GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN[1]
(orientador)
RESUMO: Este trabalho aborda a eficácia da Lei nº 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, no combate à violência de gênero no Brasil. A pesquisa utiliza uma metodologia de revisão bibliográfica, examinando documentos legais, artigos acadêmicos e relatórios de organizações nacionais e internacionais que discutem a violência de gênero e a aplicação desta legislação específica. O estudo revela que, apesar de a Lei do Feminicídio representar um avanço significativo ao classificar o feminicídio como crime hediondo e intensificar as penalidades para este tipo de crime, existem várias lacunas na sua implementação. As principais dificuldades encontradas referem-se à inadequação dos treinamentos oferecidos às forças de segurança e ao judiciário, à falta de recursos e infraestrutura adequada para a execução da lei e à persistência de normas culturais que perpetuam a violência contra a mulher. As conclusões indicam que, embora a lei tenha contribuído para aumentar a conscientização sobre a gravidade do feminicídio, são necessárias ações integradas de diversas esferas da sociedade para garantir uma proteção efetiva às mulheres e a erradicação da violência de gênero, incluindo mudanças legislativas e culturais mais profundas. O estudo ressalta a importância de se fortalecer as estratégias legais e educacionais para enfrentar eficazmente o problema.
Palavras-chave: Lei do Feminicídio. Violência de gênero. Implementação. Cultura patriarcal. Proteção legal.
ABSTRACT: This study examines the effectiveness of Law No. 13.104/2015, known as the Femicide Law, in combating gender violence in Brazil. The research employs a bibliographic review methodology, analyzing legal documents, academic articles, and reports from national and international organizations that discuss gender violence and the application of this specific legislation. The study reveals that despite the Femicide Law representing a significant advancement by classifying femicide as a heinous crime and intensifying penalties for such crimes, there are several gaps in its implementation. The main challenges identified relate to the inadequacy of training provided to security forces and the judiciary, the lack of resources and adequate infrastructure for law enforcement, and the persistence of cultural norms that perpetuate violence against women. The conclusions indicate that while the law has helped raise awareness about the severity of femicide, integrated actions from various sectors of society are needed to ensure effective protection for women and the eradication of gender violence, including deeper legislative and cultural changes. The study emphasizes the importance of strengthening legal and educational strategies to effectively address the issue.
Keywords: Femicide Law. Gender violence. Implementation. Patriarchal culture. Legal protection.
1 INTRODUÇÃO
A evolução dos direitos das mulheres e a consolidação de legislações que buscam proteger a integridade física e moral do sexo feminino representam um dos pilares mais importantes na construção de uma sociedade justa e equânime. Neste contexto, a Lei nº 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, surge como um marco na luta contra a violência de gênero no Brasil, inserindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos e buscando dar uma resposta mais rigorosa aos assassinatos de mulheres cometidos por razões da condição de sexo feminino.
A importância da Lei do Feminicídio vai além da sua dimensão punitiva; ela é um instrumento de sensibilização e educação para a sociedade sobre a gravidade da violência contra a mulher e a urgência em erradicá-la. A tipificação do feminicídio como crime hediondo evidencia a severidade com que o Estado brasileiro passou a encarar essa modalidade de violência, procurando não apenas punir, mas também prevenir e reduzir os índices de homicídios motivados por questões de gênero.
No entanto, apesar dos avanços legislativos, muitos desafios permanecem na implementação efetiva da lei e na garantia de que as mulheres sejam de fato protegidas contra a violência letal. Diante disso, surge uma questão fundamental: até que ponto a Lei do Feminicídio tem sido eficaz na prevenção e no combate ao feminicídio no Brasil?
Essa problemática conduz a uma reflexão crítica sobre a aplicabilidade da legislação e sua capacidade de influenciar a redução dos índices de feminicídios no país. A hipótese central deste trabalho é que, apesar da importância da Lei do Feminicídio como ferramenta legal no combate à violência contra a mulher, existem lacunas significativas na sua implementação e aplicação prática, que limitam sua eficácia.
