INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, em face do princípio da legalidade, que impõe à Administração Pública uma submissão à lei, a doutrina administrativa tradicional, tendo como seu maior expoente Hely Lopes Meirelles, entendia que os atos administrativos no que se refere aos vícios em sua formação, somente poderiam ser considerados válidos, se não contivessem vícios, ou nulos caso apresentassem vícios pertinentes a algum de seus requisitos essenciais.
Defendiam os participantes desta doutrina que no Direito Administrativo, ramo do Direito Público, não haveria ato anulável, vez que a única “vontade” que se pode se cogitar na edição de um ato administrativo é a “vontade” da lei. Portanto, existindo vício, o ato seria ilegal, e a única providência seria declarar sua nulidade.
Com a evolução da Doutrina, passou-se a verificar a gradação dos vícios dos atos administrativos, dando-lhes tratamento diferenciado, que vai desde a completa nulidade até a manutenção pura e simples, dos atos portadores de irregularidade.
A restauração da legalidade de um ato administrativo não é feita apenas por meio de sua invalidação, através da convalidação também se preserva a legalidade da atividade administrativa, na medida em que se corrige o vício que maculou o ato, assegurando assim os efeitos do ato produzido com vício.
Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 235) a convalidação ou saneamento é o “ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi praticado”.
Mas nem sempre é factível a convalidação do ato administrativo, vai depender do tipo de vício que o macula, e de que elemento do ato administrativo foi praticado com vício, não sendo ponto convergente na Doutrina, quais seriam os vícios considerados sanáveis.
Pode então ocorrer à convalidação dos atos administrativos, desde que sanáveis seus vícios, e assim evitar a desconstituição dos atos ou relações jurídicas que podem ser albergados pelo sistema normativo, e desta forma, atender a um dos aspectos do princípio da proporcionalidade, qual seja, a de ser adotada a providência menos onerosa para o cidadão.
Desse modo, a atitude da Administração deve ser adequada ao direito (legalidade em sentido amplo) e não só a legalidade em sentido estrito, isso ocorre, porque o princípio da legalidade, mesmo sendo fundamental num Estado de Direito, deve ser observado em consonância com outros princípios existentes no ordenamento jurídico, como o princípio da segurança jurídica e o princípio da boa-fé, princípios que visam proteger o cidadão quando de suas relações com o Estado.
Trate-se de um tema ainda pouco explorado pela doutrina, mas de grande utilidade prática na solução de uma série de problemas que deixam o operador do direito numa situação complexa, quando se depara com situações onde ao mesmo tempo tenha havido uma desconformidade com a lei, haja também um relevante interesse público.
Normalmente encontramos tratadistas de direito administrativo que se restringem a negar a possibilidade da convalidação do ato, em atenção ao princípio da legalidade estrita do direito administrativo brasileiro, positivada na Constituição Federal de 1988, outros, no entanto, se limitam a dizer quais os tipos de vícios e quais os elementos do ato administrativo com tais vícios que podem ser convalidados, mas também sem um estudo mais aprofundado da matéria.
Recentemente a Lei nº 9784/1999, que regulou os processos administrativos no âmbito da Administração Federal, frontalmente divergiu da Doutrina Clássica quanto à possibilidade de convalidação de atos administrativos, trazendo a possibilidade expressa de convalidação, por iniciativa da administração, de atos administrativos que apresentem defeitos sanáveis quando em decorrência destes não ocorrer lesão ao interesse público, nem prejuízos a terceiros.
No entanto, ainda são muitas as divergências doutrinárias, que dizem respeito à possibilidade de convalidação dos atos administrativos viciados, quais defeitos são considerados sanáveis, até que ponto prepondera o interesse público, quando há um dever e quando há faculdade de convalidar, entre outros, de maneira que se pretende estudar uma forma segura de solucionar os problemas decorrentes de tais defeitos, analisando os estudos que tratam do assunto em consonância com os princípios que informam o Direito Administrativo.
Pretende-se neste trabalho analisar até onde pode, ou mesmo, deve o administrador público convalidar os atos administrativos portadores de vícios em sua formação.
Para tanto, deve-se estudar o conceito de ato administrativo, seus requisitos ou elementos, os vícios que podem existir em sua formação e suas conseqüências.
Convém também verificar quais atos administrativos são nulos, anuláveis ou inexistentes, e até onde podem ou devem ser convalidados, anulados ou confirmados, esclarecendo o tratamento jurídico dado no Brasil pela doutrina, jurisprudência e legislação.
Como conseqüência dos conceitos debatidos, será enfocado o tema sob a perspectiva da atividade prática do administrador público, que diante do dever de anular os atos ilegais, poderá deixar de fazê-lo, quando o prejuízo resultante da anulação puder ser maior do que o decorrente da manutenção do ato ilegal, ponderado pelos princípios norteadores do Direito Constitucional e Administrativo.
1 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
1.1 Legalidade
Princípio contido na Lei nº 9784/99, expressamente previsto pelo art. 37 da Constituição Federal, impõe que a Administração Pública atue na forma da lei, autorizada e limitada por ela, devendo ser a legalidade a diretriz básica que deve nortear a atuação de todos os agentes da Administração.
Enquanto os particulares podem fazer tudo que a lei não vede, a Administração Pública só pode atuar quando a lei assim preveja, observando-se as diferenças entre as relações jurídicas de direito público e as relações jurídicas de direito privado.
Sem embargo do exposto, em relação aos chamados atos discricionários, a conduta do agente, embora tenha ele certa margem de escolha, deve limitar-se a um conjunto de situações possíveis, tendo o agente o poder-dever de escolher a melhor conduta, com o fim de satisfazer o interesse público.
Contudo, não se deve cingir-se em interpretar que o princípio ora em questão, significa dizer que o agente público seja um simples cumpridor formal da lei, haja vista a necessidade de se analisar o caso concreto, em harmonia com outros princípios norteadores do direito.
1.2 Boa-fé
Os administrados têm uma relação de confiança nas ações do Estado, no que tange sua correção e conformidade com a lei.
O princípio da boa-fé dos administrados muitas vezes colide com o princípio da legalidade da Administração Pública, principalmente quando levarmos em conta a questão da presunção de legitimidade dos atos administrativos.
