MOABE ALLAN TEIXEIRA DO NASCIMENTO[1]
(coautor)
RESUMO: A democracia atual foi fruto de um processo lento e gradativo de inúmeros confrontos pelo povo. A Constituição no sentido de lei fundamental do Estado tem seu arcabouço delineado após os movimentos iluministas ao final do século XVIII, elevando-a a um poderio máximo e absoluto em que todos, inclusive os soberanos do Estado, estariam obrigados a obedecer. Não outro é o motivo pelo qual a Constituição é o fundamento de validade para qualquer norma editada pelos legisladores, quando no exercício de sua função típica, bem como pelo judiciário e executivo, quando no exercício de sua função atípica. Com o receio de regredir a evolução histórica conquistada pelo povo em instituir o denominado Estado Democrático de Direito, estabeleceu-se limites ao legislador inibindo eventuais tentativas arbitrárias em estabelecer o despotismo. Desta forma, este artigo científico buscou estudar de forma teórica os limites materiais impostos pela Constituição aos detentores do Poder Estatal, cujo intuito se traduz em clara prevenção de eventuais práticas arbitrárias por aqueles que comandam o Estado.
Palavras-chave: Constitucional. Poderes. Limitações.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 PODERES CONSTITUINTES. 2.1 DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. 2.1.1 CONCEITO. 2.1.2 CARACTERÍSTICAS. 2.2 DO PODER CONSTITUÍDO DERIVADO. 2.2.1 CONCEITO. 2.2.2 CARACTERÍSTICAS. 3CLÁUSULAS PÉTREAS COMO LIMITADOR MATERIAL DO PODER CONSTITUÍDO DERIVADO REFORMADOR. 3.1 FORMA FEDERATIVA DE ESTADO. 3.2 SISTEMA ELEITORAL DO BRASIL. 3.3 HARMONIA E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES DA REPÚBLICA. 3.4 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. 3.5 DEMAIS CLÁUSULAS PÉTREAS. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A história da democracia é intrinsecamente ligada à história das Constituições. Sua semântica moderna, disciplinada pela doutrina científica, rege-se instrumentalmente como a consolidação popular de um ato jurídico dotado de normas jurídicas em sentido amplo impostas ao soberano pelos próprios súditos, atendendo-se ao histórico Constitucionalismo.
A constituição democrática nasce quando o ato revolucionário instituidor de sua soberania é proveniente de seu próprio povo, reconhecendo-lhes como seus pares, bem como elegendo a título de garantia constitucional seus direitos fundamentais. Neste contexto, reconhece-se a máxima que o poder se encontra nas mãos do povo, em um elegante acatamento das balizas instituídas pós século XVIII, quando as máximas do iluminismo são amplamente reconhecidas e exteriorizadas pelos textos Declaração dos Direitos de Virgínia, nos Estados Unidos da América em 1776, e Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, na França em 1789.
Historicamente, tem-se reconhecido pelos estudiosos e historiadores a Constituição como a organização política de um Estado, em especial, por alguns, a partir do advento da Carta Magna do Rei João Sem Terra em 1215, quando o rei assinou o ato político após a revolta dos Barões, diante da exação excessiva que lhes infligiu, documento este que lhe fora outorgado o status de uma Constituição. Infirmou-se em 1215 as primeiras nuances dos Direitos Humanos, bem como as limitações ao Principado com a instituição dos primeiros princípios constitucionais a exemplo o da legalidade, o qual influenciou de forma ampla e geral as filosofias ocidentais, em atenção especial para o Iluminismo que ascendeu no século XVIII com a Revolução Americana seguida da Revolução Francesa. Após a revolta da plebe para com seu soberano, foi-se necessário estabelecer limitações ao Estado, com o intuito de nunca mais regredir o Estado de Direito ora existente.
No olhar histórico acima, e adentrando o contexto histórico nacional que promulgou a Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988, num ato de ruptura com uma tirania transvestida de democracia que então vigia o país, o Poder Constituinte Originário, com o escopo de nunca mais submeter-se ao despotismo, impôs ao Poder Constituído Derivado determinações obrigatórias que lhe foram denominadas de cláusulas pétreas, previstas no §4º do art. 60 da Constituição, cuja observância é postulado de validade para o ordenamento jurídico brasileiro.
Desta forma, adotar-se-á no presente trabalho uma metodologia bibliográfica, concentrando os estudos de forma sistematizada a expor os entendimentos doutrinários a respeito das limitadoras constitucionais, bem como o entendimento da Corte Suprema a seu respeito, ante seu papel jurídico-político atribuído constitucionalmente.