O objetivo geral desta pesquisa é avaliar a eficácia da Lei do Feminicídio no Brasil, analisando as barreiras encontradas na sua aplicação e as consequências dessas limitações para a proteção das mulheres. De forma específica, busca-se mapear o panorama atual da violência de gênero no país; identificar as dificuldades enfrentadas pelos órgãos de segurança pública e pelo sistema judiciário na aplicação da lei; e propor recomendações para aprimorar sua efetividade.
A relevância do estudo da Lei do Feminicídio reside não apenas na sua importância para a proteção das mulheres, mas também na necessidade de se compreender os mecanismos legais e sociais que podem contribuir para a erradicação da violência de gênero. A análise crítica da legislação e de sua aplicação prática é essencial para identificar as falhas existentes e propor soluções que possam fortalecer as estratégias de combate ao feminicídio no Brasil.
Este trabalho espera contribuir para o debate acadêmico sobre a violência de gênero e a eficácia das legislações destinadas a combatê-la, fornecendo informações para pesquisadores, legisladores e ativistas. Além disso, visa sensibilizar a comunidade em geral para a gravidade do feminicídio e a importância de medidas efetivas para sua prevenção e combate.
A metodologia adotada para a realização deste estudo é a revisão bibliográfica, através da qual serão examinados documentos legais, artigos acadêmicos, relatórios de organizações nacionais e internacionais e outros materiais que abordam a violência de gênero e a Lei do Feminicídio. Esta abordagem permite uma compreensão ampla e detalhada do tema, fundamentando a análise crítica e as conclusões sobre a eficácia da legislação em questão.
2 EVOLUÇÃO LEGAL DA PROTEÇÃO A MULHER
Com o objetivo de melhorar a condição feminina na sociedade, o arcabouço jurídico do país incorpora uma variedade de instrumentos legais, como leis, decretos-lei, normas constitucionais, acordos e convenções internacionais dedicados à questão. Esses instrumentos desempenham um papel crucial na defesa dos direitos e liberdades das mulheres, traçando o desenvolvimento histórico da proteção conferida a elas no sistema jurídico brasileiro.
Dentro desse quadro, a importância da Carta das Nações Unidas no reconhecimento dos direitos das mulheres foi marcante, especialmente por estabelecer a igualdade de gênero como um de seus principais princípios. O Brasil, como signatário, confirmou seu compromisso com esses ideais ao ratificar a Carta mediante o Decreto-Lei nº 7.935/45.
Em uma etapa subsequente, em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas divulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um manifesto elaborado por representantes de diversas tradições jurídicas e culturais com o propósito de salvaguardar os direitos universais. Este documento, adotado por uma ampla gama de nações, incluindo o Brasil, fortaleceu o compromisso global com a proteção dos direitos humanos (Dias, 2022).
Durante mais de três séculos, o Brasil permaneceu sob o domínio colonial português, com suas populações indígenas submetidas às leis impostas pela coroa de Portugal, apesar das significativas diferenças culturais entre as duas nações. Esse período colonial teve um impacto direto na formação do direito nacional e, por extensão, na situação jurídica das mulheres no país, cujo avanço legal se deu somente após a independência brasileira, declarada em 1822 (Santos, 2020).
Quanto às constituições brasileiras, a promulgação da Constituição de 1824, sancionada por Dom Pedro I, marcou o início de um movimento de insurgência, excluindo diversos grupos sociais marginalizados - incluindo mulheres, negros e a classe pobre - de uma série de direitos civis. Nesse contexto, as mulheres eram privadas do direito ao voto e do acesso a cargos públicos, privilégios concedidos exclusivamente aos homens brancos elegíveis para votar e serem votados (Dias, 2015).
