MAURÍCIO DE CARVALHO SALVIANO[1]
(orientador)
RESUMO: O Ativismo Judicial tem se disseminado como um fenômeno acerca dos debates que envolvem as tomadas de decisões dos Tribunais Superiores, principalmente do Supremo Tribunal Federal, no que se refere à hermenêutica jurídica, a proatividade dos magistrados, bem como as consequências dessa prática, que levam a críticas sobre a interferência do Poder Judiciário nos poderes Executivo e Legislativo, causando assim, um equivocado desequilíbrio entre eles. Diante disso, o objetivo deste trabalho é promover reflexões acerca da evolução do Ativismo Judicial, por meio de um conhecimento histórico e social, sua atuação e limites, além de estudar sua origem e expansão ao longo do tempo, analisando-se casos concretos, posições favoráveis e contrárias a essa prática que se tornou tão presente na sociedade contemporânea. Assim, no desenvolvimento desta pesquisa, foi utilizado o método dedutivo, adotando como procedimento a pesquisa bibliográfica, por meio de livros, artigos e páginas de web sites sobre os diversos pontos de vista envolvendo a temática abordada. Ao final, sugere-se que os Três Poderes mantenham um constante diálogo acerca da interpretação constitucional para que a postura e a atuação de cada um sejam equilibradas diante dos casos concretos e que, de fato, haja uma cooperação dentro dos limites que envolvem o papel de cada instituição.
PALAVRAS-CHAVE: Ativismo Judicial. Supremo Tribunal Federal. Três Poderes. Constituição.
ABSTRACT: Judicial Activism has spread as a phenomenon regarding the debates that involve the decision-making of the Superior Courts, mainly the Federal Supreme Court, with regard to legal hermeneutics, the proactivity of magistrates, as well as the consequences of this practice, which lead to to criticisms about the interference of the Judiciary in the Executive and Legislative powers, thus causing a mistaken imbalance between them. In view of this, the objective of this work is to promote reflections on the evolution of Judicial Activism, through historical and social knowledge, its performance and limits, in addition to studying its origin and expansion over time, analyzing concrete cases, positions for and against this practice that has become so present in contemporary society. Thus, in the development of this research, the deductive method was used, adopting bibliographical research as a procedure, through books, articles and website pages on the different points of view involving the topic addressed. In the end, it is suggested that the Three Powers maintain a constant dialogue about constitutional interpretation so that the stance and actions of each one are balanced in the face of specific cases and that, in fact, there is cooperation within the limits that involve the actions of each institution.
KEYWORDS: Judicial Activism. Federal Supreme Court. Three Powers. Constitution.
1 INTRODUÇÃO
Indubitavelmente, o Ativismo Judicial está ligado a fatores históricos. Ao longo do tempo, nota-se sua ascensão e manifestação de forma marcante no âmbito do Direito Constitucional, visando a concretização dos direitos fundamentais e sociais, assegurados pela Carta Magna.
Assim, inicialmente, é necessário fazer uma análise geral sobre o conceito da expressão “Ativismo Judicial”, bem como sua atuação na tomada de decisões que envolvem julgamentos de temas conflituosos que circundam a sociedade, inclusive políticos, econômicos e sociais. Nesta seara, observa-se que o Poder Judiciário assume papel protagonista, com destaque cada vez mais evidente, uma vez que em diversos entendimentos, acaba por ditar as regras e os rumos da sociedade brasileira.
Outrossim, questiona-se, corriqueiramente, se ao zelar pelo cumprimento dos valores constitucionais, os magistrados, os desembargadores, os ministros e principalmente o Supremo Tribunal Federal intitulado como “o guardião da Constituição”, não estariam utilizando a prática ativista como uma ferramenta para legislar, ultrapassando os limites do Poder Legislativo e do Executivo.
Diante disso, é sabido que os magistrados e órgãos caracterizados como tribunais constitucionais estão exercendo, cada vez mais, um papel ativo na verificação da elaboração das leis, bem como na sua execução, de forma a assegurar a sua conformidade com os princípios constitucionais. Isso se deve, dentre outros fatores, à falta de norma para regulamentar alguns casos, e até mesmo à ineficácia dos poderes Legislativo e Executivo, que muitas vezes se eximem de suas competências, deixando espaço para a expansão das decisões pelo Judiciário.