Desta forma, é perfeitamente compreensível que certas transgressões ao texto legal sejam cometidas pela falta de conhecimento da lei, em clara atitude de boa-fé, fato que não pode ser desprezado pelo Direito. Em tais situações é extremamente útil a observação das intenções das partes envolvidas, pois a existência ou não da boa-fé é relevante para o Direito.
Sendo assim, não se pode deixar de afirmar que no tocante ao processo administrativo, nas decisões referentes à invalidação ou convalidação dos atos administrativos, devem ser consideradas a boa-fé dos particulares envolvidos, suas intenções, pois estas circunstâncias são essenciais para o Direito.
O princípio da boa-fé foi positivado em nosso ordenamento jurídico pela já citada Lei 9784/99 que trata dos processos administrativos no âmbito federal.
1.3 Segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica prevê que não se deve desconstituir, de maneira injustificada, algumas situações jurídicas, mesmo que tenha havido certa inconformidade com o texto legal durante sua constituição.
Tal princípio também conhecido como da estabilidade das relações jurídicas, visa preservar certos atos administrativos, atingidos por vícios jurídicos que geram simples irregularidades, o qual, a despeito do vício, atinge o objetivo de interesse público almejado.
A segurança jurídica tem por escopo primordial, dentro do processo administrativo, a garantia da certeza da aplicação justa da lei.
Muitas vezes o desfazimento do ato ou da situação jurídica por ele criada pode ser mais prejudicial do que sua manutenção. Não há por que invalidar um ato que tenha atingido sua finalidade, sem causar danos ao interesse público ou a terceiros.
A Lei 9784/99 trata do princípio da segurança jurídica em duas oportunidades, primeiramente como princípio do processo administrativo, depois no art.55 quando determina a convalidação de decisões proferidas com vícios sanáveis, que não acarretem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros.
1.4 Interesse público
Princípio expressamente previsto na Lei 9784/1999, é decorrente dos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa, presentes no texto constitucional, e tem por objetivo guiar toda atuação administrativa em prol do interesse comum do conjunto de cidadãos.
O agente público tem como obrigação perseguir a realização daquilo previamente qualificado como de interesse público, sua atividade deve ser o bem comum, o atendimento aos reclamos da sociedade, uma vez que esta é sua função.
Não se pode conceber o administrador público, que é gestor de bens e interesses coletivos, afeto a interesses privados, desrespeitando o interesse público
2 CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO
Muitos são os conceitos existentes que bem definem o ato administrativo, por isso faz-se oportuno transcrever alguns conceitos elaborados pelos mais renomados doutrinadores.
Assim sendo, vale destacar o conceito dado por Hely Lopes Meirelles (2003, p. 133), segundo o qual “ato administrativo é toda manifestação da vontade unilateral da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”.
Já para Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 352) é possível conceituar ato administrativo como sendo:
declaração do Estado( ou de quem lhe faça as vezes- como, por exemplo, um concessionária de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento , e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.
Por fim, não se pode deixar de citar o conceito dado por José dos Santos Carvalho Filho (2003, p. 85) que bem condensa e complementa os já descritos nos parágrafos precedentes. Para ele ato administrativo pode ser considerado como “exteriorização da vontade da Administração Pública ou de seus delegatários que, sob regime de direito público, tenha por fim adquirir, resguardar, modificar, transferir, extinguir e declarar situações jurídicas, com o fim de atender ao interesse público”.
Cumpre destacar o estudo feito por Maria Sylvia Di Pietro (2003, p. 185-189) acerca das bases utilizadas por alguns autores para conceituar a matéria, ora admitindo um critério subjetivo, ora um critério objetivo. Com base no primeiro, levar-se-i-a em conta o órgão de onde se origina à vontade, o que deve ser desconsiderado, tendo em vista que seria lógico que o único sujeito da Administração Pública, ou quem lhe faça às vezes. Devendo ser levado em consideração apenas o segundo o qual o ato administrativo somente é aquele praticado no exercício concreto da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos.
Em síntese, pode-se se conceituar ato administrativo como aquele emanado de autoridade no exercício do poder de administrar. Pode, dessa forma, qualquer dos integrantes dos diversos poderes constituídos, emanar atos administrativos. Exemplo, a designação de servidor para o exercício de função de confiança pelo Diretor do Fórum. É magistrado, contudo pratica atos de gestão da coisa pública, sempre em conformidade com a lei, nos limites da discricionariedade administrativa.
2.1 Atos da Administração e Fatos Administrativos
Para que não paire dúvidas acerca dos conceitos expostos, cabe registrar que nem todos os atos da administração são considerados atos administrativos em sentido estrito.
Entre os atos da administração encontram-se: os atos privados, praticados pela administração quando abre mão de sua supremacia de Poder Público, praticado-os em regime de Direito Privado; os atos da administração, que são os atos materiais da administração que não contêm manifestação de vontade, mas sim mera manifestação material da mesma, de ordem prática, de execução, como a construção de uma escola ou a limpeza da rua; e ainda os atos políticos, praticados diretamente em obediência à Constituição, no exercício de função puramente política.
Por sua vez os fatos administrativos podem ser voluntários ou naturais. Sendo que os primeiros podem ser atos administrativos propriamente ditos ou outras condutas administrativas, já descritas, que não se enquadram no conceito de ato administrativo. Já os fatos administrativos naturais, se originam de fenômenos da natureza, que se refletem no campo da administração pública, como por exemplo, uma enchente que veio a destruir uma ponte.
3 REQUISITOS OU ELEMENTOS
Nos mais diversos livros que tratam do tema, não é encontrada convergência sobre o uso das expressões “requisitos” ou “elementos” do ato administrativo. Parece que tais termos se completam, na verdade, ora seriam verdadeiros requisitos do ato, ora elementos do ato.
Neste trabalho procurou-se utilizar as expressões de forma indistintas, tendo em vista que não é objetivo dele discorrer sobre o exato uso do termo, que parece irrelevante no momento, e que necessitaria de um estudo mais aprofundado.
Também não há unanimidade entre os estudiosos quanto a quais e quantos elementos possuem o ato. A orientação adotada neste trabalho segue o Professor José dos Santos Carvalho Filho (2003, p. 86) que prefere recorrer ao que já é adotado no direito positivo brasileiro a partir da Lei nº 4717, de 29-6-65 (Lei da Ação Popular), cujo artigo 2º, ao indicar os atos nulos, menciona os cinco elementos dos atos administrativos, a saber: competência, forma, objeto, motivo e finalidade.