Antes de iniciar o estudo sobre as limitações constitucionais ao poder constituído derivado, faz-se necessário uma breve digressão a respeito dos poderes constituintes, em específico sobre seus conceitos e características.
A doutrina destaca a existência de dois poderes constituintes, sendo-os o originário, ou autônomo, e o derivado. O primeiro é o pressuposto de existência do segundo. Este somente existe quando houver aquele, sendo uma espécie de acessório de um objeto principal.
A teoria do poder constituinte, desenvolvida no século XVIII, consiste primordialmente na competência de criar uma constituição ou reformá-la. Para Alexandre de Moraes (2020, p. 24), o Poder Constituinte é a “manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado”.
Entende-se que o Poder Constituinte originário consiste em um exercício de criar, instituir, uma nova organização política mediante uma nova constituição. Pode ser classificado em fundacional ou pós-fundacional, sendo o primeiro como um ato constitutivo, onde não há nenhuma organização política presente, atuando o constituinte de forma verdadeiramente originária, na qual constitui um Estado, e o segundo atuando como ato interruptivo, no qual atua de forma a interromper com uma ordem jurídico-social já instaurada pelo constituinte fundacional, com a finalidade de instituir uma nova (PADILHA, 2019).
Trata-se do poder político de um povo em estabelecer sua própria Constituição e, consequentemente, o Estado jurídico que os regerá. (MORAES, 2020).
Em uma democracia, o poder constituinte originário pode ser compreendido em dois parâmetros: o de sua titularidade e o de sua extensão. Seu titular é o povo que, em um ato revolucionário, quebra com a ordem jurídica vigente para estabelecer uma nova. Por ser oriunda de si mesma, a extensão é ilimitada e incondicionada, podendo estabelecer os direitos e garantias que vigerão as relações sociais, bem como a ordem política que comandará o País, sem que se submeta a qualquer regra estabelecida. É por este motivo que se aduz inexistir direito adquirido durante a transição entre a constituição precedente e a procedente.
Interessante destacar que para Flávio Martins Nunes Junior (2020) o povo não é o titular direto do poder constituinte originário, posto que não cabe ao povo editar diretamente a constituição, mas são detentores do poder indireto, visto que são seus representantes os competentes para editá-la. Neste entendimento, a titularidade seria do próprio Estado, adormecida até ulterior manifestação da vontade organizada de seu povo em prover uma nova ordem social, política e jurídica.
Lecionando de forma contrária, Rodrigo Padilha (2019) afirma que a titularidade pertence ao povo, mas que o seu exercício é feito de forma indireta, ou seja, mediante seus representantes escolhidos.
No mesmo sentido é a lição extraída de Alexandre de Moraes (2020), para o qual a titularidade passou ao povo, posto que o fruto dessa vontade organizada pelo grupo social que compõe o Estado é expressada por seus representantes na constituição sufragada.
O poder constituinte apresenta 4 (quatro) características: a. inicial; b. incondicionado; c. permanente; e d. ilimitado.
Inicial em razão de que o Poder Constituinte Originário antecede o Estado. É ele quem estabelecerá o arcabouço jurídico a reger a sociedade. (MARTINS, 2020)
Em razão de não existir qualquer exigência para que ele exerça seu poder de fato, assim como é exigido do Poder Constituído Derivado, considera-se como incondicionado, sem qualquer dever de observância à possíveis exigências para manifestar sua vontade. (MARTINS, 2020)
O seu uso não pode acarretar sua preclusão, especialmente ante ao fato de ele ser o poder político que antecede e institui o Estado. Deste modo, atribui-se ao poder a característica de permanente, sendo possível que este Poder se manifeste em momento ulterior para romper com a presente ordem jurídica e instituir uma nova Constituição, sem que lhe seja obstado de exercer novamente tal poder de fato posteriormente. (MARTINS, 2020)
Por fim, é cediço que não há qualquer exigência para que ele se manifeste, sendo livre de estabelecer novas leis. Isto também deve implicar sua autonomia, impedindo que esteja limitado ao direito anteriormente constituído. Outra consequência seria ilógica, isto porque o Poder Constituinte antecede o Estado de Direito, sendo imperioso que não se submeta a quaisquer ordens jurídicas cujo fito é de limitá-lo. Trata-se de um poder político, organizado e manifestado pelo Povo de um determinado território, reconhecendo sua soberania no intuito em estabelecer o Estado. Assim, seria teratológico que se submetesse a leis anteriores. (MORAES, 2020)
Conforme se depreende pelo nome, trata-se de um poder que foi estabelecido pelo Constituinte Originário, ou seja, ele existe em razão de sua “constituição” jurídica no corpo da Constituição Federal. Sua característica precípua é a derivação do Poder Constituinte Originário em clara relação de existência-validade; aquele somente existe quando este existir.
