votados. Na amarra jurídica necessária ao capital, a liberdade negocial, a igualdade formal e a propriedade privada constituem também o esteio da ação política. Costuma-se chamar por democracia, nas sociedades contemporâneas, a forma política estatal que tenha por núcleos o plano eleitoral e o plano da constituição e da garantia da subjetividade jurídica. Nessa estrutura, que arma o esteio das próprias condições para a reprodução do capital, identifica-se o qualificativo de democrático ao campo político[42]
Conforme a apreciação crítica do referido autor, a noção de democracia nas sociedades modernas está diretamente relacionada aos direitos políticos constitucionais, sobretudo o direito ao voto. Entretanto, os referidos direitos políticos, instituem-se e desenvolve sob os moldes da forma política de Estado e do sistema capitalista burguês. A forma política eleitoral, que se entende por democracia, na qual se destaca o exercício do voto, com a possibilidade de alternância dos agentes políticos que exercem o poder estatal, relaciona-se, ainda de que de forma latente, com a reprodução dos interesses do capital e de suas estruturas econômicas – sociais.
Nessa concepção de democracia, propagada pela ideologia social, segue a forma política e jurídica do capital, convertida ao plano eleitoral, que transforma os cidadãos em eleitores, então, possíveis responsáveis ou culpados pelo destino da sociedade. Mas, tal concepção de democracia, é, ao menos, limitada, pois encontra óbice na ordem capitalista e burguesa, com suas instituições políticos e jurídicas, tais como: a igualdade meramente formal, e não real, e a propriedade privada. Em tais circunstâncias desenvolve-se o sistema político, que se auto – designa democrático, num sistema repleto de fragilidades e contradições. Assim, o referido autor desdobra seu raciocínio:
Mesmo em situação de plena democracia eleitoral, as classes burguesas apropriam-se muito mais dos meios estatais que os explorados. Também os espaços e mecanismos de deliberação política são bastantes variáveis no capitalismo. Ao se fazer uma associação imediata da democracia à mera institucionalização de sistemas eleitorais, perde-se de vista o mérito da quantidade de abertura e mesmo da qualidade de tais sistemas. A escolha de representantes políticos atrela-se a específicos graus de ação e autonomia política em face dos poderes econômicos, militares, religiosos, culturais e internacionais. Bandeiras políticas são instrumentalizadas como econômicas, política, cultural e religiosamente desejáveis ou não. Pressões de classes ou nações influenciam diretamente nas escolhas. O sistema de comunicações talham diretamente a construção das vontades e das informações pertinentes. Além disso, e mais importante, não só quantos cargos e postos estão sob a disputa eleitoral nem apenas a qualidade e a liberdade dessa disputa, mas também o que está afastado dela é que revelará a conexão dinâmica, frágil e variável entre capitalismo e democracia.
A democracia, lastreada no direito e nas formas da sociabilidade capitalista, representa tanto um espaço de liberdade da deliberação quanto um espaço interditado às lutas contra essas mesmas formas. Por isso, a democracia representa o bloqueio da luta dos trabalhadores mediante formas que não sejam aquelas previstas nos exatos termos jurídicos e políticos dados. Exclui-se, com isso, a possibilidade da luta que extravase o controle e o talhe do mundo estatal e de suas amarras jurídicas. A ação revolucionária é interditada.[43]
A democracia, resumida ao sistema político-eleitoral, oculta as reais relações econômicas e sociais da sociedade, nas quais, o próprio processo político-eleitoral encontra seus contornos, limites e determinações. Os políticos, em regra, são representantes ou membros das classes economicamente dominantes, fato que se conserva, inclusive, pela poderio econômico, ideológico e cultural, que favorece muito mais os representantes das elites que os representantes ou membros da classe trabalhadora, razão pela qual, explica-se o conservadorismo político, e a dificuldade de ocupação dos espaços estatais por representantes das classes trabalhadoras, que não contam com o apoio econômico, político ou ideológico da classe burguesia, ou até mesmo, uma simples alternância do poder político, ainda que entre membros da classe burguesa, encontra resistência.
Além disso, externamente, o processo político se constitui como uma forma limitada de manifestação na luta pelos direitos da classe trabalhadora. Uma forma pela qual inviabiliza-se as verdadeiras transformações sociais, a saber, as revoluções e lutas das classes trabalhadoras exploradas, pois estas não apenas contrariam o sistema político-jurídico no qual está moldado a democracia, mas também profere-se uma limitação ideológica, que faz com que as classes oprimidas creiam na política como um instrumento verdadeiramente transformador da sociedade, ou seja, capaz de superar as contradições, falhas e injustiças do sistema econômico-social, por meio do próprio sistema político-eleitoral ou da cidadania. Na obra: coleção a obra-prima de cada autor, Sílvio L. Sant'anna, na introdução à obra A Ideologia Alemã, de Marx e Engels, assim aduz:
Na oposição entre o interesse particular e o coletivo (ou público), os autores apontam a criação do Estado como gestor dos interesses públicos, já que da propriedade privada cuidam os indivíduos proprietários, seus parentes ou os acionistas da instituição.
O interessante é que o Estado (seja ele monárquico, aristocrático ou democrático), que na prática é mantido por tributos pagos por toda a coletividade (pelas pessoas físicas e jurídicas), acaba não realizando suas atribuições de proteção geral (até porque isso é uma mera abstração, pois defender os interesses de todos significa não defender os interesses de ninguém em particular, a não ser o conjunto dos políticos e burocratas dos organismos estatais em si).
A força do voto do cidadão, então, estaria, segundo esse pressupostos, alienada no momento do sufrágio. Se o Estado não muda as estruturas sociais de forma a tornar as condições mais equânimes para o conjunto da sociedade, obviamente, ele está servindo aos interesses do poderio econômico, de maneira que não adiantaria voltar[44] para a alternância de grupos no poder. Por outro lado, o Estado instiga os partidos à disputa política do poder, mas na realidade seria uma forma ilusória de participação social, já que ele se põe como um anteparo entre o público e o privado, escondendo da maioria da população os reais responsáveis pela situação social: o poderio econômico.
Além do aparato burocrático estatal não resolver concretamente o drama social, ele tem o poder coercitivo do monopólio da violência, não só contra quem comete atitudes que lesem a sociedade, mas também, contra o próprio movimento social que se levante contra a ordem econômica estabelecida.[45]
Na supracitada crítica à política e cumulativamente ao Estado, o autor esclarece as limitações e ilusões da política e da democracia, na concepção do pensamento marxista. O Estado e a política aparecem como representantes da vontade geral ou do bem da coletividade, mas isso, numa sociedade dividida em classes, assim, representar a todos, onde vigoram os interesses antagônicos, quais sejam, os interesses de grupos sociais, também antagônicos, significa, na prática, não representar os interesses de ninguém, a não os interesses de manutenção de poder dos próprios agentes políticos, ou ao menos, ocultar a dominação e o poder real ou verdadeiro, que é o poder econômico das classes dominantes.