3.1 Competência
Para Maria Sylvia Di Pietro (2003, p.196) a terminologia correta deveria ser “Sujeito” e não “Competência”, vez que além de competente o sujeito deve ser capaz nos termos do Código Civil, ou seja, tem que ser titular de direitos e obrigações que possa exercer, por si ou por terceiros.
Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da administração para o desempenho específico de suas funções. Portanto, por ser condição necessária para a validade do ato administrativo, nenhum ato pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo. Daí, a afirmação feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 196) “sujeito é aquele a quem a lei atribui competência para a prática do ato”.
Ainda de acordo com Di Pietro (2003, p. 197), à competência administrativa aplicam-se as seguintes regras:
1. Decorre sempre da lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si, as suas atribuições;
2. É inderrogável, seja pela vontade da Administração, seja por acordo com terceiros; isto porque a competência é conferida em benefício do interesse público;
3. Pode ser objeto de delegação ou de avocação, desde que não se trate de competência conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei.
A Lei nº 9784/99 em seus arts. 11 a 17 disciplina totalmente a matéria no âmbito da Administração Federal, prevendo, inclusive, hipóteses nas quais não poderá haver delegação de competência e outras que admitem em caráter excepcional à avocação.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p.363) deve-se estudar a capacidade da pessoa jurídica que praticou o ato, a quantidade de atribuições do órgão que o produziu, a competência do agente emanador do ato e a existência ou inexistência de óbices a sua atuação no caso concreto, como situações em que haja impedimento.
O requisito competência, quando exercido além dos limites estabelecidas na lei, dá lugar a uma das modalidades de abuso de poder, denominada excesso de poder. Ocorre excesso de poder quando o agente administrativo, embora competente para praticar o ato, ultrapassa suas atribuições legais, seja agindo além do que a lei permite, seja procurando burlar os limites legais para exorbitar de suas atribuições.
Vê-se que há casos em que a inobservância dos fatores conduz a invalidação do ato, o que como veremos pode levar a anulação ou a convalidação do ato.
3.2 Forma
Em função da observância da legalidade na edição de seus atos, deve a Administração, sob pena de invalidação dos mesmos, observar as formalidades cabíveis.
Não seria exagero afirmar que em boa parte dos recursos administrativos, senão na maioria deles, nos mais diversos órgãos responsáveis pelo julgamento de processos administrativos, contém argumentos relacionados à inobservância deste requisito.
A forma é o revestimento exteriorizador do ato administrativo, constituindo requisito sempre vinculado e imprescindível à validade do ato.
Ocorre que em alguns casos a sua inobservância não deve ser utilizada como instrumento cabal para sua anulação, por não ter interferido com a segurança e certeza em relação ao conteúdo do ato, como vai ser visto oportunamente no decorrer deste trabalho.
Todo ato administrativo é, em princípio, formal e a forma exigida pela lei quase sempre é a escrita, por razões de segurança e certeza jurídicas, no entanto, há atos expressos por via oral, como também por gestos, que devem ser considerados como exceção.
Para o entendimento mais detalhado deste requisito convém relatar o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 200) que diz haver na doutrina duas concepções da forma como elemento do ato administrativo, a saber:
1. uma concepção restrita, que considera forma como a exteriorização do ato, ou seja, o modo pelo qual a declaração se exterioriza; nesse sentido, fala-se que o ato pode ter a forma escrita ou verbal, de decreto, portaria, resolução etc.;
2. uma conceituação ampla, que inclui no conceito de forma, não só a exteriorização do ato, mas também todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato. (grifos da autora)
3.3 Objeto
Tratando-se o ato administrativo de espécie do gênero ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, em decorrência dele, cria-se, extingue-se, ou transforma-se um determinado direito. Esse efeito jurídico é o objeto ou conteúdo do ato, como prefere designar alguns doutrinadores.
O objeto do ato administrativo identifica-se com seu próprio conteúdo, por meio do qual a Administração manifesta seu poder e sua vontade, ou mesmo atesta situações preexistentes.
Sendo assim, poderia se exemplificar como objeto do ato, a investidura do servidor no cargo público no ato da posse; também seria objeto da aplicação de uma multa punir o transgressor de uma regra administrativa.
Na lição de José dos Santos Carvalho Filho (2003, p. 90) um ato administrativo para ser considerado válido deve ter um objeto lícito. Por certo, como já dissemos, sendo o ato administrativo espécie do gênero ato jurídico, deve ser ele também lícito, possível, determinado ou determinável, pois é assim que preceitua o art. 104 do Código Civil quando se refere ao ato jurídico.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p.200) acrescenta que o objeto do ato tem que ser moral, ou seja, deve estar em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos.
3.3.1 Atos Discricionários e Vinculados
Convém destacar que nos atos administrativos discricionários - naqueles onde o administrador se depara com vários objetos possíveis para o mesmo fim, sendo todos eles válidos perante o direito - o objeto fica a cargo do administrador, conforme seu critério de valor, conveniência e oportunidade, constituindo essa liberdade opcional o mérito do ato administrativo.
Outrossim, nas hipóteses em que a lei dispõe que o autor do ato se limite a fixar o objeto previamente estabelecido pela lei estaremos diante de um ato vinculado.
Portanto, é a análise conjunta da existência ou não de liberdade do administrador no tocante à escolha do objeto e valoração dos motivos que permitirá classificar o ato como discricionário ou vinculado.
3.4 Motivo
Motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento para a prática do ato administrativo.
Como pressuposto de fato, deve este ser entendido como o conjunto de situações que levam a administração a praticar o ato, ao passo que a situação de direito é aquela descrita na lei, e que serve de base para a prática do ato.
Consoante o explicitado, tanto nos atos discricionários como nos vinculados, os requisitos motivo e objeto constituem elementos que diferenciam uns dos outros.
Assim sendo, o motivo pode vir tanto expresso na lei como pode ser deixado a critério do administrador, desta forma, quando o objetivo não for exigido para a perfeição do ato, fica o agente com a faculdade discricionária de praticá-lo sem motivação.
Registre-se que mesmo nos atos discricionários, quando houver motivação para o ato, ele só será válido se tais motivos forem verdadeiros, pois é assim que dita a Teoria dos Motivos Determinantes, se o administrador motivar um ato, cuja sua motivação não era exigida, este só será válido se os motivos forem positivos.
