Resumo: No presente artigo, buscou-se verificar de quem seria o ônus da prova de demonstrar a hipossuficiência econômica para fins de dispensa do pagamento da multa penal, realizando uma comparação entre os posicionamentos recentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Para avaliação do tema, foi realizado uma breve contextualização acerca da pena de multa, destacando a sua natureza de dívida de valor e a forma de sua execução, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Além disso, foram avaliados os impactos negativos da cobrança da multa na vida das pessoas hipossuficientes econômicas e suas famílias, violando o princípio da intrasncendência das penas. A metodologia utilizada envolveu análise da legislação vigente e da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Ao final, verificou-se que o Supremo Tribunal Federal adotou um posicionamento que desconsidera a realizada fática das pessoas hipossuficientes econômicas, na contramão da evolução positiva que tinha sido apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 931.
Palavras chaves: Processo penal. Multa. Execução. Hipossuficiência Econômica. Intranscendência das penas. Ônus da prova. Divergência entre os Tribunais Superiores.
Abstract: In this article, we sought to verify who would have the burden of proof to demonstrate economic hyposufficiency for the purpose of waiving the payment of the criminal fine, making a comparison between the recent positions of the Superior Court of Justice and the Federal Supreme Court. To evaluate the topic, a brief contextualization was carried out regarding the fine penalty, highlighting its nature as a high-value debt and the form of its execution, according to the position of the Federal Supreme Court. Furthermore, the negative impacts of charging the fine on the lives of economically insufficient people and their families were assessed, violating the principle of the immutability of penalties. The methodology used involved analysis of current legislation and the jurisprudence of the Superior Courts. In the end, it was found that the Federal Supreme Court adopted a position that disregards the factual realization of economically undersufficient people, contrary to the positive evolution that had been presented by the Superior Court of Justice in Topic 931.
Keywords: Criminal procedure. Fine. Execution. Economic hyposufficiency. Intranscendence of penalties. Burden of proof. Divergence between the Superior Courts.
1. Introdução
O art. 5º, XLVI da Constituição Federal inclui a multa entre as penas decorrentes da prática de infração penal, in verbis:
Art. 5º [...] XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
De maneira semelhante, é a disposição do art. 32 do Código Penal sobre as espécies de pena a serem aplicadas pelo cometimento de um crime:
Art. 32 - As penas são:
I - privativas de liberdade;
II - restritivas de direitos;
III - de multa.
Nos termos do art. 49 do Código Penal “A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa”. Trata-se, portanto, de uma penalidade de cunho patrimonial, que se distingue de outras sanções pecuniárias, civis e administrativas pelo “seu caráter personalíssimo, ou seja, a impossibilidade de ser transferida a herdeiros ou sucessores do apenado”[1].
Ainda de acordo com o Código Penal, a multa poderá ser aplicada isolada ou cumulativamente à pena privativa de liberdade, conforme preceito secundário do crime, podendo ainda ser aplicada no caso de substituição de pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44, §2º[2] e art. 60, §2º[3] do citado diploma.
Importante mencionar que a partir da alteração promovida pela Lei nº 9.268/1996, a multa passou a ser considerada dívida de valor, tendo sido excluída a previsão que permitia a conversão da multa em pena privativa de liberdade em caso de inadimplemento. É o que se observa das diferentes redações do art. 51 do Código Penal:
Redação original, revogada pela Lei nº 9.268/1996: Art. 51 - A multa converte-se em pena de detenção, quando o condenado solvente deixa de paga-lá ou frustra a sua execução.
Redação dada pela Lei nº 9.268/1996: Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Ressalte-se que a Lei nº 13.964/2019, apesar de ter alterado o dispositivo em questão para esclarecer o procedimento para execução da multa, manteve a mesma previsão quanto a se tratar de dívida de valor, in verbis:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição
O Supremo Tribunal Federal, nas Ação Penal 470[4] e Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150[5], por sua vez, esclareceu que “A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal”.
Justamente por manter o caráter penal, seu inadimplemento, quando possível o pagamento, impede a colocação do condenado em regime aberto pela previsão expressa da Lei nº 7.210/1984:
Art. 118 [...] § 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
Quanto ao tema, também o Supremo Tribunal Federal já entendeu que o inadimplemento da multa pode ser um empecilho para a progressão de regime:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. PRISÃO CAUTELAR. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO RECORRÍVEL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. ENUNCIADO N. 716 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECOLHIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE À SANÇÃO PECUNIÁRIA. NECESSIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. PRETENSÃO INDEFERIDA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. [...] 2. No julgamento da EP 12 ProgReg-AgR, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que a progressão de regime prisional, seja qual for a natureza do delito praticado, pressupõe o efetivo adimplemento da pena de multa caso imposta de forma cumulativa à reprimenda privativa de liberdade. [...] 4. No caso, regularmente intimado, o ora agravante permaneceu inerte, não providenciando o recolhimento da quantia atualizada, tampouco apresentou justificativas acerca de eventual impossibilidade de fazê-lo, o que impõe o indeferimento da pretensão. 5. Agravo regimental desprovido.[6]
Além disso, ao que importa a esse trabalho, considerando o caráter penal da multa, seu não pagamento importa ainda em impossibilidade de extinção da penalidade do agente, conforme defende Cleber Masson com base no caráter retributivo e preventivo especial da citada sanção. Transcreve-se:
Na hipótese de aplicação cumulativa de penas privativas de liberdade (ou restritiva de direitos substitutiva) e multa, o cumprimento daquela pelo condenado não importa na satisfação automática desta última. [...] Essa conclusão, amparada nas finalidades de retribuição e de prevenção especial da pena de multa, decorre tanto da sistemática consagrada pelo art. 51 do Código Penal como da orientação firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.50/DF.[7]
Diante disto, a partir de uma análise da legislação e da jurisprudência, torna-se importante verificar como ocorre a execução dessa dívida de valor e quais os impactos da aplicação da citada penalidade a pessoas hipossuficientes financeiras e suas famílias, em especial quanto a possibilidade de penhora de bens.