Neste sentido, o principal efeito decorrente desta derivação é sua submissão aos limites impostos pelo Constituinte Originário, sendo que sua afronta acarretará vício de inconstitucionalidade a ser discutido no Supremo Tribunal Federal, órgão competente para assegurar a aplicação e validade da Constituição Federal.
O presente instituto se divide em derivado reformador, derivado decorrente e derivado difuso.
Insta ressaltar que este poder também é doutrinariamente denominado de Poder Constituinte Derivado, numa clara observância da terminologia adotada no Poder Constituinte Originário. Contudo, a doutrina majoritária entende que não é possível adotar a mesma terminologia, isto porque, conforme já mencionado acima, aquele é instituído por este, por esta razão a adoção da terminologia de “constituído” e não “constituinte”.
O Poder Constituído Derivado comporta 3 (três) espécies: a. derivado de reforma; b. decorrente; e c. derivado difuso.
O primeiro é atribuído à União, em específico ao Congresso Nacional, órgão competente para promover a alteração da Constituição Federal, de maneira a permitir a alteração do texto constitucional, respeitando os parâmetros estabelecidos pelo Constituinte Originário no art. 60 da C.F/88, dando especial atendimento a finalidade de evitar a fossilização da Lei Máxima. (MORAES, 2020)
Por seu turno, o Poder Constituído Derivado Decorrente é atribuído aos demais Entes Federativos, em específico os Estados-membros e ao Distrito Federal – conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 980, no qual reconheceu que a Lei Orgânica do Distrito Federal possui força normativa de Constituição Estadual - com o escopo de permitir sua auto-organização, autogoverno e autoadministração política destes entes, em decorrência da adoção do pacto federativo pela República Federativa do Brasil. (MORAES, 2020)
Tem-se, assim, duas espécies de poder constituído derivado decorrente, sendo o primeiro o denominado de instituidor, no qual o Ente Federativo possui competência legislativa para se organizar politicamente mediante uma Constituição Estadual, devendo sempre observar os limites impostos pela Constituição Federal, guardando por assim dizer, uma devida simetria; a segunda espécie é denominada de reformadora, que guarda uma simetria com o poder constituído derivado reformador, permitindo ao legislador constituinte Estadual ou Distrital de reformar sua lei máxima.
Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 466:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INSTITUIÇÃO DA PENA DE MORTE MEDIANTE PRÉVIA CONSULTA PLEBISCITÁRIA - LIMITAÇÃO MATERIAL EXPLÍCITA DO PODER REFORMADOR DO CONGRESSO NACIONAL (ART. 60, § 4º, IV) - INEXISTÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO ABSTRATO (EM TESE) NO DIREITO BRASILEIRO - AUSÊNCIA DE ATO NORMATIVO - NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA. - O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, § 1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no § 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade. (ADI 466 MC, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/1991, DJ 10-05-1991 PP-05929 EMENT VOL-01619-01 PP-00055)
Por último, tem-se o poder derivado difuso, considerado como uma forma indireta de alteração constitucional em razão de não a modificar textualmente, como ocorre com as emendas às constituições votadas pelo órgão legiferante competente, mas a modifica em sua exegese, onde atribui-se significado diverso à determinada norma constitucional. É denominado pela doutrina de mutação constitucional, e ocorre geralmente por órgão do Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, em razão de ser o guardião da Constituição Federal (PADILHA, 2019).
Tem-se a título de exemplo da mutação constitucional o polêmico caso da execução provisória da pena após condenação em segunda instância, em decorrência da interpretação atribuída ao inciso LVII do art. 5º da C.F/88, o qual determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal que o condena.
A exegese dada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 126292, ratificando o entendimento em sede de Recurso Extraordinário com Agravo nº 964246 com repercussão geral conhecida, atribuiu uma interpretação teleológica à norma citada, adotando a interpretação de que execução provisória da pena após julgamento em segunda instância não fere o princípio constitucional da presunção de inocência (não culpabilidade) balizado pela norma impugnada. Posteriormente, em 2019, tornou a julgar sobre a constitucionalidade da execução provisória no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43, 44 e 54, declarando o entendimento outrora sufragado como inconstitucional, sem, contudo, haver qualquer alteração no texto normativo.
Apresenta como características precípuas a: i. limitação – visto que sua atuação está estritamente limitada a diversas observâncias, em especial há os limites materiais e formais, considerando as cláusulas pétreas previstas no art. 60, §4º, da C.F/88 como um dos limites materiais ao poder constituído -; ii. condicionado – em razão da constituição prever as formas de como será realizada a alteração constitucional – e; iii. derivado, visto que se trata de um poder secundário, derivado do poder originário.