Esta motivação vem a ser a exposição de motivos que determinaram a prática do ato, a exteriorização da vontade.
3.5 Finalidade
Finalidade é o bem jurídico visado pelo ato, ou no conceito de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 202) “é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato”.
Ainda para Di Pietro (2003 ,p. 202) o objeto é o efeito jurídico imediato, que o ato produz, isto é, é aquisição, transformação ou extinção de direitos, enquanto, a finalidade é o efeito mediato.
E o objeto mediato de toda atuação da administração é a tutela do interesse público. Esta finalidade, elemento vinculado de qualquer ato administrativo, pode estar expressa ou, o que é mais comum, implícita na lei.
Também segundo Di Pietro (2003, p.202) a finalidade deve ser distinguida do motivo, pois este antecede a prática do ato, correspondendo aos fatos ou circunstâncias que antecedem e levam a prática do ato, ao passo que a finalidade sucede à prática do ato, porque corresponde a algo que a administração quer alcançar com a sua edição.
O elemento finalidade é sempre vinculado, ou seja, não existe liberdade do administrador, vem ela sempre expressa na norma legal ou implícita no ordenamento da Administração, e em sendo ela violada, quando se buscar um fim diverso do previsto legalmente, implica em ato com desvio de finalidade.
Desta forma, tendo o ato administrativo desatendido o seu interesse público, o ato poderá ser ilegal, por desvio de poder, o que pode dar ensejo a uma invalidação do ato administrativo portador do vício em seu elemento finalidade.
Portanto, seja infringida a finalidade legal do ato, tomada em sentido estrito, ou sendo desatendido o seu fim de interesse público, tomado em sentido amplo, o ato será ilegal por desvio de poder.
Tais modalidades, desvio de poder, que constitui vício quanto à competência, juntamente com o excesso de poder, que ocorre quando a autoridade ultrapassa o limite de suas atribuições este como vício do elemento competência, são vícios que afetam o ato e que devem ser corrigidos para se restaurar a legalidade da conduta da administração seja invalidade, seja convalidado o ato, como se verá no transcorrer deste trabalho com um maior detalhamento.
4 PERFEIÇÃO, VALIDADE E EFICÁCIA DO ATO ADMINISTRATIVO
Dentre as inúmeras classificações possíveis dos atos administrativos, Hely Lopes Meirelles (2003, p. 169), afirma que, quanto à sua eficácia, o ato pode ser válido, nulo e inexistente e, quanto a sua exeqüibilidade, o ato pode ser perfeito, imperfeito, pendente e consumado.
O ato válido é aquele que possui os elementos legais a sua conformação. Foi emanado por autoridade competente e está em harmonia com o sistema. Pode, contudo, não produzir efeitos porquanto pendente alguma condição ou termo.
Já o ato nulo, dita o jurista, está acometido por vício insanável em elemento essencial ou no processo formativo de modo a macular os seus efeitos. Ressalta, ainda, a necessidade do reconhecimento pela administração ou pelo judiciário, da referida nulidade, não podendo o particular simplesmente negar-se a cumprir ato sob esse fundamento. Observa que o efeito da declaração de nulidade do ato é retroativo, ressalvando-se apenas terceiros de boa fé. O autor não admite a convalidação de ato administrativo anulável, posto que não se pode dar ares de legalidade ao que nasceu despido dela. Quanto aos atos inexistentes, Meirelles entende-os ontologicamente iguais aos nulos, submetendo-se as mesmas regras que aquele.
Quanto à exeqüibilidade, o ato perfeito é aquele que reúne todos os elementos para produção de seus efeitos. O imperfeito, por sua vez, mostra-se carente de um ato complementar. O ato pendente é ato perfeito, no aguardo, contudo de verificação de termo ou condição. O ato consumado, já produziu seus efeitos, tornando-se, materialmente, irretratável e imodificável.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) enfatiza a relação entre a perfeição, validade e eficácia do ato administrativo. Corrobora os conceitos trazidos por Meirelles (2003), aprofundando-os, ao tempo em que reproduz as possibilidades de intercâmbio entre as diferentes qualificações do ato.
No que se refere à eficácia do ato administrativo, distingue os efeitos típicos dos atípicos. Di-lo eficaz quando apto a produzir seus efeitos típicos. Esclarece que, mesmo antes da produção dos efeitos ao qual destinado, já produz efeitos preliminares, como exemplo, o poder-dever de controlar atos ainda que não eficazes.
Em outro passo, pode produzir também, além de seus efeitos típicos, efeitos reflexos a eles concomitantes, tais quais os que influenciam na esfera de terceiros, que não estão diretamente envolvidos no ato proclamado.
Porquanto, Bandeira de Melo (2003, p. 346) apresenta estudo sistemático onde sintetiza as possibilidades de ocorrência das perseguidas qualificações. Revela que o ato pode ser:
a) perfeito, válido e eficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação, encontra-se plenamente ajustado às exigências legais e está disponível para deflagração dos efeitos que lhe são típicos;
b) perfeito, inválido e eficaz – quando, concluído seu ciclo de formação e apesar de não se achar conformado às exigências normativas, encontra-se produzindo os efeitos que lhe seriam inerentes;
c) perfeito, válido e ineficaz – quando, concluído seu ciclo de formação e estando adequado aos requisitos de legitimidade, ainda não se encontra disponível para eclosão de seus efeitos típicos, por depender de um termo inicial ou de uma condição suspensiva, ou autorização, aprovação ou homologação, a serem manifestados por autoridade controladora;
d) perfeito, inválido e ineficaz – quando, esgotado seu ciclo de formação, sobre encontrar-se em desconformidade com a ordem jurídica, seus efeitos ainda não podem fluir, por se encontrarem na dependência de algum acontecimento previsto como necessário para a produção dos efeitos (condição suspensiva ou termo inicial, ou aprovação ou homologação dependentes de outro órgão).
Para a formação e produção de efeitos o Prof. José dos Santos Carvalho Filho (2003, p.106) acrescenta também a exeqüibilidade.
A exeqüibilidade é a disponibilidade do ato para a produção imediata de efeitos, para a sua operatividade imediata. A exeqüibilidade seria um plus em relação à eficácia. Assim um ato administrativo pode ter eficácia, mas não ter ainda exeqüibilidade.
