1. Introdução
Com o advento do Estado Liberal, buscou-se tornar a Constituição a ordem jurídica fundamental do Estado e o Código Civil a ordem jurídica fundamental da sociedade. A luta pelo direitos fundamentais de primeira geração garantiu com que a esfera privada estivesse imune às intervenções estatais. Os indivíduos, iguais perante a lei, almejavam a satisfação de seus interesses sem a interferência do poder público. A garantia dessa liberdade foi fortalecida por meio da proteção à propriedade e aos contratos, promovendo uma sociedade segura diante das relações entre particulares.
Durante o século XX, as aspirações sociais voltaram-se para um Estado ativo capaz de promover a justiça social e a redução das desigualdades. Isso fez com que a intervenção estatal na vida econômica ficasse cada vez mais evidente almejando reduzir as angústias estruturais logradas no século anterior. O Estado Social seria então responsável por prover prestações positivas por meio de direitos promocionais que permitam o gozo de liberdades e não mais meramente abster-se do âmbito privado. É nesse contexto que insere-se no ordenamento jurídico um conjunto de normas de ordem pública cujo objetivo era frear a autonomia da vontade em relações jurídicas marcadas pela assimetria.
No Estado Democrático de Direito, por sua vez, a Constituição passa a ser não só a ordem jurídica fundamental do Estado, mas também a ordem jurídica fundamental da sociedade. A dignidade da pessoa humana funda-se como princípio soberano e cláusula geral da Carta Magna a qual almeja inserir a pessoa como valor maior, fim e fundamento do ordenamento jurídico. Rompe-se, assim, a dicotomia público / privado, e assumem os direitos fundamentais uma dimensão objetiva de bens jurídicos essenciais.
2. Dos Princípios Contratuais
A concepção do contrato ocorre quando há o acordo de vontades por meio do qual forma-se um vínculo jurídico responsável por entrelaçar as partes em comum acordo. Conforme enunciava Kant: “quando alguém decide alguma coisa a respeito de um outro é sempre possível que este faça àquele algum tipo de injustiça, mas toda injustiça é impossível quando ele decide por si próprio”. A lei formada por meio da vontade, ao vincular as partes, obriga ao juiz o reconhecimento da mesma não podendo intervir no pactuado. Tal liberdade de consentimento gera obrigações, diminuindo, relativamente e no que couber, a esfera de liberdade individual das partes.
De acordo com o art. 421 do Código Civil brasileiro “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Essa função social do contrato, a qual faz referência o artigo acima citado, garante que o contrato seja pautado não apenas na autonomia da vontade, mas principalmente nas exigências do ordenamento como um todo, como por exemplo a justiça, a segurança, o valor social da livre inciativa e o princípio da dignidade da pessoa humana. O interesse individual de cada uma das partes deve estar em consonância com o interesse social geral devendo a este se submeter. Impõe-se o proveito coletivo em detrimento do meramente individual, pautando-se numa justiça distributiva e não só retributiva.
O contrato tem valor de lei, devendo assim ser obedecida quando declarada a vontade das partes mediante acordo mútuo. Tem-se aqui o princípio da obrigatoriedade dos contratos. Compactuam lei especial de caráter obrigatório, havendo, contra suas infrações, as devidas sanções. A segurança, a ordem, a paz e a harmonia social são decorrência direta da concretização dos contratos.
Conforme afirma Arnaldo Rizzardo, a segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da probidade e da boa fé, isto é, da lealdade, da confiança recíproca, da justiça, da equivalência das prestações e contraprestações, da ocorrência e clarividência dos direitos e deveres. A boa-fé pressupõe crença efetiva no comportamento alheio, compreendendo determinado padrão à conduta social. Incentiva-se, assim, o sentimento de justiça social e repreendem-se condutas as quais são desviadas de comportamentos sedimentados na honestidade e lisura.
“Em uma análise cara a Law and Eonomics, os custos de transação tendem a reduzir-se em mercados de ambiente institucional marcados pela fidúcia, nos quais os agentes econômicos confim na retidão do comportamento dos outros, ou seja, em que se pode legitimamente esperar/prever a adoção de determinadas atitudes pelos parceiros comerciais. A previsibilidade do comportamento dos agentes aumenta o grau de segurança e, consequentemente, reduz a preocupação durante a celebração e execução do negócio. O comportamento honesto implica economia tanto para o agente como para o mercado como um todo.” (ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Direito dos Contratos. 3ª edição. Editora Juspodivm, 2013)
3. Da Análise econômica dos Contratos
A análise econômica do Direito busca utilizar conceitos e ferramentas econômicas com o intuito de explicar e compreender os fenômenos jurídicos por meio de análises positivas e normativas. Diante da Law and Economics, o contrato é visto como um meio de troca entre pessoas, compreendendo transações de mercado entre duas ou mais partes.