Isto posto, a noção de democracia limitada sobretudo ao exercício do voto, ou ao suposto poder transformador do voto, encontra grandes óbices, ante a incapacidade do Estado ou da política de promover uma verdadeira transformação social, para fins de resolver os transtornos e dramas causados, sobretudo, pela desigualdade econômica entre os homens. Na verdade, a crença nessa capacidade da política em transformar ou resolver os “dramas” sociais, é uma crença ilusória, que ignora a política e o poder político, como instrumentos de domínio de classe, ou seja, um domínio econômico.
Emir Sader elucida a questão da política na concepção marxista, em suas palavras:
A separação característica ao capitalismo, entre proprietários dos meios de produção e vendedores de força de trabalho, requisita, como condições de sua existência, relações jurídicas que tomem, a uns e outros, como indivíduos livres e iguais, bem como solicita politicamente relações entre produtores diretos e apropriadores de mais-valia, sob a forma dissimuladora de cidadãos.
A solução emancipadora de Marx muda então seu alvo: ela deve recair obrigatoriamente na supressão do estado político alienado e da sociedade civil privatista. Esta supressão constituiria na abolição da separação entre o social e o político. Esta supressão constituiria na abolição da separação entre o social e o político, entre o universal e o particular. O mesmo ato emancipador promove a extinção da propriedade privada – fundamento da exteriorização política – e do Estado – projeção da dimensão material.[46]
Tanto a política quanto o Estado, para o marxismo, guarda correlação de causa-efeito com a propriedade privada. A existência propriedade privada dos meios de produção faz necessário uma instituição político-jurídica que iguale formalmente todos os homens, definindo-os como cidadãos, iguais em direitos e deveres, permitindo assim, que as diferenças materiais sejam desapercebidas. A política então, seria alienada, não representando o interesse da coletividade como um todo, mas das classes proprietárias dos meios de produção, bem como, da defesa do instituto da propriedade privada.
Assim, a crítica marxista do Estado e da política, encontra-se como fundamento imprescindível para sustentação e compreensão da teoria marxista da abolição ou do fim do Estado.
Com base nos conhecimentos e orientações adquiridos e expostos até aqui, buscaremos o conhecimento e entendimento da abolição ou extinção do Estado na teoria marxista, através de institutos correlatos, próprios da teoria marxista.
7.1. Ditadura da burguesia e ditadura do proletariado
O entendimento da teoria marxista do fim do Estado exige o entendimento de três institutos correlatos, que representam as fases pelas quais se desenvolvem a abolição do Estado. Quanto a ditadura do proletariado, seguem as lições de Bobbio:
Nada vem mais a calhar do que a seguinte passagem, extraída de Stato e rivoluzione, de Lenin, para mostrar que, uma vez estendido para todos os Estados o caráter de ditadura, a distinção das formas de governo, já não tem sentido algum: “A essência da doutrina do Estado de Marx realizou-se propriamente apenas naqueles que compreenderam que a ditadura de uma classe é necessária não apenas para qualquer sociedade classista em geral, não apenas para o proletariado depois de ter derrubado a burguesia, mas também para um inteiro período histórico que separa o capitalismo da sociedade sem classes do comunismo. As formas de Estado burgueses são extraordinariamente variadas, mas a sua essência é uma só: todos esses Estados são de um modo ou de outro, em última instância, necessariamente, uma ditadura da burguesia. A transição do capitalismo para o comunismo não pode deixar de originar um grande número e uma grande variedade de formas políticas, mas sua essência será inevitavelmente uma só: a ditadura do proletariado”.[47] (grifos nossos).
Assim, inclusive conforme exposto e desenvolvido na subseção 5.3, denominada Estado e ditadura de classe, o conceito de ditadura da burguesia foi desenvolvido por Lenin, com base na concepção marxista do Estado como instrumento de manutenção do poder, domínio e opressão econômica de uma classe, classe esta, que exerce o domínio das relações econômicas e sociais num determinado sistema econômico. Quanto à ditadura do proletariado, Göran Therborn assim leciona:
O conceito de ditadura do proletariado, então, refere-se a duas teses fundamentais. Primeiro, que a forma mesma da organização do estado é a materialização de um modo particular de domínio de classe. Segundo, em consequência do primeiro, que o estado socialista da classe trabalhadora precisa ter uma forma específica de organização.[48]
Com o conceito marxista de ditadura do proletariado, abstraímos, não apenas o Estado com instrumento de domínio classista, mas também, que a classe do proletariado pode ou precisa ter um Estado como forma específica de domínio, Estado este, que é a ditadura do proletariado. Marx define a ditadura do proletariado como uma etapa de transição do capitalismo ao comunismo, conforme suas palavras:
Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado.[49] (grifos do autor).
Portanto, a ditadura do proletariado representa não apenas a substituição revolucionária do Estado burguês ou ditadura da burguesia pelo estado proletariado ou ditadura do proletariado, sendo inclusive, uma fase de transição entre o capitalismo e o comunismo. A ditadura do proletariado seria a forma política que representa o domínio econômico e social da classe trabalhadora, ou proletariado. Entretanto, a ditadura do proletariado apresenta ainda mais peculiaridades e características que nos impende compreender, conforme nos ensina Leovegildo Leal:
Em termos mais concretos: passada a onda revolucionaria da tomada do poder, cumpridos os dez dias que abalam o mundo, é preciso voltar ao trabalho, é preciso produzir, administrar, pesquisar, ensinar, curar. E é preciso, portanto, que exista um aparato que mantenha, sistematize e confira reprodutibilidade à dominação do proletariado: o estado proletário. Vê-se, assim, que sem a criação do seu estado o proletariado não tem como manter sua dominação. Um tipo especial de dominação que por sua vez exige um tipo especial de estado, no interior de uma estratégia geral direcionada à extinção deste estado e da própria dominação do proletariado pela extinção das classes sociais.[50](grifos do autor).
A ditadura do proletariado representa um processo revolucionário dos trabalhadores, que coincide com a transição do modo capitalista de produção ao socialismo e ao comunismo. O Estado proletário tem a incumbência de garantir o domínio da classe trabalhadora, superando assim, o sistema burguês que vigorara anteriormente.