Desse modo, concluído o processo, tem a Administração Pública um ato eficaz, ou seja, apto a produzir efeitos. No entanto, pode ainda depender de um termo ou encargo, que só lhe dará exeqüibilidade, quando ocorrer o advento dos mesmos.
Para deixar bem clara sua diferença, destaquemos o exemplo dado por José dos Santos Carvalho Filho (2003, p.106), a saber: “uma autorização dada em dezembro para começar em janeiro do próximo ano é eficaz naquele mês, mas só se tornará exeqüível neste último”.
5 VÍCIOS NA FORMAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Os vícios na formação dos atos administrativos podem atingir os cinco elementos do ato, caracterizando os vícios quanto à competência, à forma, ao objeto, ao motivo e à finalidade.
5.1 Vícios quanto à competência
O elemento competência dá ensejo a vários tipos de vícios na formação do ato administrativo, entre eles estão o excesso de poder, a usurpação de função e o exercício de fato.
O excesso de poder é uma das modalidades de abuso de poder, que se dar quando o requisito competência é exercido além dos limites estabelecidos em lei.
Ocorre o excesso de poder quando, embora competente para a prática do ato, o agente o faz ultrapassando suas atribuições legais, seja agindo além do limite que a lei permite, seja procurando burlar os limites legais para exorbitar de suas atribuições.
De qualquer maneira, a modalidade de abuso de poder conhecida como excesso de poder decorre do vício no elemento competência, quando esta é exercida além daquilo que a lei permite, o que pode levar a nulidade do ato.
Como principais características da chamada competência administrativa temos a legalidade, a inderrogabilidade e a improrrogabilidade.
A legalidade explicita a regra de que a fonte normal da competência é a lei. Já com relação a inderrogabilidade tem-se que a competência de um órgão não é transferida a outro órgão por acordo de vontade entre as partes ou por consentimento do agente da administração.
No que se refere a improrrogabilidade, esta não se transforma em competência, ou seja, um órgão que hoje não é competente, não se tornará superveniente competente, sem que lei expressamente assim determine.
Quanto à usurpação de função, tal atitude é definida como crime no art. 328 do Código Penal que assim dispõe: “usurpar o exercício de função pública”.
Esta conduta é efetivada quando a pessoa que pratica o ato administrativo, não faz parte da administração pública, por não ter investido no cargo, emprego ou função, de forma que o falso agente exerce por conta própria atribuições próprias de agente público, sem ter, contudo, esta qualidade.
Na visão de Maria Sylvia di Pietro (2003, p. 230) a função de fato ocorre quando a pessoa que pratica o ato está irregularmente investida no cargo, emprego ou função, mas a sua situação tem toda aparência de legalidade. Como exemplos dados por esta autora tem-se o servidor investido sem preencher os requisitos legais para investidura, como idade inferior à mínima legal.
Para muitos autores o ato praticado por pessoa que usurpa função pública seria inexistente, diferente dos praticados por pessoa investida de maneira irregular, pela situação de aparência de regularidade, em virtude da presunção de legalidade que cerca os atos administrativos.
Além do mais, existem os vícios que podem ocorrer nos atos jurídicos em geral, no elemento sujeito, como o erro, o dolo, a coação, a lesão, o estado de perigo e a fraude.
Ademais, duas outras situações foram criadas pela Lei que regula os processos administrativos no âmbito da Administração Federal, que é a já citada Lei 9874 de 1999, quando prevê duas hipóteses de incapacidade, quais sejam, o impedimento e a suspeição.
No art. 18 da supracitada lei encontram-se as hipóteses de impedimento, como daquele que tenha interesse direto ou indireto na matéria, ou daquele que tenha participado ou venha participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau, entre outras situações hipotéticas.
Já no artigo 20 da mesma lei encontra-se prevista a possibilidade de suspeição, quando o atuante no processo tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.
5.2 Vícios quanto à forma
Constantemente a lei impõe que certos atos devem percorrer um certo caminho permeado por atividades prescritas até que ela seja considerada válida.
Quando não for observada esta seqüência de atos, estará o ato viciado, quanto ao requisito forma, podendo em conseqüência ser invalidado.
Assim, quando o ato, por exemplo, exigir que o ato a ser editado seja um Decreto, e ao invés seja feito por portaria, estará ele viciado neste requisito.
5.3 Vícios quanto ao objeto
Para que um ato administrativo seja considerado válido, é imprescindível que ele tenha objeto lícito, assim como o é para os atos jurídicos em geral.
Ademais, há de ser também o objeto possível e determinado ou determinável. Sendo assim, haverá vício no ato administrativo, se houver violação de qualquer dos requisitos citados.
Desta forma, ao ser aplicada pela Administração, a um servidor infrator, pena de demissão quando o previsto seria suspensão, estará o ato administrativo diverso do previsto na lei. Haverá também vício quando um Auditor Fiscal da Receita Federal autuar uma empresa por deixar de recolher um tributo municipal como o ISS, pois estará ele proibido por lei.
Seria impossível o objeto, por exemplo, quando for nomeado um servidor para um cargo inexistente, ou mesmo, não seria determinado, um ato que não especificasse com precisão um determinado bem a ser desapropriado.
5.4 Vícios quanto ao motivo
Conforme descrito, motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento para a prática do ato administrativo.
Portanto, se esta situação de fato ou de direito não existir ou for dada de maneira falsa, será o ato viciado quanto ao requisito motivo.
5.5 Vícios quanto à finalidade
O objetivo de toda atuação da Administração Pública é a tutela do interesse público, desta forma todo ato administrativo tem como objetivo a satisfação do interesse público, ou mais restritamente tem ele, quando determinado em lei, uma finalidade específica na prática de um determinado ato.
O desrespeito a este elemento do ato administrativo conduz a um das modalidades de abuso de poder, que é o desvio de finalidade. Viola também um dos princípios norteadores da Administração Pública contida no art. 37 da Constituição Federal que é o princípio da impessoalidade.
Como exemplos, temos as remoções ex officio para lugares inóspitos de servidores não “bem quistos” pela administração, quando a remoção deve atender a um interesse público, como a demanda por mais pessoal, e as punições previstas são a advertência, suspensão e a demissão. Ou mesmo a promoção de certos servidores “amigos” dos chefes, sendo que tal deveria se dar por uma melhor prestação de serviços à comunidade.