Destaca-se que ambos os poderes constituídos derivados, seja o derivado decorrente, seja o derivado reformador, devem observar sempre os limites impostos pelo constituinte originário, sob pena de considerar eventuais modificações como inconstitucionais, isto porque à ambos se aplicam as características de limitado, condicionado e derivado, devidamente explicados acima. Uma dessas limitações são as denominadas materiais, na qual cabe ao legislador constituído observar estritamente as balizas ao órgão legiferante insculpidas nos incisos I ao IV do §4º do art. 60 da Constituição.
O texto constitucional dispõe de limitações ao poder de reformar assegurado ao legislador brasileiro, com o evidente intuito de coibir eventuais despotismos e arbitrárias ingerências contra os indivíduos que compõem o Brasil. São denominados doutrinariamente de limitações materiais ao poder constituído derivado. São limitações de extrema importância para a manutenção dos princípios que levaram a sua criação e que foram assegurados aos brasileiros, pois tendem a proteger as políticas fundamentais para o indivíduo. (BARROSO, 2019)
Imperioso destacar que as limitações ora em estudo não podem ser opostas a qualquer reforma ao texto constitucional, sob pena de petrificar a Constituição, tornando-a um mero papel, sem qualquer observação com as mudanças sociais. A proteção recai no núcleo essencial que a norma é envolta. (BARROSO, 2019)
Não outro é o entendimento da Corte Suprema, para a qual:
Não são tipos ideais de princípios e instituições que é lícito supor tenha a Constituição tido a pretensão de tornar imutáveis, mas sim as decisões políticas fundamentais, frequentemente compromissórias, que se materializaram no seu texto positivo. O resto é metafísica ideológica. (...) A afirmação então reiterada de que os limites materiais à reforma constitucional – as já populares ‘cláusulas pétreas’ – não são garantias de intangibilidade de literalidade de preceitos constitucionais específicos da Constituição originária – que, assim, se tornariam imutáveis – mas sim do seu conteúdo nuclear é da opinião comum dos doutores (...). (ADI 2024, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2007, DJe-042 DIVULG 21-06-2007 PUBLIC 22-06-2007 DJ 22-06-2007 PP-00016 EMENT VOL-02281-01 PP-00128 RDDT n. 143, 2007, p. 230-231)
Neste sentido, consagrou-se o §4º do art. 60 da Constituição com 4 limitações explícitas:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Perquirindo as hipóteses ali positivadas, é por demais óbvio que assegurou, de forma imperativa, a forma de Estado do Brasil, prevendo que o modelo adotado é o Federalismo, o modelo democrático instituído e usufruído mediante o voto direto, secreto universal e periódico, a tripartição dos poderes, sem que lhe seja permitido que o legislativo, em razão de sua atividade típica ser o de legislar e reformar a Constituição, não venha a menosprezar os demais poderes da República, e, como imperativo categórico, os direitos humanos.
A forma federativa do Brasil está relacionada com a sua organização dos poderes políticos. Assim, adota-se o Federalismo, garantindo certa autonomia aos entes políticos que compõem o país, existindo dois entes federativos: um nacional e outro estadual. No Brasil, adotou-se uma tripartição, reconhecendo como Ente Federativo os Municípios.
Convém destacar que a cláusula pétrea estudada relaciona somente com a forma de Estado e não com a forma de Governo. Assim, é possível uma emenda à Constituição para alterar o modelo presidencialista em monarquista. Não por outra razão foi realizado o plebiscito em 1993, consoante determinação do art. 2º da ADCT, com o escopo de aferir, pela vontade majoritária da população, se desejavam ou não o modelo presidencialista. (NUNES JUNIOR, 2020)
A exemplo de uma Proposta Emenda à Constituição inconstitucional seria a tendente a abolir a autonomia dos Municípios como Entes Federativos, visto que lhes foram assegurados constitucionalmente esta posição.