Por essa razão, a problemática que envolve este trabalho está ligada às controversas que delimitam o tema abordado, seus pontos positivos e negativos, uma vez que de um lado, interpreta-se como positivo a prática dos magistrados de forma atuante para garantir os direitos fundamentais dos indivíduos, enquanto de outro, tem-se a ideia de que essa prática pode ferir o Estado democrático de direito, bem como estremecer a separação dos três poderes que regem o Brasil, causando um desequilíbrio entre si.
Ademais, o objetivo deste trabalho é levar a uma discussão sobre as ações protagonistas dos juízes, no âmbito judiciário, analisar casos concretos decididos por práticas ativistas, bem como conduzir a uma reflexão sobre as maneiras de decidirem sobre temas que extrapolem a Constituição sem ultrapassar os limites de cada esfera de poder, priorizando a resolução pacífica dos conflitos, dialogando e colaborando entre si para o bem comum da sociedade.
Desta forma, no desenvolvimento desta pesquisa foi utilizado o método dedutivo, amparado em pesquisas bibliográficas doutrinárias, livros, artigos científicos publicados em revistas e sites da internet relacionando ideias diversas e complementares que solidificaram a compreensão da temática elucidada.
2 CONHECIMENTO HISTÓRICO E SOCIAL DO ATIVISMO JUDUCIAL
Muito se discute sobre a legitimidade da atuação do Poder Judiciário na interpretação de temas que violem os princípios constitucionais, seja diante de temas que não constem no texto da Carta Magna, ou questões que possam gerar diversas interpretações.
Diante disso, é de suma importância o estudo acerca das transformações sociais, suas necessidades e adaptações jurídicas, bem como a busca pela resolução de conflitos, de forma a garantir o bem comum. Nesse sentido, analisar a atuação protagonista do Poder Judiciário, nas tomadas de decisões, é fundamental, pois é através da efetivação das leis que regem o nosso país que os direitos dos cidadãos são assegurados.
Assim, o Ativismo Judicial tem se apresentado como um fenômeno jurídico, uma vez que demonstra uma atuação proativa do Poder Judiciário, pois é notório sua manifestação ativa e expansiva nas tomadas de decisões na sociedade contemporânea. Todavia, é questionável se essas ações estão interferindo em demasia nas decisões e ações dos Poderes Executivo e Legislativo, modificando leis, criando novos direitos, que podem ocasionar em uma insegurança jurídica. Por outro lado, afirma-se que a prática do ativismo judicial é uma ferramenta a mais para a efetivação dos direitos assegurados pela Constituição Federal.
Faz-se necessário, então, um entendimento histórico sobre a origem desse termo que se encontra tão presente nas ações jurisdicionais atuais, abrangendo questões e conceitos políticos, sociais e principiológicos.
Segundo Luiz Flávio Gomes (2009), a expressão Ativismo Judicial, foi pronunciada em meados de 1947, pelo historiador norte-americano Arthur Schlesinger, ao realizar uma reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos. Na ocasião, o jornalista mencionou que a prática ativista efetuada por um magistrado se dá quando se faz necessário garantir direitos amparados pela Constituição Federal. Trata-se, portanto, de um dever dos magistrados para que haja a efetivação dos direitos sociais, econômicos, individuais, ou coletivos, por exemplo.
Hodiernamente, tem-se observado que a proatividade do Judiciário está bastante acentuada, principalmente no que se refere às questões políticas, sociais e econômicas. A sociedade tem vivenciado diversos casos em que os juízes, principalmente os da segunda instância, ditam regras, criando direitos e consequentemente definindo os rumos da sociedade, baseando-se em uma hermenêutica jurídica que, deveras, ultrapassa os limites estabelecidos para a autonomia dos três Poderes que regem o Brasil.
Ademais, existem muitas críticas com relação a essa nova realidade de atuação tão expansiva dos juízes, pois questiona-se as consequências resultantes dessa prática, como, por exemplo: a insegurança jurídica, a legitimidade democrática, os riscos de politização da justiça e o desequilíbrio entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Nesta seara, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso (2012) define historicamente a expressão do ativismo judicial como uma forma de expansão do Poder Judiciário, a saber:
Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (...) Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
Destaca-se que a forma expansiva e ativista de juízes e tribunais na vida institucional brasileira, é demonstrada por uma postura interpretativa da Constituição, incluindo condutas como a aplicação direta da norma em situações que não são contempladas expressamente no texto constitucional, bem como a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emitidos pelo legislador. Além disso, enquadra-se nas atuações e tomadas de decisões pelo Poder Judiciário em situações em que há abstenção ou condutas omissivas ao Poder Público, no que se refere às políticas públicas.