Além disso, foi avaliada a distribuição do ônus da prova para extinção da punibilidade do agente em razão de incapacidade financeira de adimplemento de multa, a partir do método da comparativo entre o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no Tema 931 e do Supremo Tribunal Federal na ADI 7.032.
Em síntese, o presente artigo buscou responder os seguintes questionamentos: quais os impactos da execução da pena de multa quanto à pessoas hipossuficientes financeiras e suas famílias e, a partir disso, de quem deveria ser a responsabilidade por demonstrar a incapacidade econômica do condenado.
Nesse contexto, foi realizada uma pesquisa teórica, em uma vertente jurídico social, a partir da análise da legislação vigente e da jurisprudência, tendo sido o artigo dividido em 5 (cinco) tópicos: introdução, considerações iniciais sobre a execução da pena de multa, penhorabilidade de bens do condenado e violação do princípio da intranscendência das penas, ônus da prova para fins de extinção da punibilidade e a conclusão.
2.Considerações iniciais sobre a execução da pena de multa
A Lei nº 9.268/1996 alterou o art. 51 do Código Penal passando a considerar a multa uma dívida de valor, tendo sido previsto que lhe seriam aplicáveis “as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública”.
Em razão disso, passou-se a existir uma divergência quanto à competência e à legitimidade para executar a penalidade de multa, conforme sintetiza Cleber Masson:
1ª posição: A pena de multa era executada pela Fazenda Pública, perante a Vara de Execuções Fiscais. Era a posição do Superior Tribunal de Justiça, estampada na Súmula 521 “A legitimidade para execução fiscal de multa pendente de pagamento imposto em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”.
2ª posição: A pena de multa era executada pelo Ministério Público, perante a Vara de Execuções Penais.[8]
A dissonância somente foi sanada a partir da manifestação do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.150/DF, em que se definiu que o Ministério Público deveria executar a multa perante o Juízo de Execução Criminal, posto ter sido mantido o caráter de sanção penal da multa.
Apenas no caso de inércia do Parquet por mais de 90 dias, a Fazenda Pública seria intimada para, querendo, propor execução na Vara de Execução Fiscal, observado o rito da Lei nº 6.830/1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa. Para maior esclarecimento, transcreve-se as ementas dos referidos julgados:
Ementa: Execução da pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Pedido de reconsideração apreciado em sede de Questão de Ordem. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Questão de ordem que se resolve no sentido de manter a decisão impugnada por seus próprios fundamentos.[9]
Ementa: Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.[10]
Posteriormente, em 24 de dezembro de 2019, foi publicada a Lei nº 13.964/2019, que alterou o art. 51 do Código Penal para dispor expressamente sobre a competência do Juízo da Execução Penal:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Registre-se que a legitimidade do Ministério Público já encontrava respaldo no art. 164 da Lei nº 7.210/1984, o qual dispunha que o Parquet, após o trânsito em julgado, deveria requerer a citação do condenado para pagamento da multa em 10 (dez) dias:
Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.
Vale mencionar que, conforme explicita Cleber Masson, no ordenamento jurídico brasileiro a cobrança da “em juízo é obrigatória. Pouco importa o seu valor: a multa é pena, incidindo sobre ela os princípios da imperatividade da sua aplicação e da inderrogabilidade de seu cumprimento”[11].
Nesse sentido, a Portaria do Ministério da Fazenda nº 75/2012, apesar de prever o não ajuizamento de execuções fiscais para débitos iguais ou inferiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), explicita que tal regra não se aplica a execução da multa criminal. Transcreve-se:
Art. 1º Determinar:
I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e
II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
§ 1º Os limites estabelecidos no caput não se aplicam quando se tratar de débitos decorrentes de aplicação de multa criminal.
Com efeito, apesar da ineficiência de se realizar a cobrança de valores irrisórios para a Fazenda Pública, eis que seria mais custoso o próprio procedimento de cobrança do que os valores eventualmente obtidos com o adimplemento da multa, não havendo pagamento voluntário em 10 (dez) dias, seria possível tanto a penhora de bens, inclusive, imóveis, quanto o desconto diretamente no salário do executado, fato que enseja discussões sobre a transcendência das penas e os impactos na família dos condenados.
3.Da penhorabilidade de bens para pagamento da pena de multa e o princípio da intranscendência da pena
O princípio da intranscedência das penas encontra-se previsto na Constituição Federal, segundo o qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, CF).
Pela previsão constitucional, apenas “a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Não há, portanto, qualquer exceção a pena de multa, sendo certo que uma das diferenças dessa pena para as sanções pecuniárias civis é “seu caráter personalíssimo, ou seja, a impossibilidade de ser transferida a herdeiros ou sucessores do apenado”[12].
Nesse contexto, com base em uma lógica do princípio da legalidade (posto a ausência de previsão específica quanto a exceção relativa à multa), ainda que considerada dívida de valor, não seria possível que sua execução afetasse os familiares do condenado, eis que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, exarado na citada Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150, a multa permanece sendo sanção penal.
A despeito da intrasmissibilidade da multa, a Lei nº 7.210/1984, permite expressamente que, em caso de inadimplemento, haja o parcelamento, a penhora de bens e até mesmo o desconto diretamente no salário do executado de até o limite de um quarto da remuneração:
Art. 164 [...] § 1º Decorrido o prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a execução.
Art. 165. Se a penhora recair em bem imóvel, os autos apartados serão remetidos ao Juízo Cível para prosseguimento.
[...]
Art. 168. O Juiz poderá determinar que a cobrança da multa se efetue mediante desconto no vencimento ou salário do condenado, nas hipóteses do artigo 50, § 1º, do Código Penal, observando-se o seguinte:
I - o limite máximo do desconto mensal será o da quarta parte da remuneração e o mínimo o de um décimo;
II - o desconto será feito mediante ordem do Juiz a quem de direito;
III - o responsável pelo desconto será intimado a recolher mensalmente, até o dia fixado pelo Juiz, a importância determinada.
Art. 169. Até o término do prazo a que se refere o artigo 164 desta Lei, poderá o condenado requerer ao Juiz o pagamento da multa em prestações mensais, iguais e sucessivas.