Após a ruptura revolucionária, da classe proletária em face da classe burguesa, institui-se o Estado proletário. O aparato do Estado, a partir de então, passa a ser instrumento de controle de uma nova classe dominante, a saber, a classe proletária. O Estado cumpre então o papel de reproduzir os interesses da classe trabalhadora, sobretudo, os interesses de manutenção domínio da classe trabalhadora, domínio tanto territorial quanto ideológico. Entretanto, diferenciando-se do estado burguês, em mais um aspecto, o Estado proletário marxista almeja a sua própria extinção, mais precisamente, a extinção da própria instituição do Estado, que segundo o referido autor marxista, se daria com a extinção das classes sociais.
Na obra: Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, Engels define a abolição das classes e dos estados de classe como uma das missões do proletariado, oportunamente, expõe o contexto histórico e a forma pela qual se dará a ditadura do proletariado, assim expõe:
A medida que a produção capitalista transforma, cada vez mais, a grande massa da população em proletários, cria o exército que deve ou morrer miseravelmente ou realizar essa revolução. À media que obriga a conversão dos grandes meios de produção socializados em propriedade do Estado, indica o caminho para a realização dessa revolução. O proletariado, depois de se ter apoderado do poder público, transforma os meios de produção em propriedade do Estado.
O proletário apodera-se do poder político e transforma, por meio desse poder, em propriedade social os meios de produção sociais, que escapam das mãos da burguesia. Por esse ato, priva-lhes de seu caráter de capital; dá plena liberdade a seu caráter social de se afirmar, torna possível a organização da produção social segundo um plano predeterminado. O desenvolvimento da produção faz da existência das classes um anacronismo. A autoridade política do estado desaparece com a anarquia social da produção. Os homens, senhores, enfim, do seu próprio meio de associação, tornam-se senhores de si mesmo, livres.
Cumprir esse ato que libertará o mundo, eis a missão histórica do proletariado moderno.[51] (grifos nossos).
Conforme expõe Engels, a ditadura do proletariado será um processo revolucionário que decorrerá das próprias circunstâncias do capitalismo. A crescente exclusão social e econômica da classe operária, causando a maximização de sua pobreza e miséria, irá compeli-la a realizar a revolução social proletária, na qual, o proletariado tomará o poder do Estado para socializar os meios de produção, através de sua transformação em propriedade do Estado, numa etapa que antecederia a abolição do próprio Estado. Nesse processo, os meios de produção anteriormente apropriados e dominados pela classe burguesia, passaria então a ser controlados pela classe trabalhadora, por intermédio do poder político apoderado pela classe proletária ou do estado proletário, estado que constituiria a então ditadura do proletariado. Com o fim do caráter de capital atribuído aos meios de produção pelo atual sistema burguês, cumulado ao desenvolvimento da produção socializada, a existência das classes sociais, bem como, o poder político do Estado, tornam-se desnecessários, algo incompatível com a nova realidade das relações sociais de produção.
7.2. Comunismo. O fim da propriedade privada e do Estado
Encontra cabimento, a partir de agora, compreender o instituto marxista do Comunismo e sua diferenciação à ditadura do proletariado. Preliminarmente, para a compreensão do Comunismo, recorremos ao portal do Wikipédia: a enciclopédia eletrônica, sobre o tema, assim constatamos:
Comunismo (do latim communis – comum, universal “coisa pública”, segundo Platão) é uma ideologia política e socioeconômica, que pretende promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes sociais e apátrida, baseada na propriedade comum dos meios de produção. Um dos seus principais mentores filosóficos, Karl Marx, postulou que o Comunismo seria a fase final do desenvolvimento da sociedade humana e que isso seria alcançado através de uma revolução proletária, isto é, uma revolução encabeçada pelos trabalhadores das cidades e do campo. O “Comunismo puro”, no sentido marxista, refere-se a uma sociedade sem classes (sociedade regulada), sem Estado (ácrata ou apátrida) e livre de quaisquer tipos de opressão, onde as decisões sobre o que produzir e quais as políticas devem prosseguir são tomadas democraticamente e permitindo dessa maneira que cada membro da sociedade organizada possa participar do processo, tanto na esfera política e econômica da vida pública e/ou privada. Marx, no entanto, nunca forneceu uma descrição detalhada de como o comunismo poderia funcionar como um sistema econômico (tal foi feito, por Lenine), mas subentende-se que uma economia comunista consistiria de propriedade comum dos meios de produção, culminando com a negação do conceito de propriedade privada do capital, que se refere aos meios de produção, na terminologia marxista.[52]
Com o considerável conteúdo descritivo do comunismo científico marxista, podemos então, discernir acerca dos seus principais pontos. O comunismo seria então, uma sociedade sem classes, sem propriedade privada e sem Estado, e ainda, conforme exposto anteriormente, com fulcro no próprio Marx, o comunismo seria a fase posterior à ditadura do proletariado, sendo que, na ditadura do proletariado, ainda existiria um Estado, o Estado dos trabalhadores do campo e da cidade.
Com o comunismo, resultado final ou fase final da revolução do proletariado, ocorreria a extinção da propriedade privada, mais precisamente, a extinção da propriedade privada dos meios de produção, e sucessivamente, a abolição das classes sociais e do Estado, o que originaria uma sociedade apátrida, ou seja, sem pátrias ou nações. O comunismo representa então, nos moldes da concepção marxista, a etapa final do desenvolvimento social, econômico e histórico da sociedade. Para entendermos melhor o possível processo de transição do socialismo ao comunismo, amparamo-nos, ainda, na Enciclopédia eletrônica Wikipédia:
Marx e Engels afirmaram, também, que o socialismo seria apenas uma etapa intermediária, porém, necessária, para se alcançar a sociedade comunista. Esta representaria o momento máximo da evolução histórica do homem, momento em que a sociedade já não mais estaria dividida em classes, não haveria a propriedade privada e o Estado, entendido como um instrumento da classe dominante, uma vez que no comunismo não existiriam classes sociais. Chegar-se-ia portanto, a mais completa igualdade entre os homens. Para eles isso não era um sonho, mas, uma realidade concreta e inevitável. Para se alcançar tais objetivos o primeiro passo seria a organização da classe trabalhadora. [53]
Parece-nos inevitável não concluir que o socialismo ou a fase de transição ao comunismo, seria a referida ditadura do proletariado. Só através do advento posterior do comunismo, seria então possível uma sociedade sem Estado, e inclusive, sem classes sociais.