Sabe-se que existem dois tipos principais de métodos de justiça usados em todas as nações do mundo que são o Commow Law e o Civil Law. O primeiro tem, origem anglo-americana e refere-se, basicamente a uma família jurídica pautada na tradição, nos costumes e na jurisprudência. Já o segundo, estabelece um conjunto de leis, tendo origem romano-germânica. Trata-se, em síntese, de um conjunto codificado de leis, regulamentos e regras que direcionam as relações civis entre os indivíduos.
Cabe dizer que, o sistema Commow Law, é pautado nas seguintes características, a saber: flexibilidade e adaptabilidade, precedência legal, procedimento contraditório, discricionariedade judicial, interpretação judicial, desenvolvimento da jurisprudência e precedente e Stare Decisis, que significa “manter-se firme nos casos decididos”, um princípio que dá ênfase às decisões dos tribunais superiores como uma autoridade acerca dos tribunais inferiores, quando fazem parte de uma mesma jurisdição.
Desta forma, cabe ressaltar alguns aspectos que caracterizam essa corrente pode ser: os códigos jurídicos, tendo como base da lei civil o Código Civil, estipulando regras gerais; as leis codificadas; os precedentes; o procedimento inquisitorial; a ênfase na lei escrita; juízes de Direito Civil e a segurança jurídica.
Ocorre que, embora exista no ordenamento jurídico brasileiro aspectos do sistema Commow Law, o modelo utilizado no país é o Civil Law, que está ligado a lei romana e ao Código Napoleônico. Todavia, existe atualmente uma linha tênue entre esses dois sistemas, pois os juízes adquiriram um crescente prestígio nas tomadas de decisões, descaracterizando a função típica do Poder Judiciário e ingressando na esfera Legislativa. Assim, atualmente, os dois sistemas passam a coabitar no ordenamento jurídico brasileiro, decorrendo em uma transformação do papel do juiz do Civil Law.
[...] mais importante que convencer a respeito da criação judicial do direito é evidenciar que o juiz do civil law passou a exercer papel que, em um só tempo, é inconcebível diante dos princípios clássicos do civil law e tão criativo quanto o do seu colega do common law. O juiz que controla a constitucionalidade da lei obviamente não é submetido à lei. O seu papel, como é evidente, nega a ideia de supremacia do Legislativo. (MARINONI, 2009, p. 39).
Desta forma, percebe-se que o Ativismo Judicial tem se expandido na medida em que tem se presenciado cada vez mais falhas nas condutas ética e política dos poderes Legislativo e Executivo, desencadeando uma crise de representatividade por meio da falta de confiabilidade, o que consequentemente ocasiona em um desprestígio popular. Contudo, a atitude ativista dos magistrados não pode ter carta branca para inovar a lei demasiadamente, criando direitos e interferindo nos demais poderes de forma incisiva.
Diante disso, há diversas análises sobre o fenômeno ativista no Brasil, indagando-se qual foi o fator principal para a sua disseminação de forma tão atuante por parte do Poder Judiciário, sobretudo em julgados feitos pelo Supremo Tribunal Federal, o “Guardião da Constituição. ” Nesta seara, muitos doutrinadores brasileiros defendem que a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o marco principal para que essa prática se tornasse cada vez mais recorrente no país, dando maior liberdade para o Poder Judiciário tornar-se um protagonista nas decisões que envolvem, principalmente, o cenário político, social e econômico da sociedade.
Destarte, é preciso ressaltar o princípio da separação dos Três Poderes, base da organização do governo nas democracias ocidentais, para que não haja um retrocesso à época do absolutismo, nem tampouco à concentração do poder. Faz-se necessário refletir sobre a essência dessa divisão de poderes, idealizada por Montesquieu, em sua obra O espírito das leis, em que a distribuição do poder deve ser feita entre os órgãos estatais, que por sua vez devem ser independentes, dotados de autonomia e harmônicos entre si.
3 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS TRÊS PODERES E O MECANISMO DE FREIOS E CONTRAPESOS
A separação dos três poderes, que abrangem o Legislativo, Executivo e Judiciário teve origem, primeiramente, com diversos autores, historicamente conhecidos pela idealização de uma corrente Tripartite, que separava o governo em três esferas. Em sua obra “A Política”, Aristóteles consagrou-se como pioneiro ao delimitar o Poder Deliberativo, Executivo e Judiciário, como três esferas de decisões por parte do Estado.