Já na Constituição de 1891, a condição subalterna das mulheres era evidente, com a continuidade da discriminação de seus direitos, bem como os dos analfabetos e negros pela nova legislatura. Este padrão de exclusão dos direitos femininos começou a ser alterado somente com a introdução do Código Eleitoral de 1932, que conferiu a cidadania ao segmento feminino da população, embora com limitações. Por exemplo, a obrigatoriedade do voto era imposta somente aos homens, mantendo as mulheres ainda em uma posição de desvantagem eleitoral (Brasil, 1932).
É pertinente observar que as limitações impostas ao sufrágio feminino começaram a ser eliminadas com a instituição da Constituição de 1934, que estabeleceu a possibilidade de indivíduos maiores de 18 anos, sem distinção de gênero, se registrarem e votarem conforme previsto na lei (Brasil, 1934). Desta maneira, a obrigatoriedade do voto e do alistamento eleitoral para as mulheres foi introduzida na legislação brasileira pela primeira vez, embora se restringisse apenas àquelas engajadas em atividades profissionais remuneradas.
Essa mesma Constituição também trouxe várias reformas visando a paridade de gênero, incluindo direitos específicos para as mulheres, como a proibição da disparidade salarial entre homens e mulheres e a garantia de assistência médica para gestantes, entre outras mudanças que marcaram um progresso significativo na legislação nacional. Nesse sentido, Silvia Pimentel (1978, p. 17) elucida que: "pela primeira vez, 1934, o constituinte brasileiro demonstra sua preocupação pela situação jurídica da mulher proibindo expressamente privilégios ou distinções por motivo de sexo."
Contudo, a constituição subsequente de 1937, conhecida como Constituição Polaca, revogou algumas das conquistas femininas asseguradas pela legislação anterior, como, por exemplo, a igualdade de gênero. No entanto, manteve a obrigatoriedade do voto para ambos os gêneros, embora não universalmente, já que os eleitores eram selecionados pelas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, reduzindo assim as chances de inclusão feminina no eleitorado e perpetuando, de maneira encoberta, a discriminação contra as mulheres (Brasil, 1937).
A Constituição de 1967 refletiu uma clara influência da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mesmo sob a influência de um regime militar, essa Carta Magna reafirmou a importância da igualdade de gênero e ampliou direitos femininos específicos, como o direito à aposentadoria (Brasil, 1967).
Com o fim da ditadura militar, emergiu a demanda por uma nova ordem democrática, alinhada com os desejos da população e os princípios fundamentais destacados em tratados e convenções internacionais. Nesse contexto, a Constituição de 1988 se destacou das predecessoras ao focar nas demandas sociais, enfatizando a participação popular ampla. Conforme destacado por Marques Júnior (2014, p. 443):
A Constituição Federal de 1988 representou uma ruptura paradigmática e um corte epistemológico no tocante às Cartas anteriores, ao consagrar o primado do respeito aos direitos humanos e ao privilegiar o valor atinente à dignidade da pessoa humana, como modelo a ser observado e seguido para toda a ordem jurídica pátria.
Assim, através do texto constitucional de 1988, houve a consagração legislativa das garantias e dos direitos fundamentais, assim como a proteção aferida aos mais vulneráveis, sendo estes artigos considerados inalteráveis, por meio de cláusulas pétreas asseguradoras do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Portanto, são diversas as inovações dispostas pela Constituição Federal de 1988 em inúmeras searas, no tocante à igualdade não apenas formal, mas também material, em relação às questões de gênero, sendo assegurado às mulheres inúmeros artigos que denotam o tratamento isonômico e afastam a discriminação, além dos direitos sociais, individuais, coletivos, entre outros promovidos pelo texto em comento.
