RESUMO: O mandado de segurança foi previsto na Constituição Federal como um remédio criado para garantir ao cidadão provimento jurisdicional em face de ato de autoridade que viole ou ameace violar direito líquido e certo. Para conferir efetividade à disposição Constitucional, a lei nº. 1533/51 dispôs sobre o procedimento da ação de mandado de segurança. Todavia, em 2009, referida Lei foi revogada, com a publicação da lei nº. 12.016/2009. Dentre as inovações trazidas pela citada lei, a possibilidade do juiz exigir a prestação de caução, de fiança ou de depósito, para o deferimento da liminar, é a que vem sendo objeto de inúmeras críticas por parte dos juristas pátrios. Não obstante os louváveis esforços dos juristas contrários à inovação, entende-se, como mais acertado, o posicionamento no sentido de que a possibilidade de exigência de caução não restringiu o direito de ação dos cidadãos, tendo constituído, em verdade, maior liberdade ao magistrado na concessão de liminar.
PALAVRAS-CHAVES: Mandado de Segurança. Exigência de caução. Limites para a concessão da liminar.
1. INTRODUÇÃO
O mandado de segurança pode ser definido como um remédio previsto expressamente no art. 5º., inciso LXIX, da Carta Magna, “para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
Da simples leitura do dispositivo supratranscrito, depreende-se que o objetivo legislador constituinte, com o estabelecimento do citado remédio, foi garantir ao cidadão provimento jurisdicional em face de ato de autoridade que viole ou ameace violar direito líquido e certo.
Nesses termos, Hely Lopes Meirelles conceituou o mandado de segurança como sendo “o meio Constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerçam”[1].
Pois bem, para conferir efetividade à previsão Constitucional, a Lei nº. 1533/51 estabeleceu o procedimento da ação de mandado de segurança, prevendo, no art. 7º, inciso II[2], a possibilidade de concessão de liminar.
Contudo, com o passar dos anos, foram travadas diversas discussões a respeito da necessidade de modernização da citada lei, de modo a tornar a legislação do mandado de segurança mais adequada à realidade do país.
Após muitos debates, finalmente foi publicada a lei nº. 12.016/2009, que revogou a lei nº. 1533/51 e estabeleceu, dentre as suas inovações, a possibilidade do juiz exigir a prestação de caução, fiança ou depósito para o deferimento da liminar. Observe-se:
Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.”
Ocorre que essa inovação trazida pelo art. 7º, inciso III, da mencionada lei, vem sendo objeto de inúmeras críticas por parte dos juristas pátrios, o que motivou a elaboração do presente estudo.
2. DESENVOLVIMENTO
Como visto, a inovação trazida pelo art. 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009, tem sido objeto de muita discussão entre os juristas pátrios. Parte dos estudiosos do direito tem entendido que a possibilidade de exigência, em sede de mandado de segurança, de caução, de fiança ou de depósito prévios constituiria verdadeira restrição ao direito do impetrante de obter a suspensão do ato de autoridade considerado violador do seu suposto direito, o que seria inconstitucional.
Isso porque, segundo tais juristas, o mandado de segurança, na qualidade de ação Constitucional, não poderia sofrer limitações que não estivessem previstas na Constituição Federal, de modo que a lei infraconstitucional jamais poderia inovar nesse campo.
Contudo, tal entendimento, embora bastante razoável, não levou em consideração diversos outros fatores que motivaram o legislador infraconstitucional a estabelecer a possibilidade de o juiz exigir uma garantia para a suspensão do ato impugnado, bem como a própria evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no tocante à possibilidade do remédio constitucional em estudo sofrer limitações mediante lei.
Primeiramente, deve-se deixar claro que o regramento previsto no art. 7º., inciso III, da nova lei de mandado de segurança, estabeleceu apenas uma faculdade ao magistrado de, no caso concreto, diante da análise dos documentos probatórios, determinar que seja prestada fiança, caução ou depósito por entender necessária a prestação de garantia para a suspensão do ato de autoridade impugnado, ante a possibilidade de tal medida causar grave lesão ao ente público.
Isso significa que o juiz, em regra, continuará determinando a suspensão do ato impugnado, sem necessidade de qualquer garantia por parte do impetrante, sempre que entender presentes os requisitos para a concessão da liminar e não reste visualizada a probabilidade de grave lesão.
Vê-se que apenas em casos excepcionais, quando se verificar que as provas colacionadas ao mandamus não são tão robustas quanto deveriam ser ou em caso de possibilidade de grave lesão à Administração Pública, poderá o juiz condicionar a suspensão do ato impugnado à prestação de garantia.