Logo mais, surgiu a obra “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”, de John Locke, que semelhantemente dividiu os poderes do Estado em três ramos, a saber: o Legislativo, responsável por formular as leis; o Executivo, que teria a finalidade de aplicar as leis elaboradas pelo Legislativo e o Federativo, que era responsável por resolver questões de ordem externa do Estado, ou seja, de ordem internacional envolvendo aliança e governança, não podendo, portanto, se desvincular do Executivo. Para o autor, o Poder Legislativo era considerado como superior aos demais.
Todavia, o modelo adotado e aceito na atualidade, foi preconizado por Montesquieu, com a tripartição dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário. Segundo o autor, é de suma importância a separação dos poderes, pois, “todo homem que detém o poder tende a abusar dele. ” Sua ideia era implantar uma forma de descentralizar o poder, para que assim, abusos fossem evitados.
Ademais, a essência desse pensamento, se concretiza uma vez que, com a separação dos poderes, um pode controlar o outro, através do mecanismo de freios e contrapesos, que assegura a independência e harmonia entre eles, pois nenhum deve se sobressair ao outro, podendo, desta forma, garantir e estabelecer um sistema de equilíbrio, bem como o exercício da democracia.
Isso ocorre na medida em que o Poder Legislativo é competente para julgar e processar o Poder Executivo (Presidente e Vice-Presidente), promovendo até um processo de impeachment, se necessário. Outro exemplo de contrapeso é do Poder Judiciário no que se refere ao Legislativo, presente no Art. 53, § 1º, da Constituição Federal, que diz “os deputados e senadores desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. Além disso, pode-se citar um controle do Poder Executivo ao Legislativo, com a adoção de Medidas Provisórias, com força de lei, nos termos do Art. 62 da Constituição Federal, que diz: “Em caso de relevância urgência, o Presidente da República poderá adotar Medidas Provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. ”
Assim, pode-se dizer que Montesquieu marcou efetivamente a ideia de uma divisão funcional do Poder, mediante uma visão política da sociedade, pois articulou em sua tese a necessidade de que os Poderes caminhassem em conciliação, e que para garantir os direitos individuais dos cidadãos, não poderia haver prevalência de um sobre o outro, mesmo diante da exclusividade da função de cada um deles.
[...] três ideias são inerentes à concepção da separação dos poderes tal qual a exprime Montesquieu. São elas: 1) no Estado, três funções são essenciais – a de dar a lei, a exercer a governança dentro da lei, mormente executando a lei, e a de julgar a conduta dos indivíduos e os litígios em geral, segundo a lei e de modo objetivo e imparcial. Ou seja, a legiferação, a administração e a jurisdição – distinção de funções; 2) estas funções não devem estar nas mãos de um só órgão ou poder, mas devem estar distribuídas entre ao menos três Poderes diferentes – divisão de funções; 3) Estes Poderes devem estar em condições de independência (e relativo) equilíbrio, para que cada Poder possa deter, se preciso for, outro ou outros Poderes – são os freios e contrapesos – a “balance of power” dos doutrinadores anglófonos. (FILHO, 2015, p. 69).
Basicamente, os Três Poderes possuem funções distintas e especializadas, porém complementares entre si. O estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, deve ter como finalidade a atuação de cada poder na sua esfera, impedindo o abuso dos outros, zelando assim, pela liberdade individual.
Desta forma, um estudo discreto sobre as atribuições de cada esfera de poder, de acordo com suas especificidades, clareia o entendimento acerca de suas limitações. Assim, tem-se como responsabilidade do Poder Executivo a execução das leis, observando as normas vigentes do país, além de propor planos de ação e administrar os interesses públicos. Enquadra-se no âmbito federal o Presidente da República, bem como os ministros por ele indicados. Além do mais, deve haver um diálogo direto com o Poder Legislativo, sancionando ou rejeitando uma lei aprovada pelo Congresso Nacional.
Já o Poder Legislativo, deve concentrar-se em elaborar e aprovar as leis, além de fiscalizar sua execução pelo Poder Executivo. Enquadra-se no âmbito federal, os deputados federais e senadores, no âmbito estadual, os deputados estaduais e na esfera municipal, os vereadores.
Ademais, o Poder Judiciário, tem a finalidade de interpretar as leis e julgar os casos concretos de acordo com as normas constitucionais. À frente desse poder estão os juízes, os ministros e os desembargadores.