Para os referidos autores, a ditadura do proletariado e consequentemente o comunismo, seriam fases inevitáveis do processo histórico do desenvolvimento econômico, social e político da humanidade. Mas como se alcançará ou se desenvolverá o comunismo? Encontramos alguma resposta nas palavras de Lenin:
A base econômica de extinção total do Estado é o comunismo. Levado a um tão alto grau de desenvolvimento que toda oposição desaparece entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e, por conseguinte, desaparece uma das principais fontes da desigualdade social contemporânea. (…) A expropriação dos capitalistas há de acarretar, necessariamente, um desenvolvimento prodigioso das forças produtivas da sociedade humana. Mas qual será a rapidez desse desenvolvimento, quando ele chegará a uma ruptura da divisão do trabalho, à supressão da oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, à transformação do trabalho em primeira necessidade vital, isso é o que nós não sabemos e nem podemos dizer.[54]
Lenin corrobora que o comunismo representa a extinção total do Estado, ocorrendo ainda, o fim da separação entre o trabalho manual e o intelectual, que, derivará de um desenvolvimento da expropriação dos capitalistas. Com a eliminação do Estado e da propriedade capitalista, torna-se evidente o trabalho como primeira necessidade vital ou necessidade fundante.
Em que momento ou circunstância se evidenciaria a diferença entre o socialismo (a ditadura do proletariado) e o comunismo? Qual característica ou circunstância poderia indicar que a sociedade avançou para a etapa comunista? Leovegildo Leal, embasando-se em Marx e Lenin, nos ajuda a elucidar essa questão que nos é relevante. Assim assevera:
Observa-se elementarmente na proposta marxista o entendimento de que quando todos os trabalhadores puderem e estiverem em condições de executar direta e cotidianamente as funções do estado, este estado não existirá mais enquanto tal, os próprios trabalhadores não mais existirão como tais, na concreticidade em que os toma Lenin. Este homem múltiplo não é do reino do socialismo, mas do comunismo. Esquecer este princípio fundador do marxismo resulta simplesmente em fazer letra morta do estado do proletariado, da ditadura do proletariado, do socialismo revolucionário marxista naquilo que ele tem de mais próprio, no que o diferencia enquanto socialismo científico.[55]
Neste sentido, estando então, todos os homens em condições e poder para executar ou exercer todas as funções atribuídas e realizadas pelo Estado, o Estado deixará de existir como tal, estando aí o possível fim do Estado, resultado da consolidação do modo comunista de produção. Assim, o Estado pode ser substituído pela conjunção ou união dos trabalhadores, havendo uma sociedade sem classes, composta apenas de trabalhadores, estes, enfim, exerceriam o papel da instituição do Estado, oportunidade em que o Estado alcançaria sua extinção.
Sobre a vida humana, econômica e social no comunismo, encontramos na obra A ideologia Alemã de Marx e Engels, passagens que muito acrescentam ao nosso trabalho, assim, conforme expõe os autores:
Por isso, desde o momento em que o trabalho começa a ser dividido, cada um dispõe de uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor ou crítico crítico[56], e aí permanecerá caso não queira perder seus meios de subsistência – Já na sociedade comunista, onde o indivíduo não tem uma única atividade, mas pode aprimorar-se no ramo que o satisfaça, a produção geral é regulada pela que me dá a possibilidade de hoje fazer determinada coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à tarde, criar animais ao anoitecer, criticar depois do jantar, segundo meu desejo, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastos ou crítico.[57]
No comunismo, com o fim da divisão social de classes, surge também o fim divisão social do trabalho, que entendemos, com fulcro na passagem citada, como sendo a dedicação exclusiva ou praticamente exclusive de cada trabalhador à determinada atividade, seja ela intelectual ou manual. Nestes moldes, cada trabalhador pode exercer diversos trabalhos ou atividades, não obstante a possibilidade de se especializar em determinada atividade ou ofício. Assim, a contradição da divisão social do trabalho, seja a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, ou a divisão entre as diversas formas de atividades laborais, profissões ou ofícios, é também, assim como a referida divisão de classe (divisão entre os proprietários dos bens de produção e os trabalhadores), superada pelo comunismo.
Passamos então a entender as três fases, consoante a vertente marxista, pela qual se daria ou se dará a abolição do Estado. Primeiramente, o Estado burguês que sustenta o modo capitalista de produção, em seguida, uma etapa intermediária, a saber, o Estado dos trabalhadores, que se originará da ditadura do proletariado ou o socialismo, e por último, o modo comunista, originário da evolução das forças produtivas socialistas, representando, em suam, o fim do Estado, da propriedade privada dos meios de produção e da propriedade privada em geral, das classes sociais e da divisão do trabalho.
O comunismo então, substitui o Estado por uma sociedade governada ou administrada por todos os homens, homens trabalhadores e libertos de todas as formas de opressão e de divisão econômica, social e política.
7.3. A experiência da Comuna de Paris
Ainda nos resta duas dúvidas que consideramos relevantes. A primeira, que tentaremos sanar na presente seção, é entender a razão pela qual ainda se faz necessário o Estado na fase intermediária da ditadura do proletariado. A segunda dúvida, que será tratada na próxima seção, é entender se a fase comunista, na qual decorre o fim do Estado, teria possibilidade apenas numa revolução de amplitude mundial, ou seja, numa expansão mundial da ditadura do proletariado.
Como forma de explicar, o que seria, na vertente marxista, uma das principais razões pela qual a instituição do Estado ainda se faz necessária no socialismo ou na ditadura do proletariado, conforme tratou-se nas seções anteriores, Lenin[58] referencia-se no exemplo da Comuna de Paris. Sobre a Comuna de Paris encontramos sua definição na enciclopédia eletrônica Wikipédia:
A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante a invasão por parte do Reino da Prússia.
O poder comunal manteve-se durante cerca de setenta e dois dias. Seu esmagamento revestiu-se de extrema crueldade. De acordo com a enciclopédia Barsa, mais de 20. 000 communards foram executados pelas forças de Adolphe Thiers.
O governo durou oficialmente de 26 de março a 28 de maio, enfrentando não só o invasor alemão como também tropas francesas, pois a Comuna era um movimento de revolta ante o armistício assinado pelo governo nacional (transferido para Versalhes) após a derrota na guerra franco – prussiana. Os alemães tiveram ainda que libertar militares franceses feitos prisioneiros de guerra para auxiliar na tomada de Paris.[59]
A comuna Paris é considerado como a primeira experiência histórica de um governo operário ou proletário. A resistência do proletariado francês deu origem a um Estado que perdurou por pouco mais de 2 (dois) meses, sendo posteriormente derrubado pelo então governo francês, resultando na cruel execução de milhares de trabalhadores integrantes da comuna (communards) pelas forças armadas do Estado francês.
