Antigamente, o conjunto de direitos e deveres que os pais tinham em relação aos seus filhos era exercido principalmente pela figura paterna, relegada a mãe à segundo plano, em razão de viver-se numa sociedade patriarcal, por isso mesmo a denominação pátrio poder.
A expressão poder familiar é nova, pois o termo surgiu na medida em que a sociedade foi evoluindo e precisou-se reformular velhos conceitos e serem feitas novas conceituações.
A denominação pátrio poder trazia em seu significado resquícios de uma sociedade machista, que tinha o homem como chefe de família e responsável por todas as decisões, a conotação era de que só o pai detinha poder em relação aos filhos, excluindo a mãe.
Paulo Luiz Netto Lôbo encara da seguinte forma:
“As vicissitudes por que passou a família repercutiram no seu conteúdo. Quanto maiores foram as desigualdades, a hierarquização e a supressão de direitos entre os membros da família, tanto maior foi o pátrio poder e o poder marital”.
Na medida em que os valores sociais foram se alterando e a mulher assumiu um papel de destaque na sociedade, ela lutou para ter os mesmos direitos que tinham os homens, já que a Constituição Federal consagrava o tratamento isonômico entre homem e mulher. Nesse contexto o conceito de pátrio poder foi reformulado e passou a chamar-se poder familiar, este último outorgado a ambos os genitores.
A doutrina diverge quanto à conceituação do pátrio poder, para alguns a figura materna continua sem ter destaque e privilegia-se a figura do pai. Embora não corresponda à realidade essa corrente tem em vista a soberania do chefe de família.
Há também os que embora incluam a figura materna na conceituação do instituto, resistem em se preocupar com os direitos dos filhos e referem-se apenas ao poder dos pais sobre os mesmos.
Novas conceituações foram sendo feitas e o instituto foi ampliado, sendo inserida a figura materna e deixando o conceito de ser sinônimo de dominação para ter um sentido de proteção.
Por isso José Antônio de Paula Santos Neto em sua obra deu a seguinte conotação:
“O pátrio poder é o complexo de direitos e deveres concernentes ao pai e à mãe, fundado no Direito Natural, confirmado pelo Direito Positivo e direcionado ao interesse da família e do filho menor não emancipado, que incide sobre a pessoa e patrimônio deste filho e serve como meio para o manter, proteger e educar”. (1994, p. 55)
Pode se inferir então que o poder familiar é exercido pelos pais em relação aos seus filhos, diga-se de passagem, que pelos pais conjuntamente, pois nem sempre foi dessa forma.
Embora a expressão tenha tentado acompanhar os novos anseios sociais, principalmente de igualdade entre os genitores, é certo que como acontece com a maioria das mudanças legislativas no Ordenamento Jurídico Brasileiro já entrou de forma ultrapassada, pois manteve ênfase no poder e apenas deslocou este que era exclusivo do pai, para ser exercido pelo pai e pela mãe.
Silvio Rodrigues critica a expressão dizendo que:
“Pecou gravemente ao se preocupar mais em retirar da expressão a palavra ”pátrio” do que incluir o seu real conteúdo que, antes de um poder, representa obrigação dos pais, e não da família, como o nome sugere”. (2004, p. 355)
Esse poder na verdade se constitui na responsabilidade que os pais têm em relação aos filhos do que propriamente num poder, por isso fala-se na impropriedade da expressão que para muitos deveria ser chamada de autoridade parental.
Esse é o entendimento de Maria Berenice Dias:
“A expressão que goza da simpatia da doutrina é autoridade parental. Melhor reflete a profunda mudança que resultou da consagração constitucional do princípio da proteção integral de crianças e adolescentes”.
Modernamente se fala que o poder familiar vem sendo mais um dever do que um poder, mas que sempre deverá ser exercido no superior interesse do menor, este então passa a ser um sujeito de direitos e não mais objeto de direito dos pais.
O poder familiar deve ser exercido pelos pais conjuntamente, mesmo após a dissolução do vínculo conjugal. Além disso, esse poder não está impregnado apenas de deveres materiais, mas também têm os pais o dever de prestar assistência afetiva.
A titularidade (sujeito ativo) do poder familiar é dos pais que não podem dispor desse direito, são sujeitos passivos todos os filhos enquanto menores.
Trata-se de um poder decorrente tanto da paternidade natural quanto da legal, as responsabilidades advindas desse poder são personalíssimas, desta forma, não podem ser transferidas, renunciadas e muito menos alienadas.
Se constitui crime previsto no art. 245 do Código Penal entregar filho à pessoa inidônea, no máximo o que pode ser feito é atribuir alguns dos direitos e deveres inerentes ao pátrio poder ao guardião.
Ainda se fala que o poder familiar é imprescritível, pois mesmo estando em desuso, ou seja, mesmo que não possa se exercido pelos pais, independente da circunstância, não se extingue.
Quanto à titularidade, esta nem sempre foi de ambos os genitores, pois no Código Civil de 1916 o pai detinha sozinho a titularidade desse poder e a mãe apenas colaborava no exercício deste, conforme o seguinte artigo do referido código:
“Art. 380 - Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência “. (Manole, p. 540)
Posteriormente com o advento da Lei 6.515 essa situação foi alterada, pois em seu art. 27 a lei indicou como titulares tanto o pai quanto a mãe, mesmo que eles se divorciassem ou sobreviesse outro casamento.