3 A LEI N.º 13.104/2015 - LEI DE FEMINICÍDIO E SUAS ALTERAÇÕES
A promulgação da Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, marca um dos momentos mais significativos na legislação brasileira no que tange à luta contra a violência de gênero. Esta lei, inserindo o conceito de feminicídio no Código Penal Brasileiro, reconhece e tipifica os homicídios contra mulheres que são perpetrados em razão da condição de sexo feminino (Silva et al., 2019). O legislador brasileiro, ao definir o feminicídio como uma forma qualificada de homicídio, busca não apenas punir, mas principalmente prevenir e evidenciar os assassinatos de mulheres que decorrem de violência doméstica, discriminação ou menosprezo à condição feminina.
No âmbito jurídico, a Lei nº 13.104/2015 promoveu alterações significativas ao artigo 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, ao introduzir o inciso VI no § 2º, classificando o feminicídio como um homicídio qualificado (Brasil, 2015). Tal qualificação jurídica busca refletir a gravidade dos crimes cometidos contra a mulher quando motivados por questões de gênero, considerando-os dignos de reprimenda mais severa por parte do Estado.
Noutras palavras, o artigo 1º da Lei do Feminicídio modifica o artigo 121 do Código Penal, adicionando o feminicídio ao rol de homicídios qualificados. Isso significa que, juridicamente, os crimes cometidos contra a mulher por razões de condição de sexo feminino passam a ser considerados mais graves do que um homicídio simples. Esta classificação reconhece as particularidades dos assassinatos motivados por questões de gênero, muitas vezes acompanhados de extrema violência e crueldade, sublinhando a necessidade de uma resposta legal mais severa (Pretto, 2022).
Ademais, a legislação prevê circunstâncias de aumento de pena para o crime de feminicídio em situações particularmente gravosas, tais como durante a gestação ou nos três meses subsequentes ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, e na presença de descendente ou ascendente da vítima (BRASIL, 2015). Para Anderson Souza e Paula Barros, essas disposições refletem a percepção de que certas condições exacerbam a vulnerabilidade da vítima e, por conseguinte, demandam uma penalidade mais rigorosa (Souza; Barros, 2016).
Outra modificação trazida pela Lei do Feminicídio foi a inclusão de tal crime na Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/1990). Sobre o tema, Dirceu Barros e Renee Souza (2021, p. 87) aduzem:
A inclusão do feminicídio na categoria de crimes hediondos, por meio da alteração do artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, reforça o caráter repugnante desses delitos e a intenção do legislador em atribuir-lhes um regime penal mais severo. A classificação como crime hediondo implica em consequências penais e processuais significativas, intensificando as medidas de prevenção e repressão a esses atos.
Pode-se dizer que a entrada em vigor da Lei do Feminicídio não apenas modificou o panorama jurídico-penal brasileiro, mas também representou um marco na luta contra a violência de gênero, alinhando-se aos esforços internacionais e às demandas de movimentos sociais e feministas por um tratamento legal mais efetivo e específico contra o homicídio de mulheres motivado por discriminação ou menosprezo à sua condição de sexo (Pretto, 2022).
Por fim, a Lei do Feminicídio constitui-se como um instrumento normativo crucial na proteção dos direitos das mulheres e na prevenção da violência de gênero, configurando-se como um avanço legislativo significativo. Contudo, ressalta-se a necessidade de acompanhamento contínuo e análises críticas sobre sua aplicabilidade e impacto, visando a efetivação dos direitos humanos das mulheres e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
4 DISCUSSÕES DOUTRINÁRIAS E DADOS ESTASTÍSCOS ACERCA DA EFICÁCIA DA LEI 13.104/2015
Como visto, a Lei nº 13.104/2015, também conhecida como Lei do Feminicídio, inseriu-se no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de qualificar o homicídio quando cometido contra mulheres por questões de gênero. Essa medida legislativa gerou uma série de debates e análises sobre sua eficácia e o impacto real na prevenção e punição da violência contra a mulher. A existência da lei tem sido fundamental para tentar desestruturar a cultura patriarcal que subjugava as mulheres, conforme apontado por Aline Gotinski (2018), proporcionando visibilidade e medidas mais rigorosas contra esse tipo de crime.