§ 1° O Juiz, antes de decidir, poderá determinar diligências para verificar a real situação econômica do condenado e, ouvido o Ministério Público, fixará o número de prestações.
[...]
Art. 170. Quando a pena de multa for aplicada cumulativamente com pena privativa da liberdade, enquanto esta estiver sendo executada, poderá aquela ser cobrada mediante desconto na remuneração do condenado (artigo 168).
O Superior Tribunal de Justiça, no Informativo 806, ainda consignou expressamente a possibilidade de haver penhora do pecúlio (remanescente do salário percebido pelo condenado no estabelecimento penal), com fundamento no art. 168 da Lei nº 7.210/1984, afastando expressamente a aplicação do art. 833 do Código de Processo Civil que prevê, em seu inciso IV, a impenhorabilidade de remunerações[13]. O fundamento utilizado foi a aplicação do princípio da especialidade. Transcreve-se a ementa:
EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL PENALIDADE PECUNIÁRIA. PENHORA DE 1/4 DO PECÚLIO PARA SATISFAÇÃO DA PENA DE MULTA. AUTORIZAÇÃO LEGAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE ECONÔMICA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. É possível a penhora de até 1/4 do pecúlio obtido pelo condenado para saldar a pena de multa determinada em sentença condenatória.
Esta medida encontra respaldo nos dispositivos nos arts. 168, incisos I a III, e 170 da Lei 7.210/1984, não se submetendo às disposições do art. 833 do CPC. Assim, tal decisão segue o princípio da especialidade, assegurando a aplicação efetiva das normas específicas da legislação penal executória.
2. A confirmação da efetiva condição de vulnerabilidade econômica do apenado exigiria uma revisão minuciosa do conjunto de provas presentes nos autos, medida inviável neste recurso especial, conforme estabelecido na Súmula 7/STJ.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, desprovido.[14]
Tal precedente, contudo, deve ser avaliado com cautela.
Primeiro porque o art. 833, IV, do Código de Processo Civil, ao estabelecer que as remunerações são impenhoráveis tem como objetivo proteger o sustento do condenado e sua família. Nesse sentido, o art. 7º, IV da Constituição Federal estabelece que o salário-mínimo tem como objetivo “atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.
Não por outra razão, a única exceção legal para a penhora de salários que sejam inferiores a 50 (cinquenta) salários mínimos seria exatamente para o pagamento de pensão alimentícia (art. 833, §2º do Código de Processo Civil[15]). O art. 833, IV do Código de Processo Civil, portanto, tem como objetivo concretizar a proteção à família, prevista constitucionalmente no art. 226[16], e a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal[17]), do assalariado e sua família, de modo que ampliações para proteger um interesse pecuniário do Estado, fere a própria lógica do ordenamento jurídico a partir da Constituição Federal. Quanto ao tema, cabe lembrar que o art. 168 da Lei nº 7.210/1984, utilizado para fundamentar o afastamento do art. 833, IV do Código de Processo Civil, é anterior à 1988, não sendo compatível com a lógica protetiva da família e da dignidade da pessoa humana adotada pela Constituição Federal.
Em segundo lugar, a permissão de penhora do pecúlio, sem análise do caso concreto, pode vulnerar ainda mais os familiares do condenado, gerando ofensa também a previsão do art. 3º, III da Constituição Federal que trata da erradicação da pobreza e marginalização[18].
De acordo com o art. 29, §1º da Lei nº 7.210/1984, a remuneração do preso será utilizada para indenização dos danos causados pelo crime, assistência à família, despesas pessoais e ressarcimento ao Estado, sendo o restante utilizado para constituição de pecúlio:
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.
§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
O pecúlio, nesse contexto, seria um valor que visa contribuir para reintegração do acusado à sociedade após o cumprimento da pena, considerando as dificuldades de ingresso no mercado de trabalho em razão dos antecedentes criminais.
Considerando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 336 quanto à constitucionalidade da previsão de que os condenados recebessem apenas ¾ do salário mínimo[19], permitir que a remuneração seja utilizada também para pagamento de multa tende a afetar ainda mais a vida das famílias desses apenados.
A título de exemplo, considerando o salário mínimo em vigor em 2024 de R$ 1.412,00[20] e que os condenados poderiam receber apenas R$ 1.059,00, não parece razoável que o valor seja suficiente para atender as necessidades da família e menos ainda, parece ser crível que a penhora de ¼ desse valor para fins de multa (isso é, penhora de R$ 264,75), não cause impactos na subsistência dos dependes do condenado.
Registre-se que o art. 50 § 2º do Código Penal é claro ao prever que o desconto de salários “não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família”, devendo ser feita uma análise casuística para aferição, tema que não foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça no caso do Recurso Especial 2.113.000/SP, considerando que a Súmula 7, que impede reanálise fática.
Especificamente em relação a penhora de bens imóveis, permitida pelo art. 165 da Lei nº 7.210/1984, deve-se ter especial cuidado em relação àqueles utilizados pela família do condenado para fins de moradia.
A regra da Lei nº 8.009/1990 é a impenhorabilidade do bem de família[21], somente havendo ressalva aos casos de nos casos de execução de sentença penal condenatória no que tange ao ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. Não há qualquer exceção à pena multa. Veja-se:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
[...] VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
A pena de multa, cumpre repisar, não se destina a ressarcir os danos decorrentes da infração penal ou custas processuais, sendo uma sanção cuja destinação é o Fundo Penitenciário.