Lenin, na sua obra O Estado e a Revolução, com amparo em obras de Max e Engels,: concebe a Comuna de Paris como uma experiência socialista histórica, na qual, encontra-se as lições que justificam porque o proletariado necessitaria, primeiramente, de um Estado organizado, antes de aboli-lo.
É esse, justamente, um caso de “transformação de quantidade em qualidade”: a democracia, realizada tão plenamente e tão metodicamente quanto é possível sonhar-se, tornou-se proletária, de burguesa que era; o Estado (essa força destinada a oprimir uma classe) transformou-se numa coisa que já não é, propriamente falando, o Estado. Derrotar a burguesia e quebrar a sua resistência não deixa de ser, por isso, uma necessidade. Para a Comuna, isso era particularmente necessário, e uma das causas da sua derrota foi não se ter lançado a fundo nessa tarefa.[60]
Apesar do Estado do proletariado assumir um caráter diferente ao Estado, propriamente burguês, a existência de um Estado se faz necessário para derrotar e quebrar a resistência burguesa, evitando uma eventual derrota da Revolução dos trabalhadores e do regime socialista, a exemplo do ocorrido na Comuna de Paris. O Estado do proletariado seria então, um estado de resistência e proteção do proletariado contra a reação da burguesia à nova ordem proletária, exercida através do aparato armado do seu Estado burguês. Acrescentam-se as seguintes lições de Lenin, com amparo em Marx:
Marx sublinha propositadamente, a fim de que não deturpem o verdadeiro sentido da sua luta contra o anarquismo, “a forma revolucionária e passageira” do Estado, necessária ao proletariado. O proletariado precisa do Estado só por um certo tempo. Sobre a questão da supressão do Estado, como objetivo, não nos separamos absolutamente dos anarquistas. Nós sustentamos que, para atingir esse objetivo, é indispensável utilizar provisoriamente, contra os exploradores, os instrumentos, os meios e os processos de poder político, da mesma forma que, para suprimir as classes, é indispensável a ditadura provisória da classe oprimida. Marx escolhe a forma mais incisiva e clara de colocar a questão contra os anarquistas: repelindo o “jugo dos capitalistas”, devem os operários “depor as armas”, ou, ao contrário, delas fazer uso contra os capitalistas, a fim de quebrar-lhes a resistência? Ora, se uma classe faz sistematicamente uso das suas armas contra uma outra classe, que é isso senão uma “forma passageira” de Estado?[61] (grifos nossos).
Em consonância com as exposições de Lenin, constatamos que nessa questão acerca da necessidade de um Estado proletário, reside um dos pontos principais de divergência entre o marxismo e o anarquismo. O marxismo e o anarquismo convergem quanto à defesa da extinção ou abolição do Estado, mas divergem quanto à necessidade de uma fase intermediária de Estado, ou, mais precisamente, quanto à necessidade da ditadura do proletariado ou do estado proletário. Lenin, com fulcro em obras de Marx, corrobora pela necessidade de um Estado do proletariado, um Estado de caráter passageiro ou temporário, que precede a extinção do próprio estado, se fazendo necessário em razão da defesa do proletariado contra as investidas, resistências ou reações contrarrevolucionárias burguesas. O Estado no socialismo seria uma forma de resistência e proteção do proletariado contra as consequentes reações do Estado burguês, quando esta resistência não se fizer mais necessária, vencido definitivamente o Estado burguês, então, a instituição do Estado seria abolido.
Entendemos que essa argumentação marxista – leninista é cabível não apenas como forma de contestação à imediata abolição do Estado pela doutrina Anarquista, mas também, é a melhor resposta à questão pela qual o Estado ainda se faz necessário numa sociedade proletariado, e porque sua extinção, nos moldes da concepção marxista, não poderia se realizar de forma imediata.
7.4. Revolução mundial
A segunda questão que pretendemos enfrentar é acerca do caráter mundial ou internacional do Comunismo. Seria a realidade Comunista, na qual se encontra a possibilidade da abolição ou extinção do Estado, possível apenas em nível mundial? Ou seja, possível apenas numa fase onde a revolução proletária alcance todo o mundo? Inicialmente, na obra O manifesto Comunista, encontramos algumas passagens que revelariam o caráter internacional ou mundial do comunismo:
Apesar de não em substância, mas em forma, a luta do proletariado contra a burguesia é antes de tudo uma luta nacional. O proletariado de cada país precisa, claro, primeiro de tudo acertar seus assuntos com sua própria burguesia.
[…] Que a classe governante trema diante da revolução comunista. Os proletários nada têm a perder fora suas correntes; têm o mundo a ganhar.
PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS![62] (grifos nosso)
Depreendemos, com amparo nas passagens supracitadas, que o comunismo tem o caráter de um processo mundial. Mesmo reconhecendo que a luta dos trabalhadores pela revolução comunista deve começar em suas próprias nações, sendo inicialmente uma luta nacional, Marx e Engels, na referida passagem, esclarecem que a luta pelo comunismo, que culminará com a extinção do Estado, deverá ser uma luta mundial. No portal Wikipédia: A Enciclopédia Eletrônica, encontramos a definição de Revolução Mundial correlacionada ao Comunismo, nestes termos:
Revolução mundial é um conceito marxista de derrubar o capitalismo em todos os países por meio da ação revolucionária consciente da classe trabalhadora organizada. Estas revoluções não deveriam necessariamente ocorrer simultaneamente, mas quando as condições locais permitissem que um partido revolucionário substituísse com sucesso a propriedade burguesa e o Estado, e instalasse um Estado operário baseado na propriedade social dos meios de produção.
O objetivo final é alcançar o socialismo mundial, e mais tarde, o comunismo apátrida.
A Revolução Mundial refere-se a necessidade, destacada por Vladimir Lenin, que a revolução socialista deveria ser mundial e duradoura, pois caso contrário, a dinâmica de expansão do capitalismo e os problemas de estrutura social acabará forçando mais cedo ou mais tarde a queda do governo dos trabalhadores. Para alguns, especialmente os trotskistas, a ideia dessa necessidade foi confirmada pela dissolução da União Soviética em 1991.[63]
Assim, nos moldes da definição do conceito marxista de Revolução Mundial, somente com a expansão internacional ou mundial do Socialismo, seria possível atingir o Comunismo. As revoluções proletárias nacionais ocorreriam cada quais ao se tempo, conforme as circunstâncias sociais e econômicas locais ou nacionais permitissem, entretanto, concluímos então que o estágio final do Comunismo apátrida, posterior a ditadura do proletariado, na qual decorreria a abolição do Estado, somente poderia ocorrer com a expansão mundial do socialismo (ou ditadura do proletariado), pois apenas em nível nacional, o socialismo enfrentaria grandes dificuldades e restar-se-ia impossibilitado de progredir à sua fase posterior, qual seja, o comunismo.