Contudo, a efetividade da Lei do Feminicídio é questionada em diversos estudos e discussões doutrinárias, que indicam que as medidas implementadas ainda são insuficientes para uma proteção eficaz das mulheres. Isso porque, conforme demonstra Juliana Magnavitta (2017), a inserção da qualificadora do feminicídio não conseguiu alterar significativamente a realidade de violência, deixando lacunas importantes no sistema de proteção e justiça.
Essa perspectiva é reforçada pelos dados estatísticos que mostram um aumento no número de feminicídios de 2022 a 2023, onde o crime atingiu o maior número de casos desde a promulgação da lei. Todavia, destaca-se que apesar do aumento do crime, também houve aumento nos registros de medidas protetivas, como indicado pelo CNJ e citado por Artur Nicoceli (2024)
A análise estatística revela que a aplicação prática da Lei enfrenta obstáculos significativos, que vão desde a infraestrutura inadequada até a falta de capacitação dos profissionais de segurança pública. Santos (2018) critica a forma como as medidas protetivas são aplicadas e sugere que a falta de recursos e treinamento adequado dos policiais contribui para a ineficácia da Lei. Souza Filho (2018) complementa essa visão ao apontar o medo da represália e a dependência financeira do agressor como barreiras que impedem muitas mulheres de denunciar os abusos, demonstrando que a Lei ainda não é suficiente para garantir a segurança necessária.
Nesse sentido, Aline Gotinski (2018, p. 17) alega:
Ainda que se apresente apenas como uma medida de punição quando ocorre o homicídio da mulher por razões de gênero, a Lei nº 13.104, de 2015, é sim uma medida eficaz ao descaracterizar uma cultura patriarcal na qual a mulher era vista como posse do homem que possuía plenos direitos de violar à sua integridade em defesa de sua honra, e dar visibilidade a um problema arraigado e que muitas vezes se encontra escondido no contexto familiar
Durante a pandemia de COVID-19, os desafios enfrentados pelas mulheres em situação de violência doméstica foram exacerbados. Segundo Chiara (2020), as denúncias de violência contra a mulher aumentaram significativamente, mostrando que os períodos de isolamento social intensificaram a vulnerabilidade das mulheres. Esse contexto urgente exige uma revisão das estratégias de proteção para adaptá-las a circunstâncias de crise, garantindo a segurança e o bem-estar das vítimas.
Adriana Ramos de Mello (2018, p.143) argumenta que para a Lei do Feminicídio ser eficaz, é necessário ir além das punições e incluir programas de educação e sensibilização. Isso envolve não apenas o público em geral, mas também os operadores do sistema de justiça, para que haja um entendimento mais profundo sobre as dinâmicas de gênero e violência. Igualmente, Vitória Lima de Paula (2022) reforçam que as medidas protetivas, apesar de serem um avanço, muitas vezes não são cumpridas, o que mostra uma falha no sistema de execução e fiscalização da Lei.
Criticando a Lei do Feminicídio, Francisco Dirceu Barros e Renee do Ó Souza (2021, p. 71 e 72) aduz:
Outro ponto em que há a demonstração da não eficácia do combate à violência é que ao invés de apenas assegurar as mulheres uma proteção à sua integridade, ela acaba por criar uma situação de insegurança jurídica para o outro lado ao atribuir penas mais gravosas em meio a características de um crime que se mostra quase impossível de ser descaracterizado.
A discussão também se estende ao tratamento dos agressores e à necessidade de abordagens que considerem a reabilitação e a prevenção. Maria Silva e Franciely Contrigiani (2020) discutem que muitas vezes o agressor não passa por um processo que realmente o impeça de reincidir no crime, o que perpetua o ciclo de violência. Eles sugerem que a implementação de medidas que abordem as causas cognitivas e comportamentais dos agressores poderia ser mais eficaz.