Esta modalidade de vício é fonte de uma interminável série de exemplos, onde o que prepondera são os sentimentos e interesses pessoais de alguns servidores que infelizmente fazem parte da Administração Pública brasileira
6 ATOS NULOS, ANULÁVEIS E INEXISTENTES
Como conseqüência dos vícios contidos nos atos administrativos, a depender do grau de ilegalidade que eles tiverem, estes poderão tornar-se nulo, anulável ou inexistente.
O ato nulo é aquele que em virtude do elevado grau de ilegalidade, já nasce insanável, resultante de um defeito ou ausência de um elemento crucial para sua formação, o ato, portanto, é ilegal, não pode produzir efeitos entre as partes.
O ato anulável é aquele cujo defeito pode ser considerado sanável ou convalidável, possuindo assim uma nulidade relativa, em decorrência de ser portador de vícios não tão substanciais quanto aos dos atos nulos.
O ato inexistente é aquele que possui apenas aparência de manifestação da vontade da Administração Pública, mas que não chegou a aperfeiçoar-se como ato administrativo. Tais atos se originam normalmente de “usurpadores da função pública” que são aqueles que se passam por agentes públicos sem o serem.
Para se diferenciar os atos e suas conseqüências é necessário perquirir-se se o ato é detentor de vício insanável, porquanto além de inválido é nulo. Frise-se que todo ato em desconformidade com a lei será considerado inválido, podendo o mesmo, na nossa visão, ser nulo ou anulável.
Convém lembrar que tal classificação não é pacífica na Doutrina, seguindo-se a teoria dos atos administrativos esboçada por Meirelles (2003), depreende-se que deles não poderiam surtir efeitos, depois de serem considerados inválidos pela administração ou pelo judiciário, senão para terceiros de boa fé.
Para Hely Lopes Meirelles (2003, p.170), adepto da teoria monista, segundo a qual é inaplicável a dicotomia das nulidades do Direito Administrativo, não existem atos administrativos anuláveis, segundo ele “pela impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre o público e não ser admissível a manutenção de atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência da legalidade administrativa”, deflui-se, portanto, que para este autor só existem atos inválidos nulos, ou atos válidos, embora admita também a existência de atos inexistentes.
Este trabalho, contudo, apresenta, a teoria das nulidades conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2003), que entende haver atos nulos, anuláveis e inexistentes, adepto, portanto, da teoria dualista, segundo a qual os atos administrativos podem ser nulos ou anuláveis, dependendo do grau de nulidade a que foram submetidos.
Conclui-se do esposado que se, por hipótese, além de inválido é detentor de vício sanável, é ato anulável, podendo ser convalidado, tendo como conseqüência a preservação de seus efeitos até o momento de sua expurgação completa do sistema.
Poderia ainda, além de inválido ser inexistente. Nesse caso, o vício inerente à norma legal é de tal forma explícito, que nenhum efeito pode ser aceitável. É uma norma teratológica despida de qualquer senso de constitucionalidade.
Dessa forma, é importante compreender quais as conseqüências de vício de tal monta, para discutir o tratamento que lhe é conferido atualmente pelo direito pátrio.
7 INVALIDAÇÃO E REVOGAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Atos inválidos são todos os atos portadores de vícios em sua formação, sejam estes sanáveis ou insanáveis.
Invalidação é o desfazimento dos atos inválidos por razões de ilegalidade, sejam eles nulos ou anuláveis, em atenção ao princípio da legalidade da Administração Pública. Tal terminologia é adotada por Celso Antonio Bandeira de Mello (2003), para significar qualquer desconformidade do ato com as normas regulamentadoras, e indica a existência de algum vício inquinando algum dos elementos do ato.
Registre-se que a invalidação decorre de uma atividade volitiva por parte da administração, considerando-se como um ato superveniente que invalida um ato viciado.
Já a revogação se dá com atos válidos, legítimos, perfeitos, mas que se tornaram inconvenientes, inoportunos, desnecessários.
Adotando o conceito de Helly Lopes Meirelles (2003, p.195), “revogação é a supressão de um ato administrativo legítimo e eficaz, realizada pela Administração - e somente por ela - por não mais lhe convir sua existência”.
Na revogação diferentemente do que ocorre com a invalidação, o ato não é nulo ou anulável, apenas se tornou inconveniente ao interesse público.
8 CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p.235) “Convalidação ou saneamento é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data que este foi praticado”.
O conceito dado por José dos Santos Carvalho Filho (2003, p.135) é o seguinte “a convalidação é o processo de que se vale a Administração para aproveitar atos administrativos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte”. Continua o autor dizendo que tal instituto só poderá ocorrer caso seja admitida à doutrina dualista, que aceita haver atos administrativos nulos e anuláveis.
Ainda segundo Carvalho Filho (2003), há três formas de convalidação. A primeira delas é a ratificação onde ocorre supervenientemente uma ratificação com a adoção da prática legal. A segunda é a reforma modalidade de convalidação em que ocorre a supressão da parte inválida de um ato viciado, com a edição de um novo ato sem aquele vício. Por último vem a conversão, que para o renomado autor se assemelha à reforma, só que difere na medida em que a parte suprimida é substituída por uma parte nova, de forma que o novo ato contenha a parte válida anterior junto com a nova parte, tornando assim o ato válido.
Prefiro, contudo, adotar comedidamente esta divisão, incorporando os conceitos defendidos por Maria Sylvia Zanella Di Pitro (2003, p.238) que dissocia o instituo da convalidação do da confirmação, pois entendo que os conceitos defendidos por Carvalho Filho são de difícil aplicação em determinadas situações práticas, como veremos adiante.
A confirmação difere da convalidação, porque ela não corrige o vício do ato, a administração o mantém como foi praticado, ocorrendo, apenas nas hipóteses em que não causar prejuízos a terceiros.
Para a mesma autora outra hipótese de confirmação seria a decorrente da extinção do direito de anular os atos, em virtude da prescrição, o que seria uma confirmação tácita, isto é, uma confirmação pelo decurso do tempo.
Ademais, a supramencionada autora (2003, p.237) entende que a conversão diverge da convalidação, não fazendo, portanto, parte de sua espécie, pois a conversão implica a substituição de um ato por outro.
No dizer de Di Pietro (2003, p.237) conversão pode ser definida como “o ato administrativo pelo qual a Administração converte um ato inválido em um de outra categoria, com efeitos retroativos à data original”. O objetivo seria aproveitar os efeitos já produzidos.