Registre-se que, com fundamento no fato de o direito à moradia ser um direito social[22] imprescindível para a assegurar a dignidade da pessoa humana, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes vedando a interpretação extensiva das exceções do art. 3º da Lei nº 8.009/90, como é possível aferir dos julgamentos abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MATRÍCULA. MENSALIDADES. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. IMPUGNAÇÃO. NATUREZA COMINATÓRIA. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Ação de oferta de alimentos, em fase de cumprimento de sentença, promovido em 21/06/2023, do qual foi extraído recurso especial interposto em 06/06/2024, concluso ao gabinete em 24/06/2024. 2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a natureza da multa por descumprimento de obrigação de fazer (astreintes) de prestação alimentícia, a possibilitar (ou não) a penhora de bem de família. 3. É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de a impenhorabilidade do bem de família não se aplicar às execuções de dívidas oriundas de pensão alimentícia, em razão da exceção prevista no art. 3º, inciso III, da Lei 8.009/1990. Precedentes. 4. Ainda que seja fixada no âmbito de execução prestação alimentícia, a multa por descumprimento de obrigação de fazer mantém seu caráter cominatório. 5. No recurso sob julgamento, frente à inexistência de prestação alimentícia na verba que se pretende executar, não se permite a penhora do bem de família. 6. Recurso especial conhecido e não provido.[23]
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. PENHORA DO IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Agravo de instrumento interposto em 03/08/2018, recurso especial interposto em 16/04/2019 e atribuído a este gabinete em 24/09/2019. 2. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal em definitivo. 3. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família. 4. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. 5. Na hipótese, não há sentença penal condenatória e, mesmo que seja em função da prescrição, é impossível presumir sua existência para fins de aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90. 6. Recurso especial provido.[24]
Entender de maneira diversa seria ofender os princípios da intranscendência da pena e as previsões constitucionais de proteção da família, já tratados.
Nesse cenário, visando evitar a sobrecarga financeira a sua família, seja pela penhora de seus bens ou de seu salário, imperioso se faz avaliar a possibilidade de extinção da punibilidade do condenado hipossuficiente financeiro, quando já cumprida a pena privativa de liberdade, pendente apenas o pagamento da multa.
4.Da extinção da punibilidade e do ônus na demonstração de hipossuficiência financeira
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia nº 1.785.861/SP e 1.785.383/SP, cujos acórdãos foram publicados em 02/12/2020, havia fixado no Tema 931 que: “Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.”[25]
Recentemente, contudo, a partir do julgamento do Recurso Especial nº 2.024.901/SP, julgado em 28/2/2024, houve revisão do citado tema, tendo sido fixado que:
O inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária.[26]
Para melhor compreensão do tema, transcreve-se parcialmente a ementa do Recurso Especial que gerou a mudança de entendimento:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. EXECUÇÃO PENAL. REVISÃO DE TESE. TEMA 931. CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL. PENDÊNCIA DA PENA DE MULTA. [...] DISTINGUISHING. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PENA PECUNIÁRIA PELOS CONDENADOS HIPOSSUFICIENTES. NOTORIEDADE DA EXISTÊNCIA DE UMA EXPRESSIVA MAIORIA DE EGRESSOS SEM MÍNIMOS RECURSOS FINANCEIROS. RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO. DIFICULDADES DE REALIZAÇÃO DO INTENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL ANTE OS EFEITOS IMPEDITIVOS À CIDADANIA PLENA DO EGRESSO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA AUTODECLARAÇÃO DE POBREZA. RECURSO PROVIDO. [...]
4. De toda sorte, é razoável inferir que referida decisão do STF se dirige àqueles condenados que possuam condições econômicas de adimplir a sanção pecuniária, geralmente relacionados a crimes de colarinho branco, de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade. Demonstra-o também a decisão do Pleno da Suprema Corte, ao julgar o Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal n. 12/DF, a respeito da exigência de reparação do dano para obtenção do benefício da progressão de regime. Na ocasião, salientou-se que, "especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública - como também nos crimes de colarinho branco em geral -, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos" (Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-052 divulg. 17/3/2015 public. 18/3/2015, grifei).
5. Segundo dados do INFOPEN, colhidos até junho de 2023, 39,93% dos presos no país estavam cumprindo pena pela prática de crimes contra o patrimônio; 28,29%, por tráfico de drogas, seguidos de 16,16% por crimes contra a pessoa, crimes que cominam pena privativa de liberdade concomitantemente com pena de multa.
6. Considere-se ainda o cenário d o sistema carcerário, que expõe as vísceras das disparidades socioeconômicas arraigadas na sociedade brasileira, e que evidenciam o inegável caráter seletivo do sistema punitivo e a extrema dificuldade de reinserção social do egresso em geral, na sua desejada inclusão em alguma atividade profissional e na retomada de seus direitos políticos. A propósito, consoante apontado pelo relatório "O Preço da Liberdade: Fiança e Multa no Processo Penal", elaborado pela organização não governamental CONECTAS, "é possível notar como as penas-multa passam a representar outro ônus para aqueles que satisfizeram suas penas restritivas de liberdade ou restritivas de direitos. Assim, mesmo aqueles que cumpriram integralmente suas penas, ainda precisam enfrentar a desproporcionalidade e a crueldade do sistema, já que são obrigados a pagar multas que foram fixadas quando condenados. A depender do perfil do réu, essas multas acabam aprofundando ainda mais a desigualdade econômica e social existente na população apenada, uma vez que após a saída da prisão retornam com frequência para a situação anterior a sua prisão, agora sobreposta com o estigma de ex-preso."[...] "os egressos nestas condições ficam em uma espécie de limbo legal/social, pois essas pessoas já cumpriram suas penas de prisão, contudo estão impossibilitadas de exercer direitos básicos como: efetivo direito ao voto, inscrição em programas sociais, admissão ao serviço público por concurso etc. "
7. É oportuno lembrar que, entre outros efeitos secundários, a condenação criminal transita da em julgado retira direitos políticos do condenado, nos termos do art. 15, III, da Constituição da República de 1988. Como consequência, uma série de benefícios sociais - inclusive empréstimos e adesão a programas de inclusão e de complementação de renda - lhe serão negados enquanto pendente dívida pecuniária decorrente da condenação.
8. Ainda na seara dos malefícios oriundos do não reconhecimento da extinção da punibilidade, o art. 64, I, do Código Penal determina que, "para efeito de reincidência: [...] não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação", o que implica dizer que continuará o condenado a ostentar a condição de potencial reincidente enquanto inadimplida a sanção pecuniária.