A ineficiência do sistema policial em lidar com esses casos é um ponto crítico, como destaca Ana Carla Santos (2020), que questiona a efetividade das forças de segurança na apuração e no cumprimento das medidas de proteção. A falta de investimentos e a obsolescência dos equipamentos também são fatores que contribuem para a continuidade da violência.
Francisco Barros e Renee Souza (2021) levantam uma questão fundamental sobre o papel do Estado e a necessidade de políticas públicas mais efetivas que não apenas punam, mas também previnam a violência de gênero. A inexistência de investimentos suficientes em programas de conscientização e prevenção é uma lacuna que permite a perpetuação de uma cultura de discriminação e violência contra as mulheres. Segundo os autores (2021, p. 77):
Considerando que o agressor geralmente vive com a vítima, ele está na mesma esfera social e familiar que ela. Nesse sistema, cabe ao legislador estabelecer um mecanismo para romper esses vínculos e manter a integridade das mulheres. No entanto, embora se tenham passado doze anos desde a promulgação da lei, é sabido que ainda existem altos níveis de não conformidade com essas medidas de proteção.
A legislação sobre Feminicídio no Brasil, aprovada em 2015, visa intensificar as penalidades para assassinatos de mulheres motivados por questões de gênero. A seguir, apresentamos algumas informações estatísticas atualizadas sobre a efetividade dessa norma. De acordo com as informações apresentadas por Nicoceli (2024):
Elevação na quantidade de ocorrências no ano de 2023, foram contabilizados em 1.463 casos de feminicídio no Brasil, representando um acréscimo de 1,6% em comparação a 2022. Desde a promulgação da legislação, cerca de 10,7 mil mulheres se tornaram vítimas de feminicídio no território nacional. Em relação à distribuição regional: A taxa de feminicídio apresenta variações entre os estados brasileiros. Em 2023, Mato Grosso registrou a maior taxa, com 2,5 mortes para cada 100 mil mulheres, seguido pelo Acre, Rondônia e Tocantins, com 2,4 mortes por 100 mil. As taxas mais baixas foram observadas no Ceará (0,9 por 100 mil), em São Paulo (1,0 por 100 mil) e no Amapá (1,1 por 100 mil). Ainda há uma certa subnotificação de casos em vários estados do Brasil. No Ceará, por exemplo, existem sinais de que a subnotificação ocorre. Em 2022, apenas 10,6% dos homicídios de mulheres foram reconhecidos como feminicídios no estado.
As informações revelam que, mesmo com a existência da legislação, a quantidade de feminicídios permanece elevada, o que sinaliza a urgência de políticas públicas mais eficientes e de uma maior sensibilização acerca da violência de gênero.
Portanto, a discussão sobre a Lei do Feminicídio ressalta a importância de uma abordagem integrada que envolva a sociedade, o sistema jurídico e o Estado. Somente através de um esforço conjunto e continuado será possível alcançar os objetivos de proteção e igualdade pretendidos pela Lei. A necessidade de revisão contínua das estratégias e leis é essencial para adaptar-se às mudanças sociais e garantir que os direitos das mulheres sejam plenamente respeitados e protegidos.
5 DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DO FEMINICÍDIO E PERSPECTIVAS FUTURAS
Apesar dos avanços legislativos, demonstrou-se anteriormente que a aplicação prática da Lei revela uma série de obstáculos que impedem a plena realização dos seus objetivos. Estes desafios são pluralizados, envolvendo aspectos sociais, jurídicos e institucionais que necessitam ser abordados de forma integrada para garantir uma proteção efetiva às mulheres.