Hoje o Estatuto da Criança e do Adolescente igualou por completo as responsabilidades entre os genitores, isto é, tanto o pai quanto a mãe são responsáveis pelo poder familiar, e o que predomina é a proteção do menor. Assim disciplina o art. 21 do Estatuto:
“Art. 21 - O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurando a qualquer deles o direito de, em caso de divergência recorrer á autoridade judiciária competente para solução da divergência”. (Manole, p. 1434)
Dessa maneira foi enterrada decisivamente a posição subalterna que se encontrava a mulher nas relações familiares.
Os direito e deveres decorrentes do poder familiar são de ambos os genitores e ultrapassam a existência ou não de casamento.
O poder familiar decorre da paternidade e da filiação, e não do casamento ou da união estável, por isso que se diz que ele subsiste mesmo havendo o rompimento dos genitores.
Os pais não perderão a titularidade do poder familiar com a separação ou o divórcio. Dissolvido o relacionamento, nada irá interferir no exercício do Poder Familiar, os atributos deste persistem. Poderá haver para algum dos pais a restrição quanto à algum dos atributos como o de ter os filhos em sua companhia, isto é, a convivência dos pais não é pressuposto para que se tenha o Poder Familiar. Inclusive, mesmo que qualquer dos genitores constitua nova família este Poder subsiste.
O art. 1.634 do Código Civil enumera os atributos do poder familiar, isto é, os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, sendo eles educação e criação, guarda, assistência e representação, deveres correlatos dos filhos, entre outros.
Primordialmente cabe aos pais educarem e criarem seus filhos, educar significa assegurar meios de inseri-los na sociedade, isto é, proporcionar o desenvolvimento intelectual e moral, como forma de torná-los úteis a si mesmos e à sociedade.
A criação engloba as necessidades materiais e imateriais do menor, apesar de não constar no rol dos atributos do Poder Familiar, entende-se como dever dos genitores o oferecimento de carinho e amor. Essas obrigações quando descumpridas ensejam inclusive uma tipificação penal que é a do abandono material, moral e intelectual.
O exercício do Poder Familiar poderá ser cessado por alcançar sua finalidade ou por motivo que altere o seu desenvolvimento. Poderá se extinguir quando ocorrerem alguma das hipóteses do art. 1.635 do Código Civil como a morte dos pais ou dos filhos, a emancipação, a maioridade, pela adoção ou decisão judicial.
Como exemplo da extinção do Poder Familiar por atendimento da sua finalidade ou por esgotar-se em si mesma está a seguinte jurisprudência:
Apelação Cível. Ação de destituição de pátrio poder. Indeferimento da petição inicial. Cessação da menoridade. Perda de objeto. Processo extinto. 1. Cessada a menoridade, não mais existe pátrio poder, agora, poder familiar. 2. Em decorrência, perde o objeto a ação de destituição de pátrio poder, devendo ser extinto o processo. 3. Apelação conhecida e, de ofício, decretada a extinção do processo por perda de objeto. (Apelação Cível Nº 000.326.900-8/00, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Caetano Levi Lopes, Julgado em 13/06/2003)
A cessação pelos motivos que alteram seu desenvolvimento acontece quando os progenitores descumprem os deveres decorrentes do Poder Familiar, o Estado, então, intervém para garantir o bem estar e o bom desenvolvimento físico e emocional da criança.
Ao Estado cabe fiscalizar se o Poder Família vem sendo bem e fielmente exercido, e verificando falha nesse exercício poderá destituir ou mesmo suspender.
A suspensão ocorre quando comprovada as situações previstas no art. 1.637, caput, § único do Código Civil, são elas: abuso de autoridade, dilapidação de bens e ainda quando o pai ou a mãe forem condenados por sentença irrecorrível cuja pena exceda dois anos de prisão.
No art. 1.638 do Código Civil sob a denominação de perda encontram-se hipóteses em que será destituído do Poder Familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono ou praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.
Os Tribunais Pátrios têm assim se posicionado:
APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NUMEROSA PROLE EXPOSTA A SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL, SOFRENDO AS CONSEQUENCIAS DA OMISSÃO E DA NEGLIGÊNCIA DE AMBOS OS PAIS E JÁ APRESENTANDO SINAIS DE ENVOLVIMENTO COM PROSTITUIÇÃO E ATOS INFRACIONAIS. MEDIDA EXTREMA QUE VISA RESGUARDAR, AO MENOS EM RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS MENORES, A PERPECTIVA DE UM FUTURO MELHOR. Após inúmeras e infrutíferas intervenções do Conselho Tutelar, a proteção estatal, através da destituição do poder familiar e abrigamento das crianças pode efetivamente lhes proporcionar uma melhor perspectiva de futuro, que passa necessariamente pelo afastamento da situação de risco em que se encontravam na companhia da mãe, sabidamente incapacitada para o exercício da maternidade, responsável direta pela evasão escolar dos filhos, com estímulo à prostituição, à mendicância e à prática de infrações. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70016326969, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/09/2006)
Trata-se de medida extrema que só deve ser utilizada quando estiver em risco a vida e segurança dos menores. Tem o objetivo de proteção à integridade dos infantes.
Aplicada a sanção, o dever de prestar alimentos não será extinto, pois embora tenha havido perda do Poder Familiar, a obrigação alimentar continua.
Perdendo um dos genitores esse Poder, caberá ao outro exercê-lo com exclusividade, porém, não tendo o outro condições de assumir o encargo, neste caso, o juiz irá nomear um tutor para o menor.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1057, 24 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8371>. Acesso em: 27 set. 2010.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
SANTOS NETO, José Antonio de Paula. Do pátrio poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes, Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera Uniderp - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Daiane Silva. O Poder Familiar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 set 2010, 08:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21682/o-poder-familiar. Acesso em: 03 out 2024.
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