Vivemos num Estado Democrático de Direito que é fruto de longas transformações sociais e importantes conquistas no que tange aos direitos fundamentais do ser humano. Em consequência, nosso objetivo não é ultrajar a presunção da inocência, o devido processo legal e todos os princípios constitucionais que tem direito este cidadão chamado Marcos Pereira da Silva, pastor e líder de uma da muitas igrejas protestantes que nascem como capim no Brasil. O religioso, nos últimos dias, tem sido alvo de investigações por ter, supostamente, abusado sexualmente de seis fiéis da “Assembleia de Deus dos Últimos Dias”, igreja da qual é um dos fundadores.
Em decorrência disso, é preciso acender o sinal de alerta e aproveitar o momento para fazer algumas considerações e análises a respeito do cenário preocupante de igrejas e mais igrejas sendo inventadas diariamente sem fiscalização nenhuma por parte do Estado. Sempre com a mesma desculpa da “livre manifestação religiosa” onde alguns lobos transvestidos de cordeiros encontram brechas numa seara alastradas de gente, na sua grande maioria, sofrida, alienada e desesperada para enriquecer ilicitamente, cometer abusos sexuais e proliferar apologias à intolerância sexual, religiosa e racial.
O que observamos é um Estado inerte e sem políticas concretas para lidar com esta famigerada multiplicação de novas denominações religiosas que mais se assemelham à megaempresas. Seus lideres, descaradamente e aos olhos de todos, constroem verdadeiros impérios com as fortunas advindas deste eldorado. Sempre com o mesmo “modus operandi” dos discursos incutidos de coação moral quase que irresistível de “lugar no inferno ou no céu”.
Além disso, urge-nos observar a realidade de um país que vive calejando em uma economia que cresce a passos lentos; com uma população cada vez mais sofrida pelos martírios dos tributos e juros exorbitantes. Hoje, temos mais de 16 milhões de pessoas vivendo na extrema pobreza, em detrimento a ostentação de riqueza com a aquisição dos melhores horários nas maiores emissoras, compras de veículos de comunicação, de jatinhos, de helicópteros, de fazendas, contas abundantes nos paraísos fiscais e outras “bênçãos e mais bênçãos” que jorram em seus cofres.
As boas novas, ou melhor, a avacalhação dá-se com a proibição de forma veemente à incidência de impostos sobre as atividades financeiras desses conglomerados religiosos. É o que depreendemos da leitura do art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal, que trata das limitações do poder de tributar, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios...
VI - instituir impostos sobre...
b) templos de qualquer culto;
Hodiernamente, segundo dados do IBGE, estima-se que temos 42,3 milhões de fiéis abastecendo essas igrejas no Brasil. Em face disso, em 2011, cerca de R$ 40 milhões foram doados por essas “ovelhas” diariamente. Soma-se mais de R$ 14 bilhões durante todo esse ano em ofertas, dízimos e outras “doações”. Fortunas e riquezas livres de dedução de impostos para serem usadas e investidas ao bel-prazer desses líderes.
Ainda, tratando sobre esses dados, são nas regiões Norte e Nordeste que a gênese de novas igrejas se dá mais acentuadamente, promovendo ainda mais riquezas para seus fundadores. Ressalta-se serem essas regiões as mais pobres do país. Outro dado importante é o que afirmar, com relação aos frequentadores dessas igrejas, que 6,25 % desses fiéis não têm formação escolar e mais de 42% não têm nem o ensino fundamental completo. Uma seara perfeita para essas “raposas” alienar e incutir suas doutrinas
Prosseguindo com a pesquisa, a Instituto concluiu que entre os anos de 2006 e 2011, a arrecadação dessas igrejas no Brasil foi em média superior a 11%. Muito acima do atual dados da economia do país, que no primeiro trimestre de 2013 registrou um crescimento de apenas 0,6%. Salienta-se que no Nordeste, uma região duramente castigada pelo sol e pelo esquecimento do poder público, registrou-se o maior crescimento dos valores arrecadados nos últimos cinco anos, com um aumento de 35,3%.
Vale salientar o preconiza nossa Constituição em seu artigo 19, inciso I, ao proibir qualquer forma de vinculação entre o Poder Público e essas organizações religiosas. No entanto, não se deve confundir com o dever legal e constitucional que o Estado tem de fiscalizar essas atividades e de criar instrumentos para que esses líderes apresentem sua contabilidade fiscal à Receita Federal e que demonstrem de que forma são aplicados esses bilhões de reais ganhos em dízimos, ofertas e doações.
Queremos que seja garantido o respeito à liberdade religiosa sem esquecer-se de outro princípio constitucional, qual seja o da igualdade tributária, que aduz que não se deve dispensar tratamento diferenciado nas cobranças de tributos de forma desiguais entre os contribuintes que se encontram em igualdade jurídica, tutelado também pela Constituição Federal em seu art. 150, II, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Logo, em face desse entendimento, não deveria haver isenção de impostos visto que este se confronta com o princípio da Isonomia Tributária, ao norte exposto. No entanto, diferente disso, o que observamos são privilégios que têm essas igrejas que, por vezes, são usadas como fachada por empresários-pastores que se beneficiam da garantia de não terem seus impostos deduzidos para engendrar seus impérios, colocando suas fortunas nas contas bancárias das suas igrejas.
O intuito do presente estudo não é disseminar a discriminação religiosa e, nem tão pouco, a intolerância de quem professa sua fé. Sabemos que existem muitos líderes honestos e comprometidos com sua missão de evangelizar e que pautam suas atividades com lisura e postura ilibada. Defendemos apenas que o Estado não pode deixar de fiscalizar essa “farra” em seu quintal, permitindo que malfeitores se beneficiem da religião para cometerem abusos e crimes.
É sabido que a Carta Magna tutela como um direito fundamental de todos os cidadãos a liberdade de escolher sua religião sem impor especificamente nenhuma, tanto que corroborando com esse entendimento consagra que somos um Estado laico. No entanto, essa liberdade está sendo confundida com arbitrariedade, desrespeito e irresponsabilidade. O Estado precisa garantir o livre exercício de todas as igrejas, mas também encontrar meios de fiscalizar, controlar e coibir os ilícitos praticados por alguns corruptos que mancham o trabalho de líderes protestantes honestos que são comprometidos com a causa religiosa e, principalmente, com o valioso legado deixado por Jesus de Nazaré, um homem humilde que nasceu em um estábulo e não nos palácios. Que se orgulhava da simplicidade e nunca ostentou riquezas. E que não tinha nem onde reclinar sua cabeça.
FONTES CONSULTADAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 27 mai. 2013.
FOREQUE, Flávia. Igrejas arrecadam R$ 20 bilhões no Brasil em um ano. FolhaS.Paulo. Brasília, 27jan. 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1221000-igrejas-arrecadam-r-20-bilhoes-no-brasil-em-um-ano.shtml> Acesso em: 28 mai. 2013
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