Ora, a edição de lei prevendo tal faculdade ao magistrado foi motivada pela necessidade de ser preservado o interesse público, tendo em vista que, em muitas situações concretas, após a concessão da liminar, a segurança acabou sendo denegada, causando prejuízo à Administração Pública e, por conseguinte, à própria sociedade.
Com a possibilidade de ser requerida garantia para a suspensão do ato de autoridade, o magistrado pode evitar a ocorrência de prejuízos à Administração Pública, caso a segurança venha a ser ao final denegada.
Por outro lado, no tocante à alegação de que tal medida seria inconstitucional, pois estaria trazendo uma restrição ao uso do mandado de segurança não previsto na Constituição Federal, cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal já apreciou a matéria em situações semelhantes.
Como bem relatado pelo autor André Ramos Tavares[3], as medidas provisórias n° 375 e 1570 foram um verdadeiro ensaio para aferir a constitucionalidade da exigência de garantia para a suspensão do ato impugnado.
A medida provisória n° 375, de 23/11/93, foi objeto da ação direta de inconstitucionalidade n° 975-3/DF, onde restou consignada, por maioria do Plenário, a constitucionalidade da exigência de garantia, tendo sido considerada inconstitucional apenas a parte que tratava da obrigatoriedade de o magistrado exigi-la. Observe-se:
Ementa: CONSTITUCIONAL. MEDIDAS CAUTELARES E LIMINARES. Medida Provisória n. 375, de 23.11.93. I. – Suspensão dos efeitos e da eficácia da Medida Provisória n. 375, de 23.11.93, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cautelares inominadas (CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei 7.347/85, art. 12), acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao Poder Executivo. II – Cautelar deferida, integralmente, pelo Relator. III – Cautelar deferida, em parte, pelo Plenário. (STF, ADI 975/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 09.12.93)
De modo semelhante, a medida provisória n° 1570 foi impugnada pela ação direta de inconstitucionalidade n° 1576-1/DF. Todavia, em tal hipótese, a maioria do Plenário do STF considerou inconstitucional a exigência de garantia.
Contudo, não obstante tenha sido declarada a inconstitucionalidade, a maioria dos Ministros que compunham o STF, naquele momento, não eram contrários ao mérito propriamente dito, pois admitiam a possibilidade de exigência de caução.
Aparentemente, o que motivou o Plenário do STF a considerar a exigência de caução inconstitucional foi o fato de a redação da referida medida provisória ter preconizado a obrigatoriedade, de modo que não seria conferida ao juiz, no caso concreto, a faculdade de verificar a necessidade da exigência de caução para a preservar do interesse público.
Por fim, vale registrar que, no tocante à possibilidade de exigência de caução prevista na nova lei do mandado de segurança, até o presente momento, ainda não há qualquer manifestação do STF relativamente à inconstitucionalidade da norma, restando presumível, por conseguinte, a sua constitucionalidade.
3. CONCLUSÃO
Desse modo, conclui-se que a previsão contida no art. 7º., inciso III, da nova lei de mandado de segurança não restringiu o direito de ação dos cidadãos, tendo constituído, em verdade, maior liberdade ao magistrado na concessão de liminar, uma vez que este, mesmo diante da fragilidade da prova documental existente no writ, num caso concreto, poderia conceder a suspensão do ato impugnado, mediante a prestação de garantia, o que manteria assegurada a preservação do interesse público caso a segurança restasse ao final denegada.
4. REFERÊNCIAS
BUENO, Cássio Scarpinella. “Mandado de Segurança: Comentários às Leis n. 1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66”. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. “Mandado de Segurança: Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", Ação Direta de Constitucionalidade, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, O Controle Incidental de Normas no Direito Brasileiro”. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
TAVARES, André Ramos. Manual do Novo Mandado de Segurança. São Paulo: Atlas, 2009.
STF. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em 11/02/2014.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. 18º. Edição, São Paulo: Malheiros. 1997, p. 21.
[2] Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
II – que se suspensa o ato que deu motivo ao pedido quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida.
[3] TAVARES. André Ramos. Manual do Novo Mandado de Segurança. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 88/89.
Advogada da União. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduada em Direito Constitucional e em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Alynne Andrade. A exigência da caução prevista no artigo 7º, III, da Lei 12.016/09 como limitador ou facilitador do direito do cidadão a obter liminar em sede de Mandado de Segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39474/a-exigencia-da-caucao-prevista-no-artigo-7o-iii-da-lei-12-016-09-como-limitador-ou-facilitador-do-direito-do-cidadao-a-obter-liminar-em-sede-de-mandado-de-seguranca. Acesso em: 10 dez 2024.
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