Inicialmente, um dos maiores desafios é a falta de sensibilização e treinamento adequado das forças policiais e do judiciário. Muitas vezes, os profissionais que atuam na linha de frente no combate à violência contra a mulher não estão suficientemente preparados para lidar com as especificidades dos casos de feminicídio (Magnavita (2018). Isso resulta em uma aplicação inconsistente da Lei, onde as medidas protetivas são, em muitos casos, ineficazes ou ignoradas. A necessidade de programas de treinamento contínuo e desenvolvimento de competências específicas é crucial para mudar esse cenário.
Além disso, a falta de recursos e a infraestrutura inadequada em muitas regiões do país dificultam a execução das medidas protetivas. Em áreas rurais e cidades menores, por exemplo, a ausência de delegacias especializadas ou de centros de apoio à mulher faz com que muitas vítimas não tenham acesso aos serviços necessários (Montana, 2019). Esta carência de apoio logístico e humano impõe barreiras significativas ao cumprimento efetivo da Lei, deixando muitas mulheres em situação de vulnerabilidade.
Outra questão crítica é a resistência cultural que ainda permeia a sociedade brasileira. Apesar da Lei visar combater a violência de gênero, muitos comportamentos e atitudes machistas são profundamente enraizados e continuam influenciando negativamente a implementação da Lei (Paula, 2022). Combater essas normas culturais exige uma abordagem educacional ampla e contínua, visando modificar percepções e atitudes em relação às mulheres e à violência.
Diante desses desafios, é fundamental que haja uma maior integração entre as diversas esferas do poder público. A cooperação entre o sistema de justiça, as forças de segurança e as agências de apoio social é essencial para criar uma rede de proteção eficaz. Além disso, políticas públicas que abordem as causas raízes da violência de gênero, como a desigualdade econômica e a educação deficiente, são igualmente importantes para prevenir o feminicídio antes que ele ocorra. Assim, alega Montana (2019, p. 38):
É necessário que exista investimentos para maior capacitação dos servidores públicos em lidar com a violência de gênero. Porque, simplesmente, inúmeros casos de feminicídios podem ser evitados ao reprimir a violência intrafamiliar, com medidas educativas e a devida política pública de combate
Nessa ótica, as perspectivas futuras para a Lei do Feminicídio devem focar no fortalecimento das instituições e na ampliação das medidas de prevenção. Investimentos em tecnologia e dados para monitorar casos de violência e a eficácia das medidas protetivas podem oferecer informações para aprimorar as intervenções. Além disso, campanhas de conscientização pública e a promoção de uma cultura de respeito e igualdade são fundamentais para alterar o cenário atual.
Uma visão promissora também envolve a maior participação da sociedade civil no monitoramento e na exigência do cumprimento da Lei. Organizações não governamentais e movimentos sociais podem desempenhar um papel crucial na pressão por mudanças legislativas e na prestação de serviços de apoio às vítimas de violência. Essa colaboração pode fomentar uma mudança mais abrangente e efetiva.
Em termos de legislação, a revisão periódica desta Lei para garantir que ela acompanhe as mudanças sociais e as novas realidades das mulheres é imprescindível. Ajustes na Lei podem ser necessários para abordar lacunas existentes e adaptar-se a novos desafios que surgem com a evolução da sociedade.
Finalmente, a educação continua sendo uma ferramenta poderosa na luta contra o feminicídio. Programas educacionais que começam desde a infância e continuam ao longo da vida podem preparar futuras gerações para relações mais saudáveis e respeitosas entre os gêneros. A educação pode não apenas prevenir a violência futura, mas também empoderar mulheres e meninas, garantindo que elas tenham conhecimento e recursos para se proteger.
Portanto, enquanto a Lei do Feminicídio representa um marco importante na legislação brasileira, sua implementação efetiva requer uma abordagem holística e multifacetada. Enfrentar os desafios existentes e explorar novas perspectivas é fundamental para garantir que a Lei não seja apenas um instrumento legal, mas uma ferramenta real de mudança e proteção para as mulheres brasileiras.