Importante destacar que após a proclamação da República em 1891 e suas consequentes constituições, em nenhuma assegurou outro modelo além do federalismo. (MOREIRA, 2011)
O Federalismo é marcado por três elementos importantes. O primeiro é traçado pela autonomia, sendo juridicamente impossível que haja este modelo político sem lhe ser assegurado as condições necessárias para se autodeterminar, dentro, por óbvio, das balizadas condicionadas pela Constituição Federativa. Como segundo elemento, tem-se a repartição das competências, o que pode ser lido como corolário da autonomia, visto que não seria possível o exercício de sua autonomia quando o Ente Federativo não tivesse qualquer margem de competência instituída em seu favor, a exemplo, esvaziaria a possibilidade de um Estado se autogovernar sem que o Poder Executivo tivesse poderes suficientes para administrar o ente em que está vinculado. Em último, tem-se o requisito da sua participação nas políticas tomadas a nível nacional, sendo certo que toda medida da União repercute, direta ou indiretamente, nos Estados e Municípios. (BARROSO, 2019)
Assim, buscou-se assegurar o modelo de Estado, assegurando que a União avocasse para si todos os poderes atribuídos aos Estados-membros, unificando o Brasil assim como era durante a Carta Constitucional de 1824.
Uma democracia é assim reconhecida quando as decisões políticas de um Estado são tomadas pelo próprio povo. A forma como ela é exteriorizada se divide de forma direta ou indireta. Etimologicamente, demo significa povo, enquanto cracia é poder.
Trata-se de direito humano de primeira dimensão, assegurado a partir dos movimentos iluministas no final do século XVIII, em especial com o advento da Declaração de Direitos de Virginia em 1776, inscrita no contexto pós-revolucionário na luta pela independência dos Estados Unidos da América.
Reconhece, assim, o direito do sufrágio a nível constitucional, posto sua relevância social para ocidente. Há séculos que a sociedade civil demanda pelo poder que lhe é inerente, visto que um Estado somente consegue existir se houver um povo para governar, nessa senda, nada mais lógico do que assegurar a soberania popular. Esta soberania é exercida somente quando se está diante de uma democracia, visto que os demais modelos, monarquia e aristocracia, tem como cerne a centralização do poder na mão de um indivíduo.
Assegura-se o voto direto, secreto, universal e periódico. Direto é o voto exercido diretamente pelos eleitores, ao contrário do voto indireto, no qual se elege representantes para exercer determinada escolha, como ocorre nos Estados Unidos da América. Secreto, sem muitas delongas, é o voto sigiloso. Universal está relacionado com a amplitude de seu exercício, atribuindo a todos o direito do sufrágio. Deve-se, ainda, ser periódico, no qual o eleitor exerce o voto dentro de determinado período de tempo (em regra de 4 em 4 anos) com o escopo de evitar a centralização do poder e eventuais abusos. (NUNES JUNIOR, 2020)
Curioso destacar que para Flávio Martins Nunes Junior (2020, p. 239) o voto obrigatório determinado no art. 14 da C.F/88 não pode ser considerado como cláusula pétrea, sendo perfeitamente possível sua revogação a fim de torná-lo facultativo.
Pelas razões históricas que consagraram o Estado Democrático de Direito, de certo seria a manutenção deste direito como uma limitação ao Constituído Derivado. Inconcebível é a permissão do Estado em abolir a característica principal de uma democracia pelos agentes públicos, qual seja o direito ao sufrágio, seja ele direto ou indireto – a exemplo da democracia norte-americana.
Assim, é inconstitucional lei ordinária ou emenda à constituição que vise retirar ou restringir os atributos ou o direito em si do indivíduo constitucionalmente assegurado. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal fora convocado a apreciar o art. 59-A e parágrafo único da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 13.165/15, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5889 questionava a constitucionalidade da norma inserida pela Lei nº 13.165/15 disciplinando a impressão do voto computado na urna. No julgamento da ação, a norma objeto foi declarada inconstitucional por ferir a cláusula pétrea inserida no inciso II do §4º do art. 60 da C.F. Neste sentido, cite-se o aresto do julgado:
CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. LEGITIMIDADE DO CONGRESSO NACIONAL PARA ADOÇÃO DE SISTEMAS E PROCEDIMENTOS DE ESCRUTÍNIO ELEITORAL COM OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS DE SIGILOSIDADE E LIBERDADE DO VOTO (CF, ARTS. 14 E 60, § 4º, II). MODELO HÍBRIDO DE VOTAÇÃO PREVISTO PELO ART. 59-A DA LEI 9.504/1997. POTENCIALIDADE DE RISCO NA IDENTIFICAÇÃO DO ELEITOR CONFIGURADORA DE AMEAÇA À SUA LIVRE ESCOLHA. INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.
(ADI 5889, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 02-10-2020 PUBLIC 05-10-2020)
Segurando o bronze, tem-se a proteção contra a ingerência indevida entre os órgãos públicos. Buscou-se evitar a famosa crise institucional, onde um órgão adentra a esfera de atuação dos demais, bem como estipular um novo Poder aos Entes Federativos, evitando a ocorrência de restrição às atividades típicas de determinado Poder.