O tema em apreço na presente seção é pouco aprofundado entre os autores marxistas, entretanto, encontramos mais passagens que indiciam pelo caráter mundial do Comunismo. Conforme consta na Obra: O livro vermelho de Mao Tse – Tung:
O nosso Estado é uma ditadura democrática popular dirigida pela classe operária e baseada na aliança operário – camponesa. Para que essa ditadura? A sua primeira função é reprimir as classes e os elementos reacionários, bem como os exploradores que no nosso país resistem à revolução socialista; reprimir aqueles que tentam sabotar a nossa construção socialista, quer dizer, resolver as contradições internas entre nós e os nossos inimigos. […] A segunda função dessa ditadura é proteger o nosso país da subversão e da possível agressão pelos inimigos exteriores. Nesse caso a tarefa da ditadura é resolver a contradição externa entre nós e o inimigo. O objetivo de tal ditadura é proteger todo o nosso povo de maneira que este possa devotar-se ao trabalho pacífico e à transformação da China num país socialista dotado de uma indústria, uma agricultura, uma ciência e uma cultura modernas.[64]
O líder político e teórico marxista-leninista chinês[65] esclarece que, no caso específico da China, a ditadura do estado proletário cumpria a função de defesa interna e externa do território onde vigora a ordem socialista. A ditadura do proletariado cumpriria, inclusive, a função de proteção do território socialista das subversões ou reações dos demais territórios capitalistas ou burgueses, posta essas circunstâncias, a cooperação internacional entre os Estados socialistas e a expansão mundial do Socialismo seriam necessárias para o alcance da fase comunista. Seguem outras citações do referido líder teórico:
Que espírito leva um estrangeiro a tomar desinteressadamente a causa da libertação do povo chinês como sua própria causa? O espírito do internacionalismo, o espírito do comunismo, um espírito que todos os comunistas chineses devem assimilar….Nós nos devemos unir ao proletariado de todos os países capitalistas, ao proletariado do Japão, da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Alemanha, da Itália, e dos demais países capitalistas; só assim será possível abater o imperialismo e libertar a nossa nação e o nosso povo, libertar as demais nações e povos do mundo. Tal é o nosso internacionalismo, um internacionalismo que opomos ao nacionalismo e patriotismo estreitos.
Para chegar à libertação completa, os povos oprimidos devem apoiar-se em primeiro lugar na sua própria luta, e só depois na ajuda internacional. Os povos cujas revoluções já triunfaram devem ajudar os que ainda lutam pela libertação. Esse é o nosso dever internacionalista.[66]
O internacionalismo e a cooperação entre as nações socialistas, constituem-se num dos princípios ou fundamentos do comunismo. Só através do internacionalismo, que entendemos como a expansão mundial do socialismo, é possível, em consonância com a interpretação marxista, enfrentar e libertar os trabalhadores dos Estados Socialistas da pressão imperialista mundial, bem como, libertar os próprios trabalhadores das nações capitalistas da opressão e dominação burguesa vigente em suas nações.
Mao, corroborando o pensamento de Marx, afirma que a luta do proletariado pelo comunismo é, primeiramente, uma luta nacional ou regional, e seguidamente, uma luta internacional ou mundial, na qual, as nações ou povos que já alcançaram a revolução socialista devem auxiliar as demais para que obtenham triunfo nas suas revoluções proletárias.
Em sua obra A Revolução Permanente, Leon Trotsky expõe alguns argumentos que nos fazem compreender a necessidade da Revolução Mundial para um possível êxito do comunismo:
Não só a China atrasada, mas nenhum país do mundo poderá construir o socialismo dentro dos seus quadros nacionais: a isso se opõem não só as forças produtivas que, altamente desenvolvidas, ultrapassam os limites nacionais, como também as forças produtivas que, insuficientemente desenvolvidas, impedem a nacionalização. Na Inglaterra, por exemplo, a ditadura do proletariado encontrará obstáculos e dificuldades diferentes, mas talvez tão grandes como as que irá encontrar a ditadura do proletariado na China. Em ambos os casos, as contradições só poderão ser suprimidas por meio da revolução internacional.[67]
E citando Lenin, explana suas conclusões:
Eis o que disse Lênin, ao fazer um retrospecto, no III Congresso da Internacional Comunista: “Compreendíamos perfeitamente que a vitória da revolução era impossível (em nosso país — L. T.) sem o apoio da revolução internacional e mundial. Tanto antes como depois da Revolução, pensávamos: Ou a revolução irrompe, se não imediatamente, pelo menos muito breve, nos outros países mais desenvolvidos do ponto de vista capitalista, ou então estaremos condenados a perecer. Apesar dessa convicção, tudo fazíamos para conservar, a todo custo e em qualquer circunstância, o sistema soviético; com isso, estávamos certos de trabalhar não só para nós, mas também para a revolução mundial. Estávamos certos disso e nunca deixamos de exprimir essa convicção, tanto antes como imediatamente depois da Revolução de Outubro e durante a conclusão da paz de Brest-Litovsk. Em geral, estava certo. Na realidade, porém, o movimento não marchava tão correto como o supúnhamos” (Atas do III Congresso da Internacional Comunista, pág. 354 da edição russa). A partir de 1921, o movimento não marchou tão direito como prevíramos com Lênin em 1917-1919 (e não apenas em 1905): seguiu o caminho das contradições irreconciliáveis entre o Estado operário e o mundo burguês. Um dos dois deve perecer. Só o desenvolvimento vitorioso da revolução proletária no Ocidente poderá pôr o Estado operário ao abrigo dos perigos militares e econômicos. Procurar descobrir dois pontos de vista nessa questão, um meu e outro de Lênin, é o cúmulo da imundície teórica. Que ao menos releiam Lênin, não o caluniem, não nos deem de comer a sopa fria de Stalin![68]
Tanto Trotsky quanto Lenin convergem no sentido da necessidade da expansão revolucionária mundial para o triunfo do comunismo. Trotsky posiciona-se pela impossibilidade da sustentação de um sistema socialista num único país, em razão das forças produtivas. Que, quando muito desenvolvidas, rompem os limites das fronteiras nacionais, a exemplo do imperialismo, e, quando pouco desenvolvidas, como nas nações economicamente subdesenvolvidas, não são capazes de sustentar uma nacionalização de suas forças produtivas.