9. Não se mostra, portanto, compatível com os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito - destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" (Preâmbulo da Constituição da República) - que se perpetue uma situação que tem representado uma sobrepunição dos condenados notoriamente incapacitados de, já expiada a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, solver uma dívida que, a despeito de legalmente imposta - com a incidência formal do Direito Penal - não se apresenta, no momento de sua execução, em conformidade com os objetivos da lei penal e da própria ideia de punição estatal.
10. A realidade do sistema prisional brasileiro esbarra também na dignidade da pessoa humana, incorporada pela Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, como fundamento da República. Ademais, o art. 3º, inciso III, também da Carta de 1988, propõe a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais, propósito com que claramente não se coaduna o tratamento dispensado à pena de multa e a conjuntura de prolongado "aprisionamento" que dela decorre.
11. Razoável asserir, ainda, que a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados pobres contradiz o princípio isonômico (art. 5º, caput, da Carta Política) segundo o qual desiguais devem ser tratados de forma desigual, bem como frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, conforme a expressa e nítida dicção do art. 1º da Lei de Execução Penal: "Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado".
12. A benfazeja eficiência do sistema de cobrança de multas por parte do Ministério Público - afinal de contas, se é tal órgão a tanto legitimado e se é o fiscal da legalidade da execução penal, deve mesmo envidar esforços para fazer cumprir as sanções criminais impostas aos condenados - pode, todavia, se revelar iníqua ao se ignorarem situações nas quais, por óbvio, não possui o encarcerado que acaba de cumprir sua pena privativa de liberdade as mínimas condições de pagar tal encargo, sem prejuízo de sua própria subsistência e de seus familiares.
13. É notória a situação de miserabilidade econômica da quase totalidade das pessoas encarceradas neste país, em que apenas uma ínfima parcela dos presos possuem algum recurso auferido durante a execução penal. Os Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário 14º ciclo SISDEPEN - Período de referência: Janeiro a Junho de 2023, da Secretaria Nacional de Políticas Penais Diretoria de Inteligência Penitenciária indicam que, dos 644.305 presos no país, apenas 23 recebem mais do que 2 salários mínimos por trabalho remunerado no sistema penitenciário. Do restante, 26.377 recebem menos que ¾; 34.152 entre ¾ e 1; e 7.609 entre 1 e 2 salários mínimos. Não bastasse essa escassez de recursos, apenas 795 deste universo de mais de 644 mil presos possuem curso superior, o que sinaliza para uma maior dificuldade de reinserção no mercado de trabalho para a grande maioria dos demais egressos do sistema.
14. Tal realidade não aproveita, evidentemente, presos que já gozavam, antes da sentença condenatória, de uma situação econômico-financeira razoável ou mesmo cômoda, como, de resto, não aproveita os poucos, ou pouquíssimos, condenados financeiramente bem aquinhoados que cumprem pena neste país. Vale mencionar que, do total de 644.305 presos no país, somente 1.798 (menos de 0.5 % deles) cumprem pena pelos crimes de peculato, concussão, excesso de exação, corrupção passiva e corrupção ativa. Ainda que somemos a estes também os condenados por outros crimes de colarinho branco (lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta etc), não se tem certamente mais do que 1% de todo o sistema penitenciário com pessoas condenadas por ilícitos penais com alguma chance de serem melhor situadas financeiramente.
[...]
16. Não se trata de generalizado perdão da dívida de valor ou sua isenção, porquanto se o Ministério Público, a quem compete, especialmente, a fiscalização da execução penal, vislumbrar a possibilidade de que o condenado não se encontra nessa situação de miserabilidade que o isente do adimplemento da multa, poderá produzir prova em sentido contrário. É dizer, presume-se a pobreza do condenado que sai do sistema penitenciário - porque amparada na realidade visível, crua e escancarada - permitindo-se prova em sentido contrário. E, por se tratar de decisão judicial, poderá o juiz competente, ao analisar o pleito de extinção da punibilidade, indeferi-lo se, mediante concreta motivação, indicar evidências de que o condenado possui recursos que lhe permitam, ao contrário do que declarou, pagar a multa.
[..]
18. No caso em debate, o Juízo singular procedeu ao exame das condições socioeconômicas a que submetido o apenado, a fim de averiguar a possibilidade de incidência da tese firmada no Tema 931, o que o levou a concluir pela vulnerabilidade econômica do recorrido. O Tribunal, ao cassar a decisão que reconhecera a extinção da punibilidade do recorrente, aduziu que "a multa, enquanto pena, legitima sua cobrança pelo Ministério Público, não comportando a declaração antecipada de sua extinção pendente seu pagamento e enquanto exigível" (fl. 79), isso sem que tenha o Parquet estadual, em seu recurso de agravo, colacionado aos autos elementos probatórios hábeis a demonstrar a capacidade financeira do apenado para arcar com o imediato pagamento da pena de multa.
19. A presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, a fim de permitir a concessão da gratuidade de justiça, possui amparo no art. 99, § 3º, do Código de Processo Civil, segundo o qual "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural", podendo ser elidida caso esteja demonstrada a capacidade econômica do reeducando.
20 . Recurso especial provido para restabelecer a decisão de primeiro grau e fixar a seguinte tese: O inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária.[27]
Em síntese, no voto que ensejou a alteração do entendimento[28], o relator Ministro Rogério Schietti destacou a existência de distinguishing, considerando que os precedentes anteriores haviam sido firmados considerando condenados que (i) possuíam condições financeiras de adimplir a multa e (ii) haviam praticado crimes de colarinho branco ou contra à Administração Pública, os quais representariam menos de 1% das pessoas atualmente encarceradas. Por essa razão, com fundamento no art. 5º da Constituição Federal[29], que trata do princípio da isonomia, entendeu ser necessário tratar de maneira desigual aqueles que se encontram em situações diversas.
No voto ainda constou que o não reconhecimento da extinção de punibilidade gera um prolongamento do status de reincidente, tendo em vista que o período depurador estabelecido no art. 64, I do Código Penal apenas se inicia com o cumprimento integral ou extinção da pena[30]. Assim, em muitos casos, os condenados acabam tendo que aguardar a prescrição da pena de multa para que haja a extinção da punibilidade.