Não é lícito ao legislativo emendar a Constituição Federal restringindo a atuação do Executivo ou do Judiciário, tampouco aboli-los da Constituição, sob pena de recair no vício de inconstitucionalidade. Para a ocorrência da inconstitucionalidade, deve-se ser assegurado ao órgão determinadas atribuições constitucionais, como, por exemplo, nomeação e exoneração dos Ministros de Estado. Logo, se haverá inconstitucionalidade em Projeto de Emenda à Constituição com o escopo de retirar a atribuição mencionada do Chefe do Executivo.
A estrutura dos Poderes do Estado, idealizada por Montesquieu, não comporta arbitrariedades ou, no vocábulo coloquial, a guerra pelo poder, no qual determinado Poder procura, de forma arbitrária e ilimitada, avocar todos os Poderes. É neste sentido que nasce a tirania, o despotismo estatal, limitando a vida social dos servos daquele Estado.
Observa-se, contudo, que o impedimento não pode recair em eventuais reestruturações, conforme já anteriormente apontado. O que se busca defender são as ingerências contrárias ao núcleo essencial. Assim, é perfeitamente possível que haja uma reforma de determinado poder da União, como ocorreu com a Emenda à Constituição nº 45/2004, denominada de Reforma do Judiciário. (NUNES JUNIOR, 2020)
Neste sentido, em sede de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, chancelou-se a constitucionalidade da E.C nº 45/2004 que instituiu o Conselho Nacional de Justiça. Um dos argumentos foi o da violação à cláusula pétrea do inciso III, separação dos poderes, ao estipular que o Conselho Nacional de Justiça terá como composição indivíduos de fora do judiciário. Entretanto, entendeu a Suprema Corte pela Constitucionalidade, ao argumento de que “simboliza, mas também opera ligeira abertura das portas do Judiciário para que representantes da sociedade tomem parte no controle administrativo-financeiro e ético-disciplinar da atuação do Poder, robustecendo-lhe o caráter republicano e democrático, nada mais natural que os dois setores sociais, cujos misteres estão mais próximos das atividades profissionais da magistratura, a advocacia e o Ministério Público, integrem o Conselho responsável por esse mesmo controle”, conforme o voto do relator Ministro Cezar Peluso. Transcreva-se a ementa do excerto:
1. AÇÃO. Condição. Interesse processual, ou de agir. Caracterização. Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura antes da publicação oficial da Emenda Constitucional nº 45/2004. Publicação superveniente, antes do julgamento da causa. Suficiência. Carência da ação não configurada. Preliminar repelida. Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Devendo as condições da ação coexistir à data da sentença, considera-se presente o interesse processual, ou de agir, em ação direta de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional que só foi publicada, oficialmente, no curso do processo, mas antes da sentença. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados membros carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. 5. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão administrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e constante do Projeto que resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004. Supressão pelo Senado Federal. Reapreciação pela Câmara. Desnecessidade. Subsistência do sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado (art. 103-B, § 4º, III). Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art. 95, I, parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência. Argüição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de projeto que, na redação remanescente, aprovada de ambas as Casas do Congresso, não perdeu sentido normativo. 6. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Membro. Advogados e cidadãos. Exercício do mandato. Atividades incompatíveis com tal exercício. Proibição não constante das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Pendência de projeto tendente a torná-la expressa, mediante acréscimo de § 8º ao art. 103-B da CF. Irrelevância. Ofensa ao princípio da isonomia. Não ocorrência. Impedimentos já previstos à conjugação dos arts. 95, § único, e 127, § 5º, II, da CF. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido aditado. Improcedência. Nenhum dos advogados ou cidadãos membros do Conselho Nacional de Justiça pode, durante o exercício do mandato, exercer atividades incompatíveis com essa condição, tais como exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério, dedicar-se a atividade político-partidária e exercer a advocacia no território nacional.
(ADI 3367, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005, DJ 17-03-2006 PP-00004 EMENT VOL-02225-01 PP-00182 REPUBLICAÇÃO: DJ 22-09-2006 PP-00029) (Ressalvam-se os grifos)
Por fim, encontra-se respaldado na ordem jurídica como cláusula pétrea os direitos e garantias individuais. Trata-se de proteção constitucional aos direitos que cada cidadão possui como um limite imposto em face do Estado ou de seus compatriotas, sendo que sua não observância pode gerar uma lesão a ser reparada pelo Poder Judiciário. Funcionam, portanto, como um dever de abstenção, um não fazer, compreendendo como uma esfera impenetrável de direitos.