A Lei nº 9784 de 1999 que regulou os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal trouxe duas hipóteses de convalidação de atos administrativos defeituosos, ou melhor dizendo, de atos administrativos anuláveis. São as seguintes as hipóteses de convalidação previstas na Lei nº 9784/1999:
1) Quando os efeitos do ato viciado forem favoráveis ao administrado, a Administração disporá de cinco anos para anulá-lo, prazo este decadencial. Findo este prazo sem manifestação da Administração, convalidado estará o ato e definitivos serão os efeitos dele decorrentes, salvo comprovada má-fé. Trata-se de hipótese de convalidação ou confirmação tácita;
2) O art. 55 da citada lei prevê ainda a possibilidade de convalidação expressa, por iniciativa da Administração, quando dos defeitos do ato não resulte lesão ao interesse público ou a terceiros. A Lei por sua vez diz expressamente a expressão “defeitos sanáveis”, para referir-se a tais vícios.
Portanto, desta nova Lei, deflui-se que foi positivada a tese da Doutrina dualista que defende a existência de atos nulos e anuláveis.
No entanto, a regra geral deve ser a da anulação dos atos inválidos, seguindo o princípio da legalidade esculpido pela Constituição Federal.
O administrador público deve estar atento não só ao princípio da legalidade, mas o deve convergir com o princípio da segurança jurídica, vez que não pode os administrados por vezes ficarem em situações intranqüilas, instáveis em face das condutas ilegais da Administração, que poderia perceber após o transcurso de certo lapso de tempo, que seus atos eram ilegais, e assim anulá-los.
O princípio da segurança jurídica positivado na Lei nº 9784/99 tem relação direta com o princípio da boa-fé, sendo certo que não é admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando através de ilegalidades praticadas pela Administração.
Está certo que nem sempre vai ser fácil discernir junto ao caso concreto qual o princípio será mais adequado para se assegurar à realização da justiça, se seria o princípio da legalidade ou da segurança jurídica.
A necessidade de completa subsunção da Administração perante a Lei não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para se atingir o interesse público.
Ressalte-se que em diversas situações não mais poderá a Administração invalidar seus próprios atos, seja pelo decurso de tempo, ou mesmo diante de determinadas situações em que deverá preponderar o princípio da segurança jurídica consoante será abordado mais adiante.
8.1 Vícios dos Atos e possibilidade de convalidação
Os doutrinadores em sua maioria firmaram entendimento no sentido de que nem sempre é factível a convalidação dos atos administrativos. Vai depender do vício que maculou o ato, de qual elemento foi atingido com o vício.
8.1.1 Competência
A Doutrina entende que o ato atingido com vício no elemento competência pode ser convalidado. Pode a autoridade competente ratificar o ato, desde que tal não se trate de competência conferida com exclusividade, pois esta não pode ser objeto de delegação ou avocação, nos termos do art. 11 da Lei 9784 de 1999.
8.1.2 Forma
O vício no elemento forma pode ser objeto de convalidação desde que não se trate de requisito essencial à validade do ato.
8.1.3 Objeto
Para a grande maioria da Doutrina o vício no elemento objeto faz com que o ato torne-se imprestável, não podendo, portanto, ser objeto de convalidação. Nesta linha de pensamento estão Weida Zancaner (2001, p. 75), Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p.237). Sendo que para esta última poderia haver a conversão do ato, pois neste caso haveria a substituição de um ato por outro.
Muitos autores entendem a conversão como espécie do gênero convalidação, posição que, aliás, não concordo, entendendo, porquanto, tratar-se de espécie diversa da convalidação consoante ensinamento de Di Pietro.
No entanto, para o autor José dos Santos Carvalho Filho (2003, p.136) também é possível convalidar atos com vícios no objeto, mas somente quanto tratar-se de ato com conteúdo plúrimo, ou seja, quando a vontade administrativa se preordenar a mais de uma providência administrativa no mesmo ato, nesta hipótese seria factível alterar ou suprimir a parte inválida, aproveitando o restante válido do ato.
8.1.4 Motivo e Finalidade
O motivo, como determinante da prática do ato, ou ocorreu ou não ocorreu no momento da prática do ato, não havendo, portanto, possibilidade superveniente de alterar-se esta situação, pois ele só existe se houver algum suporte fático que autorize a sua edição.
Assim, se o elemento motivo vier inquinado por algum vício não poderá ser convalidado por trata-se de vício insanável, no máximo, poderia se pensar em confirmação do ato.
A finalidade, que sempre de forma genérica deve ser o interesse público, ou de forma específica o que vier a ser determinado em lei, não tem como ser convalidada, pois não se muda posteriormente a intenção do agente no momento da prática do ato. Também neste caso, assim como com o elemento motivo poderia no máximo ser confirmado, mesmo não sendo este tema tratado pela Doutrina consultada.
Para tentar esclarecer este pensamento suponha-se que um Policial Rodoviário Federal tenha sido removido de ofício no interesse da Administração do Posto Policial de Maceió-AL para o posto Policial de Canapi-Al, consoante preceitua o inciso I do art. 36 da Lei 8112 de 1990.
Ocorre que verdadeiramente tal fato supostamente se deveria por ser o Policial desafeto do Superintendente Regional de Alagoas, pois o mesmo não atendeu a um pedido pessoal para liberação de um veículo irregular retido no Posto de Maceió.
Também hipoteticamente, posteriormente com as melhoras nas rodovias que cortam o Sertão de Alagoas houve um acréscimo considerável de circulação de veículos naquela região, além da aposentadoria de dois policiais que lá trabalhavam, o que tornou imprescindível o trabalho do policial removido para aquela localidade.
Após algum tempo o referido policial veio a impugnar administrativamente o ato alegando vício nos elementos motivo e finalidade. O motivo que seria a “rebeldia” do policial o qual não poderia prosperar por não haver suporte fático para a remoção do mesmo, eis que se quisesse puni-lo deveria ter usado dos expedientes da advertência, suspensão ou demissão como se encontra previsto na lei que rege os servidores federais. A finalidade que seria o interesse público também não existiria, pois a remoção foi usada para satisfazer um sentimento pessoal, na medida em que o Superintendente queria “se vingar” do aludido policial.
Sendo supostamente verdadeiros os fatos narrados, tem-se que não seria possível a convalidação do ato por causa do vício no motivo, pois não haveria possibilidade superveniente de alterar-se esta situação, pois ele só existiria se houvesse algum suporte fático que autorizasse a sua edição.