Em consonância, Trotsky acrescenta, com amparo no discurso de Lenin, que a Revolução Soviética apenas obteria êxito caso contasse com o triunfo das revoluções socialistas nos países mais desenvolvidos da Europa, ou seja, os países do ocidente europeu. A contradição entre o mundo capitalista e os então Estados proletários, a exemplo da União soviética e China, submeteria estes estados operários o a uma forte pressão e perigos de cunho militar e econômico, assim tal contradição insustentável, promoveria a extinção de tais Estados socialistas. Neste diapasão, as lições de Trotsky e Lenin nos fornecem um plausível explicação para o fracasso dos regimes socialistas no século XX, em especial, os dois maiores, o regime soviético e o chinês.
Pela compreensão do processo da Revolução Mundial, acreditamos ser possível entender, com fulcro nos respectivos autores marxistas referenciados, que a efetivação do comunismo dependeria de uma expansão mundial, através de revoluções que ocorressem inicialmente nos países ou Estados mais desenvolvidos, ou seja, nos países onde as forças produtivas capitalistas estão mais desenvolvidas.
CONCLUSÃO
Durante o desenvolvimento do presente artigo buscamos compreender os principais institutos marxistas, para alcançarmos o entendimento da possibilidade da extinção ou abolição do Estado, com base na vertente marxista. A noção do próprio instituto do marxismo, incluindo seus conceitos, tais como: classe social, Estado e política, constataram-se de imprescindível importância.
Oportunamente, nos embasamos em renomados autores que abordam a concepção marxista ou científica – materialista em suas obras, autores de renome nacional e internacional. A princípio, explanamos a diferenciação entre as concepções marxistas e marxianas, assumindo a adoção da concepção marxista, em razão de ser esta, a que adota o posicionamento político desenvolvido com base nas teorias de Karl Marx e Friedrich Engels.
Ao entendermos o instituto do Socialismo científico cumulado ao Materialismo histórico – dialético, compreendemos uma concepção da realidade política e social que possui como referência ou base fundamental as relações econômicas da sociedade. Nesse diapasão passamos a conhecer uma concepção que define as organizações políticas, com ênfase ao Estado, como instrumento do sistema econômico-social, ou seja, as condições materiais de existência humana e social.
Uma das bases do pensamento marxista, objeto do presente artigo, é o conceito de Classes Sociais. O Estado encontra seu fundamento não apenas no sistema econômico, mas também no instituto das Classes Sociais, que por sua vez, correlaciona-se com a propriedade privada dos meios de produção. Concluímos classes sociais são divisões sociais em grupos econômicos antagônicos, que se relacionam num processo de exploração econômica, a saber, uma minoria exploradora e uma maioria explorada, tendo como causa a propriedade privada dos meios de produção, e como resultado a exploração do trabalho e dos trabalhadores pela minoria proprietária dos meios ou bens de produção.
Nestes moldes, reconhece-se o Estado como instrumento de manutenção do domínio territorial de uma classe social, que é a classe economicamente dominante. Destarte, tento o Estado quanto as classes sociais, teriam então, uma origem ou causa em comum, qual seja, a propriedade privada dos meios de produção. Nesse contexto, insere-se também uma concepção de política que rompe as noções do senso comum. A política se caracteriza pela manutenção do poder econômico de uma classe opressora e exploradora contra outra classe, consequentemente a classe explorada e oprimida. O poder político seria então, a representação do poder público, que na realidade não representaria o poder público, mas a manifestação do domínio econômico, e consequentemente social, da classe dominante. Com eventual fim da propriedade privada dos meios de produção, que representaria o fim das classes sociais e do Estado, o pode público deixaria de ser político, assumindo então, o verdadeiro caráter público, social ou coletivo.
O conceito marxista de Estado, fundamenta-se na noção de Estado como ditadura de classe, ditadura que entendemos como instrumento de poder que impõe a dominação econômica e social de uma classe sobre outra. Nesse sentido, no contexto histórico marxista, o curso do desenvolvimento social e político da humanidade, a partir de então, percorreria por duas ditaduras políticas, a saber, a ditadura da burguesia e ditadura do proletariado. A ditadura da burguesia refere-se ao modo político do sistema capitalista de produção, onde vigara o domínio real da classe burguesa, que consequentemente haveria ou haverá de ser superado pela ditadura do proletariado, que é o modo socialista de produção, caracterizado pela coletivização dos meios de produção e domínio econômico da classe trabalhadora, administrada por um Estado, um Estado que ainda seria necessário, até o alcance da forma de desenvolvimento superior da humanidade: a forma comunista.
A necessidade da Revolução Mundial para o triunfo do Comunismo, conforme doutrinam e asseveram Lenin e Trotsky, nos faz concluir que o Comunismo pode está relacionado à expansão mundial ou internacional do Socialismo, ou seja, à fase na qual o modo socialista de produção se expande ou conquista todos os territórios do mundo, iniciando-se pelos países mais desenvolvidos, então, nesse dado momento, com o fim mundial da propriedade privada e das classes sociais, enfim ocorreria o fim do Estado. Conseguimos concluir que o Comunismo ou a extinção do Estado estaria relacionada com a expansão mundial do Socialismo, fase na qual a instituição do Estado, essencialmente defensiva e representativa do interesse e domínio de classe, não mais seria necessária, consequentemente, sendo abolido e não mais existindo. Assim concluímos, não obstante tal conclusão não restar muito claro nos textos consultados, dentre eles, os textos de Marx, Engels, Lenin e Trotsky.
Independente do posicionamento a favor ou contra a concepção marxista, cumpre nos reconhecer que a referida concepção trouxe uma ruptura de paradigma na interpretação acerca das instituições sociais, sobretudo do Estado. Assumindo então o Estado como instrumento que tem na sua razão de ser o domínio econômico de uma classe social, que por sua vez, funda-se na propriedade privada dos meios de produção, contraria-se diretamente as concepções precedentes acerca do Estado, que o considerava como instrumento do direito, da vontade geral e do bem comum.
Cientificamente, conforme depreendemos do marxismo, sendo possível um mundo onde fosse abolida a propriedade privada, o que ocorreria precisamente pela abolição da propriedade privada dos meios ou bens de produção, o Estado seria substituído pela própria coletividade humana, a saber, uma coletividade de trabalhadores livres, unidos e associados, que substituiriam as classes sociais e o próprio Estado, administrando assim, os interesses comum da coletividade. A coletividade de homens livres e trabalhadores, exerceriam as funções ou atividades administrativas, repressivas e de controle social, atualmente exercidas pelo Estado. Nestas circunstâncias, concluímos o processo em que se fundamenta a tese da abolição ou extinção do Estado na teoria marxista.