Faz-se necessário, ainda, ressaltar que a separação dos três poderes se constitui como Cláusula Pétrea em nosso ordenamento jurídico, de acordo com o Art. 60, § 4º, III, da Carta Magna, não sendo, portanto, objeto de mudanças e/ou alterações deliberadas, por exemplo, por Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Por fim, outro ponto importante a ser mencionado é que com a separação dos Poderes, busca-se um governo limitado, que atue de forma moderada e respeitosa, sempre priorizando e zelando pelo interesse e o bem comum da coletividade.
4 PRÓS E CONTRAS DO ATIVISMO JUDICIAL
Está claro que ativismo judicial tomou proporções enormes na sociedade brasileira, em que, frequentemente as decisões judiciais impõem obrigações ao administrador, aplicando uma norma que não está contida no texto legal. Trata-se, portanto, de nova hermenêutica constitucional, que interpreta cláusulas abertas, utilizando-se dos princípios como base para tal atuação. Certamente, essa postura protagonista do Poder Judiciário tem causado muitas inquietações, críticas e apontamentos, sobretudo, ao Supremo Tribunal Federal.
Faz-se necessário, então, analisar os dois lados do ativismo judicial, uma vez que há presença de pontos negativos e positivos. É imprescindível colocar na balança suas duas faces, para que assim, possa se tomar um juízo de valor.
Destaca-se como pontos negativos, o desequilíbrio dos Três Poderes, e consequentemente a fraqueza dos poderes eleitos pelo povo. Além disso, fica claro que as práticas ativas em demasia por parte dos magistrados, acaba gerando uma insegurança jurídica, uma vez que a qualquer momento pode utilizar do “principiologismo” para implantar uma nova tese.
De acordo com Carlos Alexandre (2004, p. 322):
Ante a omissão legislativa, o STF tem sido chamado a se pronunciar sobre determinadas matérias que caberiam ao Legislativo regulamentar. Por vezes, o STF não se limita a declarar a omissão legislativa, indo além do que a dogmática legalista tradicional convencionou ser o papel do Judiciário, qual seja, a subsunção do fato à norma, e ante a imposição de obrigações aos outros poderes e aos administrados em geral, a doutrina diz que há intromissão indevida do Judiciário nos demais Poderes da República, ferindo os princípios da separação dos poderes, a democracia e o estado democrático de direito.
Outrossim, é sabido que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, cada poder tem as suas funções dentro de limites preestabelecidos legalmente, sendo que um não pode intervir na esfera do outro. Diante disso, está claro que o Poder Judiciário não possui competência originária de legislar, mas o que se acompanha atualmente é uma atitude bastante incisiva nos outros poderes, principalmente no Legislativo.
Nesta mesma seara, Carmona (2015)
(...) a crítica se funda na alegação de que o Poder Judiciário não possui legitimidade democrática para, em suas decisões, insurgir-se contra os atos instituídos pelos poderes eleitos pelo povo. Assim, o Poder Judiciário, com seus membros não eleitos, não poderia demudar ou arredar leis elaboradas por representantes escolhidos pela vontade popular. Este poder não teria legitimidade para isso. É o que se chama de desafio contramajoritário, interferindo diretamente no poder regulatório e ferindo o princípio da separação dos poderes. Ou seja, onde estaria, a sua legitimidade para proscrever decisões daqueles que desempenham mandato popular, que foram escolhidos pelo povo?
Ademais, nota-se que a utilização dos princípios, tão vangloriados pelos juízes, para se fazer justiça, traz a possibilidade de decisões ilimitadas, causando danos a valores muito importantes, como ao Estado Democrático de Direito, e à democracia propriamente dita, uma vez que as decisões ultrapassam as deliberações do legislador, comprometendo a previsibilidade do direito.
Contudo, existe um lado positivo nessas ações, que está pautada na garantia do mínimo existencial e na dignidade da pessoa humana, quando ocorre uma omissão Legislativa no dever de legislar, bem como sua inércia ou retardamento diante das políticas púbicas.
Assim, o Judiciário tem atuado na vida institucional da sociedade brasileira, criando jurisprudências no direito, afim de priorizar e fazer valer a Constituição Federal, que muitas vezes é desrespeitada. Além disso, um fator favorável ao ativismo judicial seria que a questão principiológica passou por diversas transformações ao longo do tempo e pode ser interpretada na atualidade com status de norma constitucional, que busca a efetivação da democracia e o cumprimento de valores constitucionais.