6 CONCLUSÃO
Considerando todas as informações abordadas no presente estudo, é evidente que a Lei nº 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, constitui um avanço significativo na legislação brasileira com o objetivo de combater a violência de gênero. Esta legislação representou um marco ao classificar o feminicídio como crime hediondo, ampliando assim a gravidade das penalidades para os crimes de assassinato de mulheres baseados em questões de gênero. Contudo, a análise crítica da implementação e eficácia desta Lei revela que, apesar de suas boas intenções, existem lacunas significativas que comprometem sua capacidade de proteger efetivamente as mulheres brasileiras.
A aplicação prática da Lei do Feminicídio tem enfrentado desafios críticos, principalmente relacionados à sensibilização e ao treinamento das forças policiais e do judiciário, que muitas vezes não estão adequadamente preparados para lidar com as especificidades dos casos de feminicídio. Esta deficiência na formação dos profissionais responsáveis pela aplicação da Lei resulta em uma aplicação inconsistente das medidas protetivas, que em muitos casos são ineficazes ou simplesmente ignoradas.
Além disso, a infraestrutura inadequada em várias regiões do país dificulta ainda mais a execução efetiva da Lei. A ausência de delegacias especializadas e de centros de apoio à mulher em áreas rurais e cidades menores é um obstáculo significativo que impede o acesso das vítimas aos serviços necessários para a sua proteção. A resistência cultural e os preconceitos enraizados na sociedade também continuam a ser uma barreira significativa, perpetuando atitudes e normas que minam os esforços de combate à violência contra as mulheres.
A integração entre diferentes esferas do poder público e a implementação de políticas públicas que abordem as causas raízes da violência de gênero são essenciais para o sucesso da Lei do Feminicídio. Isso inclui não apenas medidas de repressão, mas também iniciativas de educação e sensibilização que visam mudar percepções e comportamentos que contribuem para a violência contra a mulher.
Investimentos em tecnologia e sistemas de dados que permitam monitorar casos de violência de gênero e a eficácia das intervenções legais são também fundamentais para aprimorar as respostas legais e sociais. A colaboração com organizações não governamentais e movimentos sociais é crucial para pressionar por mudanças legislativas necessárias e para fornecer suporte adequado às vítimas de violência.
A educação emerge como um dos pilares mais importante na luta contra o feminicídio. Programas educacionais desde a infância até a vida adulta são cruciais para preparar gerações futuras para relações mais equitativas e respeitosas entre os gêneros, promovendo uma mudança cultural duradoura que pode prevenir a violência de gênero antes que ela ocorra.
Em suma, observa-se que a Lei do Feminicídio tem tido um impacto positivo na sensibilização para a gravidade da violência de gênero e tem contribuído para o endurecimento das penalidades para crimes de feminicídio. No entanto, sua eficácia na prevenção e no combate efetivo ao feminicídio é limitada pelas falhas na implementação e nas deficiências estruturais e culturais ainda presentes na sociedade brasileira.
Portanto, conclui-se que a Lei do Feminicídio é uma ferramenta legal crucial que simboliza um avanço na legislação brasileira contra a violência de gênero. Mas para que se torne verdadeiramente eficaz, é necessário um compromisso contínuo e integrado de todas as partes da sociedade, incluindo o governo, o sistema de justiça, organizações sociais e a população em geral, no sentido de reforçar a implementação da Lei, fechar lacunas existentes e, principalmente, trabalhar para mudar a cultura que permite que a violência contra as mulheres persista.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor orientador. Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Brasil. Especialista em Direito Penal e Processo Penal com Capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Dados - Estudos Jurídicos da 63ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo. Professor universitário. E-mail: gustavo.baldan@hotmail.com.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BISPO, Valdeir Britto. Feminicídio: a eficácia da Lei n.º 13.104/2015 no combate à violência de gênero Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66825/feminicdio-a-eficcia-da-lei-n-13-104-2015-no-combate-violncia-de-gnero. Acesso em: 10 dez 2024.
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