Registre-se que, em que pese a prescrição da pretensão punitiva da multa ser de 2 (dois) anos, se essa for a única cominada, caso aplicada juntamente com a pena privativa de liberdade, deverá observar o prazo desta pena[31]. Convertida a multa em dívida de valor, por sua vez, passam a ser aplicáveis as normas relativas à dívida ativa de modo que a prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos[32].
O Ministro ainda mencionou que os egressos do sistema prisional possuem maiores dificuldades de ingresso no mercado de trabalho, em razão do preconceito existente na sociedade devido ao rótulo de “ex-presidiário” e ainda, costumam ter negado o acesso à benefícios de transferência de renda, eis que as restrições de direitos políticos se perpetuam enquanto não há extinção da punibilidade, impedindo a apresentação de quitação eleitoral exigidas por alguns programas de assistência social. Nesse contexto, o Ministro concluiu que haveria presunção de miserabilidade do egresso do sistema prisional, destacando que bastaria a declaração de hipossuficiência, nos termos do art. 99, §3º do Código de Processo Civil[33] para que houvesse a extinção de punibilidade.
Como consequência, caberia ao Ministério Público, comprovar que o condenado possui condições financeiras para adimplir a pena de multa, hipótese em que seria lícita ao juiz, de maneira fundamentada, não declarar a extinção da punibilidade.
Posteriormente, contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7032/DF, indicou que “a pena de multa obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade, salvo na situação de comprovada impossibilidade de seu pagamento pelo apenado, ainda que de forma parcelada”. Transcreve-se a ementa:
Ementa. Embargos de Declaração. Art. 51 do Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal). Pena de Multa. Extinção da punibilidade. Alegada hipossuficiência do condenado. Omissão e contradição. Amicus curiae. Controle concentrado de constitucionalidade. Ausência de legitimidade recursal. Precedentes. Não conhecimento. I. Caso em exame 1. Embargos de declaração contra acórdão pelo qual parcialmente provido o pedido, “para conferir ao art. 51 do Código Penal interpretação no sentido de que, cominada conjuntamente com a pena privativa de liberdade, a pena de multa obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade, salvo na situação de comprovada impossibilidade de seu pagamento pelo apenado, ainda que de forma parcelada, acrescentando, ainda, a possibilidade de o juiz de execução extinguir a punibilidade do apenado, no momento oportuno, concluindo essa impossibilidade de pagamento através de elementos comprobatórios constantes dos autos”. II. Questão em discussão 2. Omissão e obscuridade no que tange à extinção da punibilidade, na hipótese de alegada hipossuficiência do condenado. III. Razão de decidir 3. Ausência de legitimidade recursal. IV. Dispositivo e tese 4. Embargos de declaração não conhecidos. 5. Tese de julgamento: “O amicus curiae não tem legitimidade recursal no âmbito dos processos do controle concentrado de constitucionalidade”. _________ Jurisprudência relevante citada: ADI 7300 ED, Relator Cristiano Zanin, j. 07-05-2024; ADI 7310 ED, Relator Dias Toffoli, j. 04-12-2023; ADI 4233 ED, Relator Alexandre de Moraes, j. 21-11-2023; ADI 7092 ED, Relator Edson Fachin, j. 18-10-2023; ADI 6245 ED, Relator Roberto Barroso, j. 19-06-2023.[34]
O relator Ministro Flávio Dino, em que pese mencionar a alteração do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no Tema 931, fixou tese diversa, na medida que exigiu a comprovação de hipossuficiência financeira para que seja extinta a pena. Passou, nesse contexto, a impor ao acusado o ônus de demonstrar sua situação econômica, destacando que deveria ser avaliada a incapacidade considerando a impossibilidade de parcelamento do valor da multa, in verbis:
Acresço que o Superior Tribunal de Justiça atualizou a sua jurisprudência sobre a questão, tendo revisado, em 2020, o seu Tema 931 i) para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena [...]
Nesse contexto, em atenção ao princípio da proporcionalidade da resposta penal, julgo necessário assentar que a impossibilidade de pagamento da pena de multa deve ser sopesada pelo juízo da execução, e, uma vez demonstrada, afastado o óbice à extinção da pena privativa de liberdade.
Assim sendo, dou parcial provimento ao pedido, para conferir ao art. 51 do Código Penal interpretação no sentido de que, cominada conjuntamente com a pena privativa de liberdade, a pena de multa obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade, salvo na situação de comprovada impossibilidade de seu pagamento pelo apenado, ainda que de forma parcelada. Acrescento ainda a possibilidade de o juiz de execução extinguir a punibilidade do apenado, no momento oportuno, concluindo essa impossibilidade de pagamento através de elementos comprobatórios constantes dos autos.[35]
No citado processo, também o Ministro Cristiano Zanin se manifestou, indicando que seria incompatível com a dignidade humana e com a própria eficiência do Poder Judiciário impedir a extinção da punibilidade do apenado hipossuficiência econômico, os quais são a maior parte da população carcerária.
Por outro lado, impedir a extinção da punibilidade e a reabilitação do apenado hipossuficiente perante a sociedade é contraproducente e incompatível com a dignidade humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
É importante observar a realidade das Varas Criminais e de Execução Penal. Os apenados normalmente são pessoas de baixa renda:
[...]
Tal solução, entendo, é mais consentânea com o objetivo da ressocialização e com a realidade da população carcerária brasileira e, ainda, com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, III). Também parece estar mais alinhada com a busca da eficiência do serviço judiciário que emerge da garantia prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República.[36]
Zanin, em que pese ter se alinhado integralmente ao voto do relator, ressaltou que, quanto ao apenado em situação de rua, há presunção de hipossuficiência econômica, mencionando que o parágrafo único do art. 29 da Resolução nº 425/2021, do Conselho Nacional de Justiça, estabelece que “cumprida a pena privativa de liberdade e verificada a situação de rua da pessoa egressa, deve-se observar a possibilidade de extinção da punibilidade da pena de multa”[37].
Posteriormente, em junho de 2024, a Quinta Turma proferiu decisão negando o direito a extinção da punibilidade por falta de provas da citada condição. Transcreve-se a ementa do citado julgado:
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NÃO PAGAMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA n. 7, STJ.
I - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 3.150/DF, decidiu que a Lei n. 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5.º, inciso XLVI, alínea "c", da Constituição da República.
II - "O inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária" (Tema n. 931).
III - No caso dos autos, a hipossuficiência não foi comprovada, não havendo que se falar em presunção dessa condição por se tratar de réu patrocinado pela Defensoria Pública. Desse modo, a pretensão recursal requer o reexame de fatos e provas para elidir as conclusões do Tribunal de origem, o que atrai, inevitavelmente, o óbice da Súmula n. 7, STJ.
Agravo regimental desprovido.[38]
No citado processo, o Ministro Relator indicou que “a hipossuficiência não foi comprovada, não havendo que se falar em presunção dessa condição por se tratar de réu patrocinado pela Defensoria Pública”[39].
Apesar de ter havido menção ao Tema 931, não houve uma fundamentação mais detalhada para estabelecer um distinguishing quanto ao sobre a presunção de miserabilidade com base na declaração do condenado.
No voto, o relator ainda consignou que o Juiz de piso indicou que não havia hipossuficiência em razão do condenado ter pago fiança estipulada cautelarmente, sem contudo, mencionar o valor da citada fiança, o valor da atual remuneração do agente e nem se tal medida acautelatória foi paga por familiares, o que reforçaria o impacto desproporcional das sanções pecuniárias quanto à famílias de baixa renda.
Nesse contexto, o Ministro Relator, em que pese não ter mencionado a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7032, adotou uma lógica parecida com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal quanto a transferir ao condenado a responsabilidade por demonstrar sua hipossuficiência financeira. A decisão do Supremo Tribunal Federal, assim, parece ter se reaberto a discussão sobre a distribuição do ônus da prova quanto à miserabilidade.
5.Conclusão
A Lei nº 9.268/1996 alterou o art. 51 do Código Penal passando a considerar a multa uma dívida de valor. Apesar disso, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.150/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a multa manteve seu caráter de sanção penal prevista no art. 5º, XLVI da Constituição Federal.
Em razão da manutenção do caráter penal, torna-se importante avaliar a questão da extinção da punibilidade, quando já houve cumprimento da sanção corporal, pendente apenas o pagamento da multa.
Em que pese os Tribunais Superiores terem reconhecido que, nos casos de incapacidade financeira, é possível a extinção da punibilidade, há uma divergência sobre a distribuição do ônus da prova. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entende que caberia à defesa comprovar a hipossuficiência do réu (ADI 7032), enquanto o Superior Tribunal e Justiça indicou que haveria presunção de miserabilidade, bastando uma declaração de insuficiência de recursos, nos termos do art. 99, §2º, Código de Processo Civil (Tema 931).
Importante mencionar que o Tema 931 julgado pelo Superior Tribunal de Justiça tem caráter de precedente vinculante, na medida em que foi julgado pelo rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.039 do Código de Processo Civil[40]. De outro lado, também decisões em ações diretas de inconstitucionalidade também possuem efeitos vinculantes, conforme previsão do art. 102, §2º da Constituição Federal[41].
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, contudo, parece mais adequado a realidade brasileira, eis que, conforme estudo do SENAPPEN, a maior parte das pessoas encarceradas sequer exercem atividade remunerada[42], tendo o ministro Rogério Schetti ainda destacado que a dificuldade dessa população de conseguir ingressar no mercado de trabalho após a saída do sistema prisional, em virtude do rótulo de “ex-presidiário”.
A lógica baseada no julgamento de crimes de colarinho branco ou contra a Administração Pública, de considerar a multa como tendo finalidades retributiva e de prevenção especial, não deve ser aplicada para pessoas hipossuficientes financeiras, que são a maioria do sistema carcerário.
Nesse contexto, a não extinção da punibilidade acaba por gerar prejuízos a própria família do condenado, em especial, considerando a possibilidade de penhora de salários, pecúlio (conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça) e até mesmo bens imóveis, violando o princípio da intrascendência da pena e reforçando a marginalização desses grupos.
A inversão do ônus da prova quanto a prova da incapacidade financeira também pode gerar prejuízos, pela dificuldade de realizar a referida prova, em especial, considerando que o Supremo Tribunal Federal entendeu que seria necessário considerar a inviabilidade de pagamento até mesmo de forma parcelada.
Acrescente-se que a execução da pena de multa nessas situações, além de violar direitos fundamentais, gera gastos desnecessários ao Poder Público, pois permite o trâmite de ações executivas inevitavelmente infrutíferas ou de valores ínfimos (inferiores a R$ 20.000,00, os quais não permitiriam o ajuizamento de execução fiscal em hipóteses que o crédito tivesse outra origem), contrariando até mesmo o princípio da eficiência previsto na Constituição Federal.
Referências
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BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em agosto de 2024.
BRASIL. Decreto Federal nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11864.htm. Acesso em agosto de 2024.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 2.069.230/SC. Inteiro teor disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202301451154&dt_publicacao=17/06/2024. Acesso em agosto de 2024.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150, Relator(a): Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2018, DJe publicado em 06-08-2019
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 7032, Relator(a): Flávio Dino, Tribunal Pleno, julgado em 17-06-2024, DJe publicado em 26-06-2024
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 470, Relator(a): Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2018, DJe publicado em 06-08-2019
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 1030 AgR-quinto, Segunda Turma, julgado em 20-10-2020, DJe-295 publicado em 18-12-2020
CACICEDO, Patrick Lemos. artigo O Princípio da Less Eligibility, a Legalidade na Execução Penal e os Tribunais Superiores. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 306-316, jan./fev. 2015
MASSON. Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). São Paulo: Editora Método. 2024. Ebook.
SENAPPEN. Estudo sobre a pena de multa no Brasil. Inadimplemento e seus efeitos para a reintegração social de pessoas egressas do sistema prisional. Brasília, 2023
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 738.
[2] Transcreve-se o teor do art. 44, §2º do Código Penal: “Art. 44 As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade [...] § 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.”
