A Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, instituiu o novo sistema tributário nacional centrado no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e na Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), redesenhando a estrutura fiscal aplicável a diversos setores da economia. Dentre os regimes específicos disciplinados, destaca-se aquele relativo à Sociedade Anônima do Futebol (SAF), estabelecido no Capítulo VIII da referida lei, que criou o Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). O presente artigo examina, de modo minucioso e holístico, as normas tributárias aplicáveis à SAF à luz do novo ordenamento, articulando os dispositivos legais com seus efeitos práticos.
O art. 292 da LCP 214/25 inaugura o regime ao determinar que as operações com bens e serviços realizadas por SAF estão submetidas a um regime específico de incidência do IBS e da CBS, conforme as normas do capítulo correspondente. Para efeitos legais, considera-se SAF a companhia cuja atividade preponderante seja a prática de futebol, em competição profissional, nos ramos masculino e feminino, sujeita à legislação específica, notadamente a Lei nº 14.193/2021.
O art. 293 é o alicerce do regime, instituindo o TEF como modelo obrigatório para as SAFs. O referido regime consiste no recolhimento mensal unificado de tributos, mediante apuração pelo regime de caixa, abrangendo cinco tributos: IRPJ, CSLL, contribuições previdenciárias previstas nos incisos I, II e III do caput e no § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212/1991, CBS e IBS. Nota-se, portanto, a integração de tributos diretos e indiretos sob uma mesma base de apuração.
Importante salientar que o TEF não afasta a exigência de outros tributos federais, estaduais, distritais ou municipais a que a SAF esteja sujeita, enquanto contribuinte ou responsável, permanecendo, nesses casos, o regime tributário aplicável às demais pessoas jurídicas. Assim, o TEF não configura um regime especial completo, mas sim um regime híbrido e seletivo quanto aos tributos abrangidos.
A base de cálculo do TEF corresponde à totalidade das receitas recebidas pela SAF no mês, independentemente de sua natureza, incluindo valores advindos de programas de sócio-torcedor, prêmios, cessão de direitos desportivos e de imagem, bem como transferências de atletas para outras entidades desportivas, inclusive em casos de retorno à atividade esportiva por meio de nova transferência.
O pagamento unificado dos tributos abrangidos no TEF deve observar alíquotas fixadas no § 4º do art. 293: 4% para IRPJ, CSLL e contribuições previdenciárias somados, 1,5% para CBS e 3% para IBS, este último dividido em partes iguais entre o ente estadual e o municipal. Além disso, a norma estabelece critérios objetivos para a partilha do valor recolhido entre os tributos federais unificados, destinando 43,5% ao IRPJ, 18,6% à CSLL e 37,9% às contribuições previdenciárias, conforme regulamentação do Ministério da Fazenda.
No tocante à não cumulatividade, a LCP 214/25 impõe limites estritos. A SAF só pode apropriar créditos de IBS e CBS quando adquire direitos desportivos de atletas, e unicamente pela mesma alíquota incidente nas operações. Essa vedação se estende aos adquirentes de bens e serviços fornecidos pela SAF, que não poderão apropriar créditos de IBS e CBS, salvo quando também estiver em pauta a aquisição de direitos desportivos de atletas.
A lei também disciplina de modo detalhado o período de transição. Entre 2027 e 2032, as alíquotas de CBS e IBS serão reduzidas gradualmente. A CBS terá alíquota de 1,4% em 2027 e 2028, retomando 1,5% a partir de 2029. O IBS seguirá escala progressiva: 0,1% em 2027-2028; 0,3% em 2029; 0,6% em 2030; 0,9% em 2031; e 1,2% em 2032, alcançando 3% a partir de 2033. A forma de repartição entre estado e município manterá, durante a transição, a divisão igualitária já prevista.
Outro aspecto relevante diz respeito à importação de direitos desportivos de atletas. Tais operações serão tributadas por IBS e CBS, com alíquotas idênticas àquelas incidentes sobre operações internas. Para tanto, aplicam-se as normas sobre importação de bens imateriais e serviços, constantes da Seção II do Capítulo IV do Título I da LCP 214/25.
Por outro lado, a cessão de direitos desportivos de atletas a residentes no exterior, para atuação predominantemente no exterior, será considerada exportação, sendo imune ao IBS e à CBS. Consequentemente, na apuração do TEF, excluem-se da alíquota de pagamento unificado os percentuais correspondentes ao IBS e à CBS, permanecendo apenas o recolhimento relativo aos tributos federais unificados.
Finalmente, a operacionalização do recolhimento do IBS e da CBS no âmbito do TEF será objeto de regulamentação conjunta entre a Receita Federal do Brasil e o Comitê Gestor do IBS, conforme autoriza o § 8º do art. 293.
Em suma, o TEF representa uma tentativa de simplificação e de adaptação da tributação às especificidades do setor esportivo profissional, oferecendo previsibilidade e sistematização no recolhimento de tributos. Contudo, a sua aplicação exige rigorosa observação dos limites legais, notadamente quanto à base de cálculo abrangente, à vedação ampla de créditos fiscais e à interação com operações internacionais. O regime desenhado pela LCP 214/25 sinaliza uma nova etapa na tributária do futebol nacional, impondo às SAFs o desafio de conjugar planejamento fiscal e conformidade legal com a dinâmica específica do esporte profissional.
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