Curioso destacar que as cláusulas pétreas já existiam nas constituições pretéritas, a exemplo da Federação e República nas Constituições de 1934, 1946 e 1967. Contudo, somente com o advento da Constituição de 1988 os direitos e garantias fundamentais foram elevados ao status de limites materiais ao legislador constituído. (NUNES JUNIOR, 2020)
Tais direitos podem ser encontrados por toda a Constituição Federal, não estando centralizados no art. 5º. Neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade concentrado, afirmando que um dos limites constitucionais ao poder de tributar previsto no inciso I do art. 150 da C.F/88, princípio da anterioridade da lei tributária, possuí natureza de direitos individuais, atraindo para si a garantia de cláusula pétrea prevista no inciso IV do §4º do art. 60 da C.F/88.
Neste sentido, convém citar o voto do Ministro Relator Sydney Sanches:
No que tange ao princípio da anterioridade, deixei expresso o meu pensamento de que as garantias dos contribuintes, inscritas no art. 150 da Constituição, são intangíveis à mão do constituinte derivado, tendo em vista o disposto no art. 60, § 4º, IV, da Constituição. Coerentemente com tal afirmativa, reconheço que as imunidades inscritas no inciso VI do art. 150 são, também, garantias que o constituinte derivado não pode suprimir”. Merece destaque a posição dissidente do Ministro Sepúlveda Pertence, no mesmo julgamento: “E não consigo, por mais que me esforce, ver, na regra da anterioridade, recortada de exceções no próprio Texto de 1988, a grandeza de cláusula perene, que se lhe quer atribuir, de modo a impedir ao órgão de reforma constitucional a instituição de um imposto provisório que a ela não se submeta. (ADI 939, Relator(a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)
Ademais, convém mencionar que apesar de a norma insinuar somente os direitos individuais, indicando que a proteção recai tão somente nos direitos de primeira dimensão, paulatinamente tem se reconhecido doutrinária e juridicamente sua extensão aos direitos fundamentais como um todo, adentrando nessa esfera de proteção os direitos de segunda dimensão, quais sejam, os direitos sociais.
Trata-se de dar interpretação conforme à constituição para incluir ao rol dos direitos individuais todos aqueles estruturalmente necessários para a devida manutenção do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado como um dos pilares do Estado Democrático de Direito e como uma espécie de fundamento à República Federativa do Brasil, conforme inteligência do art. 1º, III, de sua constituição.
O Supremo Tribunal Federal já fora instado a se manifestar a respeito de ser ou não os direitos sociais protegidos pela cláusula pétrea ora em estudo pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3105, no qual chancelou pela adoção do entendimento supramencionado, reconhecendo os direitos sociais como extensão da limitação do inciso IV do §4º do art. 60 ao legislador reformador, em razão da dignidade da pessoa humana prevista no inciso III do art. 1º.
Doutrinariamente se reconhece outras cláusulas pétreas que não estão previstas no rol numeros clausus do §4º do art. 60 da C.F/88, para a qual se denominou de cláusulas pétreas implícitas.
Decorrem de um raciocínio lógico e hermenêutico extraído da própria Constituição, no qual consideram como limites implícitos ao legislador constituído mesmo não estando explicitamente previstos no texto constitucional. A exemplo, cite-se o próprio art. 60, sendo certo que estabelece as limitações formais, materiais e circunstanciais, não é permitido ao Poder Constituído Derivado emendar a Constituição retirando o artigo mencionado de seu corpo, sob pena de ferir de morte o núcleo essencial das balizas delimitadoras ali constantes.
Ademais, seria contraditório não permitir que o Poder Constituído emendasse a Constituição para retirar determinado direito fundamental, porém lhe é lícito retirar o limitador imposto pelo Poder Constituinte Originário. Seria permitir que o Poder Constituído, ou seja, o instituído pelo Constituinte Originário, afrontasse a vontade de todos os indivíduos que compõem a sociedade brasileira, seria o Estado retornando ao seu poder absoluto.
Ante a evolução histórica e social da humanidade, em especial a experenciada pós-século XVIII, o reconhecimento do povo como instituidor de seu próprio Estado deve ser assegurado em todas as democracias, com o intuito de coibir a regressão desta para o autoritarismo vivido pré-iluminismo. No Brasil, demonstrou a fragilidade da democracia no século XX, após a tomada do poder pelos militares em 1º de abril de 1964, o qual instituiu o despotismo autoritário transvestido de democracia, levando às mais diversas arbitrariedades sem qualquer limitação ao Estado.