Assim, não nos cabe aqui proferir defesa acerca da tese do comunismo científico ou do marxismo, mas pesquisá-lo e compreendê-lo melhor, sobretudo, por tratar-se da ser a teoria abolicionista do Estado mais conhecida. O ponto específico de como se desenvolveria a abolição do Estado, com base na teoria marxista, poderia ser mais e melhor retratado ou conceituado pelos autores que abordam a ciência ou concepção marxista, inclusive os próprios marxistas.
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[2] CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 275.
[3] MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Trad. Castro e Costa, L. C.. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 11.
[4] NETTO, José Paulo. O que é marxismo. 9 ed. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 76 – 77.
[5] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Edipro, 2011, p. 53, 74-75.
[6] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Edipro, 2011, p. 73-74.
[7] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 277-279.
[8] LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia Geral. 7 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 258 – 259.
[9] Ibidem
[10] Ibidem, p. 263.
[11] LAGO, Benjamin Marcos. Curso de sociologia e política. Petrópolis, RJ: Vozes 1996, p. 87.
[12] BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 106.
[13] MARX, Karl; ENGELS, F. O manifesto comunista. Trad. Maria Lúcia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1998, p. 9.
[14] Ibidem, p. 9-10.
[15] MARX, K. In: Carta a Weidemeyer, 5/3/1846. MARX, K.; ENGELS, F. Obras escolhidas de Marx y Engels. Madrid: Fundamentos, 1975. 2 V. p. 481.
[16] MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 26 ed. atual. Pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 350.
[17] QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2 ed. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2003. p. 41.
[18] MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 11.
[19] CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 411 – 412.
[20] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[21] Ibidem, p. 162 – 163.
[22] Ibidem, p. 450.
[23] MARX, Karl. Para a crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Arthur Morão. LusoSofia: biblioteca online. Covilhã: 2008, p. 13 – 14.
[24] CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 412 e 413.
[25] Ibidem, p. 415.
[26] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 288.
[27] Ibidem, pg. 289 e 290.
[28] Engels, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9 ed. Tradução Leandro Konder Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 191.
[29] Bobbio, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia e as lições dos clássicos. Organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 122.
[30] Ibidem, p. 123.
[31] Ibidem, p. 126.
[32] ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 8 ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Lúcia Viveiros de castro: introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001, p. 62 – 63.
[33] Ibidem, p. 64 – 65.
[34] MARX, Karl; ENGELS, F. O manifesto comunista. Trad. Maria Lúcia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1998, p. 12 e 13.
[35] O autor refere-se à obra A origem da família, do Estado e de propriedade privada, de autoria de Friedrich Engels.
[36] LEAL, Leovegildo Pereira. Marxismo e socialismo: análise crítica da revolução cubana. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 46 – 47.
[37] O autor refere-se à obra A origem da família, do Estado e de propriedade privada, de autoria de Friedrich Engels.
[38] Ibidem, p. 53.
[39] MARX, Karl; ENGELS, F. O manifesto comunista. Trad. Maria Lúcia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1998, p. 45.
[40] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 36.
[41] MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 27.
[42] Ibidem, p.86.
[43] Ibidem, p. 87.
[44] O autor se utilizou do vocábulo “voltar”, acreditamos, pelo contexto, tratar-se de um equívoco, correto seria a expressão “votar”.
[45] KARL, MARX; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Coleção: A Obra prima de cada Autor. Trad. Frank Müller, L. C.. São Paulo: Martins Claret, 2005, p. 28-29.
[46] SADER, Emir. Estado e política em Marx. 2 ed. São Paulo: Cortez: 1993, p. 22 e 133.
[47] Bobbio, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia e as lições dos clássicos. Organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 123.
[48] THERBORN apud LEAL, Leovegildo Pereira. Marxismo e socialismo: análise crítica da revolução cubana. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 171.
[49] MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. 1 ed. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 43.
[50] LEAL, Leovegildo Pereira. Marxismo e socialismo: análise crítica da revolução cubana. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 171.
[51] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Edipro, 2011, p. 91 e 96.
[52] Comunismo. In: WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Comunismo>. Acesso em 11 ago. 2016.
[53] Socialismo científico. In: WIKPÉDIA: A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipédia.org/wiki/Socialismo_científico>. Acesso em 11 ago. 2016.
[54] Lenin apud LEAL, Leovegildo Pereira. Marxismo e socialismo: análise crítica da revolução cubana. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 173.
[55] LEAL, Leovegildo Pereira. Marxismo e socialismo: análise crítica da revolução cubana. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 174-175.
[56] Crítico crítico é uma expressão redundante utilizada pelo filósofo Bruno Bauer, nestes termos se autodenomina. Conforme nota da redação da referida obra constante na seguinte nota de rodapé.
[57] MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Coleção: A Obra prima de cada Autor. Trad. Frank Müller. São Paulo: Martins Claret, 2005.
[58] LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução; introdução: Francisco Máuri de Carvalho Freitas. Campinas, SP: FE/UNICAMP, 2011.
[59] Comuna de Paris. In: WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris>. Acesso em 16 ago. 2016.
[60] LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução; introdução: Francisco Máuri de Carvalho Freitas. Campinas, SP: FE/UNICAMP, 2011, p. 80.
[61] Ibidem, p. 103.
[62] MARX, Karl; ENGELS, F. O manifesto comunista. Trad. Maria Lúcia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1998, p. 28 e 65.
[63] Revolução mundial. In: WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolução_mundial>. Acesso em 21 ago. 2016.
[64] MAO, Tsé – Tung. O Livro Vermelho. Coleção: A Obra prima de cada Autor. São Paulo: Martins Claret, 2002, p. 38.
[65] Mao Tsé – tung. In: WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Mao_Tse-Tung>. Acesso em 21 ago. 2016.
[66] MAO, Tsé – Tung. O Livro Vermelho. Coleção: A Obra prima de cada Autor. São Paulo: Martins Claret, 2002, p. 126.
[67] TROTSKY, L. A revolução permanente. 2 ed. São Paulo: Kairós, 1985, p. 120.
[68] TROTSKY, L. A revolução permanente. 2 ed. São Paulo: Kairós, 1985, p. 127 – 128.
Bacharel em Direito. Advogado. Pós-graduado e Especialista em Direito Público. Atuante nas áreas de Direito Administrativo, Direito Civil e do Consumidor, e Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Leandro Pinheiro Aragão dos. A abolição do estado na concepção marxista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/55272/a-abolio-do-estado-na-concepo-marxista. Acesso em: 29 mar 2024.
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