[3] Transcreve-se o teor do art. 60, §2º do Código Penal “Art. 60 [...] § 2º - A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código”.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 470, Relator(a): Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2018, DJe publicado em 06-08-2019
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150, Relator(a): Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2018, DJe publicado em 06-08-2019
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 1030 AgR-quinto, Segunda Turma, julgado em 20-10-2020, DJe-295 publicado em 18-12-2020
[7] MASSON. Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). São Paulo: Editora Método. 2024. Ebook.
[8] MASSON. Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). São Paulo: Editora Método. 2024. Ebook.
[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 470, Relator(a): Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2018, DJe publicado em 06-08-2019
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3150, Relator(a): Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2018, DJe publicado em 06-08-2019
[11] MASSON. Cleber. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). São Paulo: Editora Método. 2024. Ebook.
[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 738.
[13] Transcreve-se o teor do art. 833 do Código de Processo Civil: “Art. 833. São impenhoráveis: [...] IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º”.
[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2.113.000/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 10/4/2024
[15] Transcreve-se o teor do art. 833, §2º do Código de Processo Civil: “Art. 833 [...] § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .”
[16]Transcreve-se o teor do art. 226 da Constituição Federal: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
[17] Transcreve-se o teor do art. 1º, III da Constituição Federal: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;”
[18] Transcreve-se o teor do art. 3º, III da Constituição Federal: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [..] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”
[19] De acordo com o Supremo Tribunal Federal, “O patamar mínimo diferenciado de remuneração aos presos previsto no artigo 29, caput, da Lei de Execução Penal não representa violação aos princípios da dignidade humana (artigo 1º, III, da CRFB) e da isonomia (artigo 5º, caput, da CRFB), sendo inaplicável à hipótese a garantia de salário mínimo prevista no artigo 7º, IV, da Constituição.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 336, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01-03-2021, DJe publicado em 10-05-2021) O posicionamento do Supremo Tribunal Federal merece críticas, por se basear em uma lógica da Teoria do Less Eligibility que determina “que as condições de vida do cárcere devem ser acentuadamente piores que as condições de vida dos mais precários trabalhadores livres para que preserve seu caráter punitivo”, teoria tratada no artigo O Princípio da Less Eligibility, a Legalidade na Execução Penal e os Tribunais Superiores, de Patrick Cacicedo (CACICEDO, Patrick Lemos. artigo O Princípio da Less Eligibility, a Legalidade na Execução Penal e os Tribunais Superiores. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 306-316, jan./fev. 2015). Deixa-se de tecer maiores críticas sobre o tema, por não ser o objeto central do presente trabalho.
[20] BRASIL. Decreto Federal nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11864.htm. Acesso em agosto de 2024.
[21] De acordo com o art. 1º da Lei nº 8009/1990 “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”
[22] Conforme art. 6º da Constituição Federal “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
[23] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2.157.286/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 12/9/2024
[24] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.823.159/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/10/2020, DJe de 19/10/2020.
[25] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 931. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=931&cod_tema_final=931. Acesso em agosto de 2024.
[26] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 931. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=931&cod_tema_final=931. Acesso em agosto de 2024.
[27] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2.024.901/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 28/2/2024, DJe publicado em 01/3/2024.
[28] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2.024.901/SP. Inteiro teor disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202202810712&dt_publicacao=01/03/2024. Acesso em agosto de 2024.
[29] Transcreve-se o teor do art. 5º da Constituição Federal “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, [...]”
[30] De acordo com o art. 64 do Código Penal “Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”
[31] O art. 114 do Código Penal estabelece que “A prescrição da pena de multa ocorrerá: I - em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.”
[32] O art. 174 do Código Tributário Nacional prevê que “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”
[33] Transcreve-se o parágrafo 3º do art. 99 do Código de Processo Civil “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”
[34] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 7032, Relator(a): Flávio Dino, Tribunal Pleno, julgado em 17-06-2024, DJe publicado em 26-06-2024
[35] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 7032. Inteiro teor disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=775871885. Acesso em agosto de 2024.
[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 7032. Inteiro teor disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=775871885. Acesso em agosto de 2024.
[37] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 425, de 08 de outubro de 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4169. Acesso em agosto de 2024.
[38] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 2.069.230/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe publicado em 17/6/2024
[39] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 2.069.230/SC. Inteiro teor disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202301451154&dt_publicacao=17/06/2024. Acesso em agosto de 2024.
[40] Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.
[41] Art. 102 [...] §2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
[42] De acordo com o citado estudo: “É importante lembrar que a maior parte da população em cumprimento de pena privativa de liberdade no país é formada por pessoas negras, de baixa renda e, em geral, com baixíssima ou sem qualquer escolaridade. Entre as pessoas encarceradas, poucas exercem atividade com remuneração. 44,61% de homens encarcerados e 19,84% de mulheres em cumprimento de pena privativa de liberdade realizam trabalho na prisão sem receber qualquer remuneração. Entre as pessoas remuneradas, 47,3% recebem até um salário mínimo. E 7,93% chegam a receber dois salários mínimos, conforme dados do Sisdepen (no período de janeiro a junho de 2023). Como destacam André Ferreira e Juliana Costa Hashimoto Bertin (2021, p. 141), na ADPF nº 336/2021, o STF julgou recepcionado pela Constituição o artigo 29 da Lei de Execuções Penais, que autoriza a fixação do salário mínimo da pessoa encarcerada abaixo do mínimo legal constitucional” (SENAPPEN. Estudo sobre a pena de multa no Brasil. Inadimplemento e seus efeitos para a reintegração social de pessoas egressas do sistema prisional. Brasília, 2023, p. 15).
Advogada. Mestre em Direito e Administração Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Maria Gabriela Freitas. Breves considerações sobre a multa penal à luz da hipossuficiência econômica: divergência entre STJ e STF sobre a extinção da punibilidade e impactos para as famílias dos apenados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 out 2024, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66834/breves-consideraes-sobre-a-multa-penal-luz-da-hipossuficincia-econmica-divergncia-entre-stj-e-stf-sobre-a-extino-da-punibilidade-e-impactos-para-as-famlias-dos-apenados. Acesso em: 10 dez 2024.
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