“Na perspectiva da Law and Economics, o contrato não é um elo solidário entre pessoas vivendo em sociedade, mas sim uma transação de mercado na qual cada parte se comporta de acordo com os seus interesses, como se estivessem em um jogo, armando a sua estratégia. Não é desconsiderada a existência de interesses coletivos dignos de tutela, mas eles se identificam na estrutura do mercado subjacente ao contrato que está sendo celebrado. Ou seja, a sociedade não é representada pela parte mais frágil do contrato, mas por um grupo ou cadeia de pessoas integrantes de um específico mercado.” (ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Direito dos Contratos. 3ª edição. Editora Juspodivm, 2013)
Ao celebrarem um contrato, as partes trocam bens que possuem por bens que desejam, incluindo-se o aí o dinheiro em sistema monetarizados. Segundo a Escola Neoclássica, tendo como pressupostos ser a pessoa um ente racional que se comporta de acordo com seus interesses e almeja a maximização de sua utilidade, podemos afirmar que o bens tendem a passar da pessoa que lhe dá menor valor à pessoa que lhe dá maior valor.2 Tem-se o exemplo: se um indivíduo A avalia o seu produto em 100 unidades e um indivíduo B avalia o mesmo produto em 200 unidades, numa situação ideal A venderia o produto a B por, no mínimo, 100 unidades, e B compraria o produto por no máximo 200 unidades. Suponhamos que A venda o produto por 150 unidades, A terá um lucro de 50 unidades e B também terá um lucro de 50 unidades. Haverá, ao total, um aumento de 100 unidades na economia, aumentando a riqueza social.
Esse aumento na riqueza total é chamado de excedente econômico de uma transação. Quando um contrato permitir a existência de um excedente econômico maior que zero, ele trará um resultado eficiente. Dessa forma, a economia de mercado potencializa esses câmbios gerando mais riqueza e desenvolvimento ao passar os bens para aqueles que lhes deem mais valor.
Os contratos, ao gerarem mais riqueza para a sociedade, podem ser compreendidos sob a ótica das Melhorias de Pareto. Isso significa que, dada uma alocação inicial de bens entre grupos de indivíduos, somente ocorrerão mudanças de alocação que satisfaçam dois requisitos: deixem pelo menos um indivíduo em melhor situação e não deixem nenhum indivíduo em melhor situação.
Sendo os contratos, em geral, acordos de vontade onde as partes envolvidas acordarão com mudanças que melhorem ou, pelo menos, não piorem sua situação, tem-se a garantia das melhorias de Pareto. Isso se dá, salvo nas hipóteses de erro, dolo, coação ou fraude, conforme consta no Código Civil.
Há, no entanto, as chamadas falhas de mercado. São elas as responsáveis por afastar o mercado do seu nível ótimo, ou seja, na situação em que nenhuma outra melhoria de Pareto é possível. Dentre as falhas de mercado podemos elencar: as externalidades, as assimetrias de informação e os custos de transação. As externalidades são os efeitos gerados a terceiros, externos ao processo, podendo ser positivas ou negativas. A assimetria de informação ocorre quando uma das partes de uma transação possui mais informações do que a outra. E os custos de transação são os custos necessários para a efetivação de transações comerciais.
Essas falhas de mercado, por sua vez, podem ser corrigidas por meio da intervenção estatal ou até mesmo por meio de pactos contratuais. Almeja-se minimizá-las ao máximo, sendo, no entanto, quase impossível a sua eliminação. Tal nível ótimo de Pareto é, então, alcançado num mercado regido por regras claras e de livre acesso onde as partes podem firmar acordos, minimizando essas falhas de mercado e alocando seus recursos da melhor forma possível, aumentando assim a riqueza da sociedade como um todo.
4. Conclusão
A evolução dos princípios contratuais ratifica a função social dos contratos e a sua importância na sociedade contemporânea. Permite-se a elaboração de acordos e leis entre as partes configurando-se assim uma relação jurídica. Esta, por sua vez, deve primordialmente primar pela dignidade da pessoa humana e preservar-se diante da Constituição no Estado Democrático de Direito.
Mediante a análise econômica do direito, tem-se o contrato como elemento primordial ao desenvolvimento econômico. A seguridade social e as instituições responsáveis por promover e garantir o acordo entre as partes permitem que a sociedade prospere gerando maiores riquezas e melhorias na qualidade de vida.
Torna-se, então, primordial a confecção de normas rígidas que garantam a seguridade social e sejam capazes de promover um ambiente harmônico em que os agentes econômicos possam livremente pactuar. Mesmo diante das falhas de mercados, os contratos podem gerar a alocação eficiente dos recursos quando presentes num mercado com regras claras e de fácil acesso, permitindo, assim, a melhoria da sociedade.
5. Bibliografia
MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8ª edição. Saraiva, 2012
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009
ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Direito dos Contratos. 3ª edição. Editora Juspodivm, 2013
TIMM, Luciano Benetti e GUARISSE, João Francisco Menegol. Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Editora Atlas s.a., 2012
Bacharelando do Curso de Direito da Escola de Direito de Brasília e do Curso de Ciências Econômicas da Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARIA CAROLINA DE Sá FRANçA, . A perspectiva econômica dos contratos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36538/a-perspectiva-economica-dos-contratos. Acesso em: 01 dez 2024.
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