Segundo Barroso (2008), o ativismo judicial está ligado a uma atividade mais ampla e atuante do Judiciário, visando a efetivação dos valores regidos pela Constituição Federal. Desta forma, é inegável que sua atuação interfira no espaço de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo. Assim, o ministro defende que esse fenômeno se evidencia de três maneiras:
(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Diante disso, o Poder Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que possuem falhas por parte do parlamento. Alguns exemplos que podem ser citados dessa são: temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais.
É certo que o ativismo deveria atuar de forma excepcional, porém para atender aos anseios e demandas da sociedade moderna, que está em constante evolução, essa prática dos magistrados garante que ninguém ficará sem tutela jurisdicional, diante da inércia do Legislativo e da passividade ou descumprimento das normas pelo Executivo, que são os agentes políticos eleitos pelo povo, portanto deveriam zelar pelo cumprimento das normas, principalmente referente aos direitos fundamentais dos indivíduos.
5 OS PERIGOS DO ATIVISMO JUDICIAL
Em contraponto, o ativismo judicial deve ser observado com um certo cuidado, pois muitos doutrinadores descrevem esse fenômeno como uma afronta a vontade popular que é exercida por meio de seus representantes, devidamente eleitos, com plena capacidade para legislar.
O que ocorreu e o que vem ocorrendo em terrae basilis: as decisões dos Tribunais são proferidas de acordo com a visão de cada componente, soçobrando, com isso, a legislação e, o que é pior, a Constituição. Sob pretexto de o juiz não ser mais o “juiz boca da lei” (positivismo primitivo), agora temos o juiz (tribunal), para quem (para qual) a lei é apenas – como diriam alguns doutrinadores adeptos de teorias voluntaristas – a ponta o iceberg. E, por vezes, nem mesmo isso...! No fundo, volta-se ao velho positivismo fático, versão voluntarista do realismo jurídico: a lei é aquilo que os Tribunais dizem que é (como que a repetir a famosa frase do juiz Oliver Holmes) (STRECK, 2013, p. 314).
Hodiernamente, há uma tendência dos magistrados, em especial, a Suprema Corte, ao analisar os conflitos que deveriam ser jurídicos, interpretam também de maneira política, o que por muitas vezes criam normas e novos entendimentos que fogem da esfera de atuação do judiciário e ingressam dentro da seara legislativa, o que se consagra em uma usurpação do Poder Judiciário ante o Poder Legislativo.
Os juízes não devem criar novo direito, mas aplicar o direito já criado por outras instituições. Embora tal assertiva seja o ideal a ser perseguido, muitas vezes, na prática, não pode ser plenamente concretizada. [...] Os juízes, portanto, seja de forma dissimulada ou explícita, às vezes, devem criar um novo direito. Quando assim agem, na verdade, devem agir como se fossem delegados do Poder Legislativo, pois devem solucionar o caso concreto da maneira que o legislador promulgaria uma lei caso estivesse diante desse problema. Ou seja, os juízes criam leis, em resposta a fatos e argumentos, da mesma natureza daqueles que levariam o Poder Legislativo a criar, caso estivesse agindo por iniciativa própria. Entretanto, na realidade, os juízes não são legisladores delegados e eles não legislam quando vão além das decisões políticas já tomadas por outras pessoas (ABREU, 2013, p. 228-229).
O que faz do Brasil um Estado Democrático de Direito é justamente a separação dos poderes desenvolvida por Montesquieu para que um poder exerça o controle sobre o outro, pesos e contrapesos, na medida em que um não se sobreponha ao outro poder. Ocorre que, com o ativismo o Poder Judiciário está no centro do poder, pois ele exerce o controle sobre os poderes Legislativo e Executivo, mas, nenhum órgão consegue exercer esse controle sobre o Judiciário.
