A edição da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, marca um ponto de inflexão na história tributária nacional ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que, juntos, substituem diversos tributos sobre o consumo, dentre os quais o ICMS, ISS, PIS e COFINS. A nova legislação tem como um de seus pilares a neutralidade, buscando evitar distorções nas decisões econômicas, e introduz regras específicas para a tributação de segmentos emergentes da economia, como os ativos digitais, também denominados "ativos virtuais". Este artigo examina, de forma abrangente e analítica, o tratamento tributário conferido a tais ativos, com base estrita nos dispositivos da LC 214/2025.
Inicialmente, é preciso delinear o conceito legal de ativo virtual, tal como referenciado pela LC 214/2025. Nos termos do art. 229, § 1º, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para pagamentos ou investimentos, conforme define a Lei nº 14.478/2022. Com efeito, ativos virtuais abrangem, por exemplo, criptomoedas, tokens e outros ativos digitais, desde que não qualificados como valores mobiliários.
A LC 214/2025 confere aos serviços relacionados a ativos virtuais um regime tributário específico, no âmbito dos serviços financeiros, estando tais serviços incluídos no rol do art. 182, inciso XVI. Esta previsão remete diretamente ao capítulo que rege os serviços financeiros, em particular os arts. 228 a 230, os quais disciplinam a incidência, base de cálculo e direito ao crédito tributário.
O art. 229 estatui, com clareza, que os serviços de ativos virtuais estão sujeitos ao IBS e à CBS, sendo a base de cálculo o valor da prestação do serviço. Esta regra reveste-se de relevância prática, pois afasta incertezas acerca da incidência tributária sobre tais serviços, especialmente considerando a ausência de disciplina específica nas legislações pretéritas, como o antigo ISS, cuja competência, por sua vez, está sendo progressivamente substituída pelo novo IBS.
A legislação, contudo, estabelece uma relevante distinção: os ativos virtuais que se enquadrarem na definição de valores mobiliários, nos termos da legislação específica, não se submetem ao regime tributário de serviços de ativos virtuais previsto no art. 229, mas sim ao regime aplicável às operações com títulos e valores mobiliários, reguladas pela Seção III do Capítulo II do Título V do Livro I. Este dispositivo assegura a coerência sistêmica do ordenamento, respeitando os regimes próprios de tributação financeira.
Outro ponto fundamental diz respeito à aquisição de bens ou serviços mediante a utilização de ativos virtuais. O § 2º do art. 229 estabelece que tais transações serão tributadas conforme as regras gerais de incidência do IBS e da CBS ou, se for o caso, conforme os regimes específicos aplicáveis aos bens ou serviços adquiridos. Trata-se de norma de integração, que impede a bitributação e assegura tratamento equânime em relação a outros meios de pagamento, em consonância com o princípio da neutralidade tributária.
Ademais, o art. 230 prevê expressamente o direito ao crédito de IBS e CBS, pelos contribuintes sujeitos ao regime regular, relativamente à aquisição de serviços de ativos virtuais, com base no valor pago pela prestação. Essa previsão é de suma importância para a manutenção da não cumulatividade, pilar essencial do novo sistema tributário do consumo.
Cabe destacar que a LC 214/2025 adota uma abordagem moderna e abrangente, buscando disciplinar a incidência tributária sobre atividades digitais sob a ótica econômica, além dos aspectos formais. Ao definir a base de cálculo como o valor da prestação, a norma afasta eventuais controvérsias relativas à mensuração do valor tributável em um mercado caracterizado pela volatilidade e pela diversidade de modelos de negócio.
Em um panorama mais amplo, observa-se que a disciplina dos ativos virtuais reflete uma tendência internacional de incorporação das novas tecnologias ao sistema fiscal, mitigando lacunas que historicamente fomentaram a insegurança jurídica e a evasão. A LC 214/2025, ao tratar de forma específica os serviços de ativos virtuais, oferece à iniciativa privada um quadro regulatório mais claro, estimulando a conformidade e a integração desses serviços à economia formal.
Em conclusão, a tributação dos ativos virtuais sob a égide da LC 214/2025 revela-se tecnicamente sofisticada e alinhada à dinâmica da economia digital. Ao conferir tratamento específico aos serviços correlatos, garantir o direito ao crédito e evitar sobreposições com regimes próprios de valores mobiliários, a legislação busca assegurar segurança jurídica e efetividade arrecadatória. Em última análise, o novo regime de tributação de ativos virtuais se insere no escopo mais amplo de modernização e racionalização do sistema tributário nacional, com vistas à eficiência econômica e à justiça fiscal.
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