Por outro lado, também o elemento finalidade constituiria barreira intransponível para a convalidação do mesmo, pois não se muda posteriormente a intenção do agente no momento da prática do ato.
Nesta hipótese, baseado no estudo da melhor doutrina, tem-se que não é possível a convalidação deste ato. Contudo, se fosse seguida a dissociação do instituto convalidação em relação ao da confirmação, conforme preconiza Maria Sylvia Di Pietro (2003, p.238), poder-se-ia preservar esta situação, pois o ato não seria corrigido, mas sim mantido, e assim evitaria um maior prejuízo à Administração, vez que haveria necessidade do servidor no posto de Canapi, sendo desaconselhando, assim, a volta do servidor ao Posto de Maceió.
Tal fato só deve ser considerado, contudo, se entendermos que o servidor não poderia ser considerado um terceiro prejudicado, mas sim parte da própria administração e a ela submetido, pois se admitirmos o contrário estaríamos diante de um limite à convalidação que seria a própria impugnação administrativa por parte de terceiros.
8.2 Discricionariedade do ato convalidador
A convalidação não é, em regra, uma faculdade da administração pública, como o é a ratificação dos atos anuláveis para os particulares. Não se pode obrigar o cidadão, no exercício da autonomia da vontade, a ratificar o negócio jurídico. Entretanto, há o dever da autoridade administrativa de convalidar o ato administrativo, portador de invalidade sanável, quando a permanência do conteúdo não implicar lesão à moralidade administrativa, prejuízo a direitos de terceiros, ou não houver impugnação judicial ou administrativa, neste último caso desde que o vício no elemento formal seja tão pequeno que não chegue a cercear o direito de defesa.
Para Weida Zancaner (2001, p.55),
só existe uma hipótese em que a Administração Pública pode optar entre o dever de invalidar segundo critérios discricionários. É o caso de ato discricionário praticado por autoridade incompetente. Destarte, nestes casos, pode a Administração Pública, segundo um juízo subjetivo, optar se quer convalidar ou invalidar o ato viciado.
Logo, tem-se que não é possível optar entre convalidar e não convalidar por questões de conveniência e oportunidade, ou seja, não há um critério discricionário na escolha do administrador, deve sim ele pautar-se pelos princípios ordenadores do Direito, quando estiver numa situação de dúvida quanto à convalidação, em especial aos princípios da Legalidade e Segurança Jurídica.
9 PODER E DEVER DE CONVALIDAR
A convalidação além de atender ao princípio da legalidade, na medida em que corrige o vício, atende também ao princípio da segurança jurídica, conseqüentemente poderá haver situações onde o administrador terá o poder de convalidar, ou mesmo o dever de convalidar, atento aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé dos administrados.
Não se pode falar em invalidade administrativa que não seja relevante para o interesse público, o que se pretende é que as gradações quanto às invalidades dos atos administrativos devam necessariamente seguir o interesse público. Em especial, a finalidade da restauração da juridicidade com segurança jurídica.
Há o dever da autoridade administrativa de convalidar o ato administrativo, portador de vício sanável, quando a permanência do conteúdo não implicar lesão à moralidade administrativa e, não houver impugnação judicial ou administrativa, nem prejuízo a direitos de terceiros.
Impugnado, o ato passível de convalidação deixa de sê-lo, ingressando o provimento no mesmo regime jurídico aplicável para os atos nulos. Tudo isso, evidentemente, no Direito Administrativo.
Vale dizer que tal impugnação não afetará o dever de convalidar, quando houver um defeito irrelevante de formalidade, neste caso para Weida Zancaner (2001, p.56) haveria um ato obrigatoriamente sanável.
Não se há de falar em poder de convalidar, este como já foi dito no capítulo anterior está adstrito à hipótese de ato discricionário praticado por autoridade incompetente e é claro quando tal não se tratar de competência conferida com exclusividade.
Ademais, como já fora dito, há duas formas de se recompor a ordem jurídica violada, por haver atos invalidados, quais sejam, a invalidação e a convalidação.
Por conseguinte, os limites à convalidação encontraram barreiras no dever de invalidar, como resultado tem-se que a administração deve invalidar quando não for possível convalidar, e deve convalidar sempre que for possível e melhor para o interesse público, porque o princípio da legalidade que prescreve a restauração da ordem jurídica impõe que esta seja restabelecida respeitando o princípio da segurança jurídica.
Outro limite à convalidação dos atos administrativos é o decurso do tempo, vez que o tempo por si só gera a estabilidade das relações jurídicas não podendo mais se falar em convalidação ou invalidação dos atos administrativos.
10 CONCLUSÃO
O ato de convalidação não é, em regra, um ato discricionário, devendo sempre o Administrador ao encontrar um ato cujo vício seja considerado sanável, se atendido o interesse público, restaurar a ordem jurídica com o ato de convalidação, ou anulá-lo caso não seja possível corrigir o defeito, sempre buscando o princípio da legalidade da Administração, observando os princípios norteadores do direito.
Os vícios nos elementos competência e forma normalmente não constituem barreiras ao dever de convalidar, dependendo da gradação da ilegalidade que portam, eles podem ser considerados sanáveis.
Já o vício no elemento objeto via de regra será considerado insanável, excetuando-se a hipótese em que houver conteúdo plúrimo.
O ato portador de vícios nos elementos motivo e finalidade não são passíveis de serem convalidados, podendo, no máximo, ocorrer à remota hipótese de confirmação, caso esta não seja considerada como espécie do gênero convalidação.
Os últimos limites à convalidação dos atos administrativos são a preservação do interesse de terceiros de boa-fé, ou a impugnação por parte de terceiro interessado, administrativa ou judicialmente, que obstam a convalidação por parte da Administração, excetuando-se os pequenos vícios de formalidade, que os torna atos obrigatoriamente sanáveis.
11 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 15. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. 1ª ed, 3ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
AUDITOR FISCAL DO TRABALHO; EX FISCAL DE TRIBUTOS MUNICIPAIS DE MACEIÓ-AL;<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Luiz Felipe dos Anjos de Melo. Limites à convalidação dos atos administrativos no processo administrativo brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2010, 10:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20476/limites-a-convalidacao-dos-atos-administrativos-no-processo-administrativo-brasileiro. Acesso em: 10 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Bruno Grillo Garz
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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