Na verdade, o STF vem assumindo o perfil de um verdadeiro Tribunal Constitucional, mais preocupado em resolver grandes questões do país, e, por isso, passou a indicar qual é o direito a ser aplicado mesmo na falta de leis. O problema é saber justamente se a Constituição outorga esse poder ou se ele foi criado pelo próprio STF. O certo é que existe essa tendência no Tribunal, e, pelos últimos julgamentos da Corte, pode-se concluir que é uma tendência irreversível, a curto prazo. O grande desafio do STF é ficar no terreno do razoável, e não começar a criar normas absolutamente “novas” em matéria de direito. Trata-se de tarefa bastante difícil e polêmica, que o Tribunal tem levado adiante, enfrentando questões relevantes e populares, que dividem a opinião pública do país, tais como: “a relação homoafetiva e a entidade familiar” (ADI 4.277-DF e ADPF 132-RJ), decidida em 5 de maio de 2011; “o aborto de feto anencéfalo” (ADPF 54), decidida em 12 de abril de 2012; e “as cotas raciais em universidades” (RE 597285), tema com repercussão geral, julgado em 9 de maio de 2012 (MEDEIROS, 2013, p. 207).
Isso demonstra um grande risco, pois mesmo a Suprema Corte do país é passível de falhas e também deveria haver um controle sobre os excessos e erros cometidos, o que não é realizado pelos outros poderes. Com isso, a população brasileira poderá enfrentar uma insegurança política e jurídica com a falta de garantias mínimas que os três poderes deveriam promover aos cidadãos.
6 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS EM QUE MAGISTRADOS E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ATUARAM DE FORMA ATIVISTA
O Ativismo Judicial é um fenômeno mundial. Ao passo que as sociedades foram se transformando, ele foi se expandindo em grandes atuações. Algumas manifestações dessa atuação por cortes supremas podem ser citadas, a exemplo da Suprema Corte do Canadá, quando decidiu se os Estados Unidos poderiam ou não fazer testes com mísseis em território canadense. Outro caso ocorrido, foi em Israel, quando a Suprema Corte decidiu sobre a construção de um muro separando a parte Palestina. Ainda em território estadunidense, ficou decidido pela Suprema Corte sobre o resultado das eleições do ano 2000.
No Brasil, uma decisão ativista por parte do Supremo Tribunal Federal, foi o reconhecimento da união homoafetiva pela ADI 4277 - Relator(a): AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-2011 - mesmo sem previsão legal, considerando ser um anseio da sociedade atual, os decanos diante de uma interpretação da constituição votaram pelo reconhecimento, sendo tal decisão, diante da falta legislativa, ganhando patamares nacionais, possibilitando, assim, a realização do casamento civil de casais homoafetivos.
Outro exemplo a ser citado foi a decisão da Corte suprema sobre a fidelidade partidária, decidindo que o político eleito por determinado partido, perderia o mandato se mudasse de partido durante o mandato, pois feriria o princípio democrático e a ideia de representatividade política.
Ademais, outra atitude do STF que foi considerada ativista, é a declaração de inconstitucionalidade da proibição de progressão dos crimes hediondos, que apesar de, corretamente, haver todo o processo legislativo que aprovou a redação do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, a corte superior, diante de uma hermenêutica constitucional, decidiu pela inconstitucionalidade do dispositivo, vinculando todas decisões do poder judiciário nesse sentido.
Houve também uma intervenção por parte do Supremo Tribunal Federal, sobre a vedação ao voto impresso nas urnas eletrônicas, declarando inconstitucionalidade alegando em sua decisão, o princípio da vedação ao retrocesso.
Outro caso protagonista do Supremo, que causou grande discussão envolvendo uma atitude ativista, foi referente à criminalização de homofobia como racismo, em que a Corte extrapolou o campo judiciário e ingressou na seara legislativa criando um novo tipo penal. A atitude dos ministros foi bastante criticada, pois é sabido que para se obter um novo tipo penal é imprescindível a edição de uma lei não podendo ser por decisão jurisdicional, como ocorreu na ADO 26, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 13-06-2019.
Por fim, o STF descriminalizou o aborto até o 3º mês de gestação, demonstrando mais uma decisão ativista. Essa atitude coloca em evidência a segurança jurídica, pois o aborto é considerado crime no Brasil, sendo que suas exceções legais já estão previstas no Código Penal Brasileiro.
Diante disso, questiona-se, corriqueiramente, se ao zelar pelo cumprimento dos valores constitucionais, os magistrados e o Supremo Tribunal Federal, não estariam utilizando o ativismo judicial como uma ferramenta para legislar, ultrapassando os limites do Poder Legislativo e Executivo.
Haja vista que o ativismo judicial é geralmente utilizado para decidir sobre temas que extrapolem a Constituição, nesse sentido, faz-se necessário ressaltar que os juízes podem sim utilizar-se dele, contudo, não podem criar leis.