Diante desta razão, bem como dos motivos históricos que antecederam o Estado Democrático de Direito, a necessária limitação ao Estado tornou- se uma espécie de imperativo categórico, no qual é dirigido ao Estado. Não se pode admitir a arbitrariedade como elemento habitual de uma sociedade, faz-se necessário assegurar a dignidade da pessoa humana.
Neste sentimento, o Poder Constituinte Originário de 1985, convocando e instituindo uma nova Assembleia Constituinte para interromper com o Estado anterior e instituir um novo, fez por bem assentar no corpo da Constituição promulgada em 1988 limites aos Poder Constituído Derivado, os quais foram denominados doutrinária e jurisprudencialmente de cláusulas pétreas.
O estudo das cláusulas pétreas se faz necessário, em especial no contexto histórico atual em que se discute a necessidade e o papel de determinadas Instituições Políticas, a exemplo do Supremo Tribunal Federal, sob os argumentos variados de ingerência de um Poder sobre o outro.
Desta forma, as cláusulas pétreas previstas nos incisos I ao IV do §4º do art. 60 da C.F/88, foram postas como freios ao Estado com o escopo de assegurar, em regra, a validade e existência dos Poderes da União como harmônicos em si, estabelecendo-se como espécie de checks and balances (freios e contrapesos), bem como os direitos que foram conquistados após o sacrifício de inúmeras vidas, em específico os direitos fundamentais de primeira (direitos da liberdade e aqui incluído o direito ao sufrágio universal) e segunda dimensão (direitos da igualdade).
Deve-se, assim, assegurá-las e efetivá-las, garantindo os princípios que o Poder Constituinte Originário se embasou durante a instituição da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana em que se pauta o Estado Democrático de Direito, sendo teratológico hodiernamente a não observância deste postulado pelos Estados.
A não observância destes limites acarreta evidente vício de inconstitucionalidade, o qual permite ao Supremo Tribunal Federal, vulgarmente conhecido como guardião da Constituição, declarar a inconstitucionalidade da reforma constitucional em confronto com os limites materiais. Esta medida deve ser exercida sempre que possível, sob pena de permitir eventuais abusos de direito e de poder.
Por fim, em observância aos postulados da simetria, os limites materiais previstos nos incisos I ao IV do §4º do art. 60 da C.F/88, devem ser opostos ao Poder Constituinte Derivado Decorrente, não sendo lícito que a Constituição Estadual venha, v.g, a ferir direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, ou ainda os abolir.
BARROSO, LUIS ROBERTO. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. 9788553617562. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553617562/. Acesso em: 11 nov. 2020
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília, DF, out 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 ago. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 939. Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, 15 de dezembro de 1993. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur118470/false. Acesso em: 24 nov. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 466. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, 3 de abril de 1991. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur257945/false. Acesso em: 24 nov. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 2024. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 3 de maio de 2007. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur89658/false. Acesso em: 24 nov. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 3367. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, 13 de abril de 2005. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur95163/false. Acesso em: 24 nov. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 5889. Relator(a): Min. GILMAR MENDES, 16 de setembro de 2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur433103/false. Acesso em: 24 nov. 2020.
MORAES, ALEXANDRE DE. Direito Constitucional. São Paulo: Grupo GEN, 2020. 9788597024913. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024913/. Acesso em: 18 nov 2020
MOREIRA. EDUARDO RIBEIRO. Teoria da Reforma Constitucional, 1ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. 9788502155015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502155015/. Acesso em: 09 nov 2020
NUNES JUNIOR, FLÁVIO MARTINS ALVES. A. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553617883. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553617883/. Acesso em: 16 nov. 2020
PADILHA, RODRIGO. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Método, 2019. 9788530988319. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530988319/. Acesso em: 16 Nov. 2020
[1] Qualificação acadêmica dos autores: Lucas Coutinho Borin: Bacharel em Direito; Pós-Graduando em Direito Penal e Controle Social pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB); Advogado autônomo. Moabe Allan Teixeira do Nascimento: Bacharel em Direito; Bacharel em Ciências Contábeis. Analista judiciária do Tribunal Superior Eleitoral.
Bacharel em Direito pela Instituição de Ensino Superior de Brasília (IESB); Pós-graduando em Direito Penal e Controle Social;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORIN, Lucas Coutinho. A cláusula pétrea como limitadora ao poder constituído derivado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 fev 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56196/a-clusula-ptrea-como-limitadora-ao-poder-constitudo-derivado. Acesso em: 28 mar 2024.
Por: Desirée Evangelista da Silva
Por: gabrielle barreto marques de carvalho
Por: Rodrigo Bastos Garrido
Por: LARA NASCIMENTO MAGALHÃES
Precisa estar logado para fazer comentários.