Diante disso, os magistrados e órgãos caracterizados como tribunais constitucionais, a exemplo do STF, estão exercendo, cada vez mais, um papel ativo na verificação da elaboração das leis pelo Poder Legislativo, bem como na sua execução, efetivada pelo Poder Executivo, de forma a assegurar a sua conformidade com os princípios constitucionais.
De outra banda é sabido que não há uma separação absoluta de poderes. O estabelecimento de funções básicas predominantes a cada um dos Poderes do Estado juntamente com a previsão de algumas interferências mútuas denota a consagração de um esquema de controles recíprocos, dentro do jogo dos freios e contrapesos. No lugar de separação, as palavras de ordem são harmonia, colaboração e interação. Convencionalmente, as funções são divididas entre Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Não existe fórmula única para o sistema de freios e contrapesos, nem mesmo em matéria de direitos fundamentais. A quase totalidade das democracias adotou o constitucionalismo na linha do modelo estadunidense, que pode ser sintetizado nas seguintes características: supremacia da Constituição; controle judicial de constitucionalidade; e proteção ativa dos direitos fundamentais (CORDEIRO, 2012, p.146)
Em suma, é relevante uma reflexão acerca do ativismo judicial, uma vez que há controversas a respeito dos pontos positivos e negativos dessa prática, seus fundamentos e ajustes jurídicos na vida social. É imprescindível, portanto analisar as maneiras de nortear essas práticas para que o sentimento de justiça não ultrapasse os limites da interpretação da lei.
6 CONCLUSÃO
Observou-se por meio da pesquisa realizada que o cenário atual do Brasil está pautado no desequilíbrio das competências dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, uma vez que ficou evidente a expansão do protagonismo dos magistrados, desembargadores e ministros na resolução de questões de interesse coletivo e de repercussão geral da sociedade moderna.
Desta forma é inegável que o Ativismo Judicial em demasia afeta os princípios democráticos, fomentado também por uma omissão por parte dos poderes Legislativo e Executivo ao deixarem de atuar em questões que seriam da sua esfera.
Logo, nas considerações iniciais deste trabalho, evidenciou-se a importância de uma discussão acerca do ativismo, pois trata-se de uma tendência cada vez mais presente no Brasil e no mundo. Destacou-se a origem desse termo com raízes nos Estados Unidos e sua expansão ao longo do tempo nas cúpulas brasileiras, principalmente com a promulgação da Constituição de 1988, que enfatizou a concretização dos direitos fundamentais.
Destarte, em seguida, analisou-se muitas críticas às práticas ativistas, consubstanciando que esse protagonismo desencadeia uma insegurança jurídica, pois coloca em risco a legitimidade democrática e a desestruturação da Separação dos Três Poderes. Neste viés, ressaltou-se que o espírito de justiça não deve ultrapassar os limites impostos pela lei.
Assim, dando seguimento, ao estudar o mecanismo de freios e contrapesos destacou-se que os poderes que regem uma nação devem caminhar juntos para que os direitos dos cidadãos, de fato, sejam efetivados. Para isso, concluiu-se que não deve haver prevalência de um sobre o outro, pois cada um tem as suas funções preestabelecidas por lei.
Outrossim, retratou-se que o Ativismo Judicial não deveria ser uma prática corriqueira e indiscriminada, mas sim uma atuação excepcional, solucionando casos concretos sensíveis para garantir que, diante da não atuação do Legislativo ou do Executivo, ninguém fique sem uma tutela jurisdicional.
Portanto, é imprescindível haja um diálogo entre essas instituições e uma cooperação entre si, compartilhando sua hermenêutica a respeito do Texto Constitucional, para que assim, possam atuar de forma justa, ética e eficiente, proporcionando para a sociedade a segurança de seus direitos individuais e coletivos.
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[1] Professor orientador. Advogado. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, subárea em Direito do Trabalho. MBA em Gestão Executiva pela Faculdade Damásio-SP. Pós-Graduado em Direito Civil e Empresarial, e também Direito Previdenciário, ambos pelo IBMEC – Instituto Damásio de Direito. Gestor do Damásio Educacional em Araçatuba e Birigui- SP
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Giseli Guimaraes da. Ativismo judicial: a expansão e o protagonismo do Poder Judiciário na sociedade brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2024, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66765/ativismo-judicial-a-expanso-e-o-protagonismo-do-poder-judicirio-na-sociedade-brasileira. Acesso em: 10 dez 2024.
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