RESUMO: O presente trabalho tem como escopo discorrer sobre o instituto da recuperação judicial, apresentando seu conceito, requisitos, finalidade, objetivos, além de analisar alguns aspectos polêmicos da Lei de Recuperações e Falências, Lei 11.101/05. Busca-se uma abordagem de pesquisa essencialmente qualitativa, mas sem esquecer-se de alguns aspectos quantitativos que o tema exige. Apontando os aspectos positivos e os negativos da implantação da nova ordem falimentar, busca-se também apontar a forma que os tribunais vêm tratando a matéria e a eficácia da medida frente ao princípio da continuidade da empresa. A conclusão trazida por esse estudo se refere ao efeito predominantemente positivo da nova Lei de Falências ao ordenamento atual, mas a necessidade de seu aprimoramento para um maior sucesso nos processos de recuperação judicial.
Palavras-Chave: Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Da Recuperação Judicial. Aspectos positivos e negativos.
ABSTRACT: This work has the objective expound on the institution of judicial recovery, with its concept, requirements, purpose, goals, and analyze some controversial aspects of the Recovery Act and Bankruptcy Law 11.101/05. We seek a research approach essentially qualitative, but without forgetting some quantitative aspects of the subject demands. Pointing out the positives and the negatives of the implementation of the new bankruptcy order, search also point the way courts have treated the matter and the effectiveness of the measure against the principle of continuity of the company. The conclusion brought by this study refers to the predominantly positive effect of the new Bankruptcy Law spatial current, but the need for its improvement to a greater success in the process of reorganization.
Keywords: New Bankruptcy Law and Corporate Recovery. Judicial Reorganization. Positive and negative aspects.
1. INTRODUÇÃO
A recuperação judicial é um instituto relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro, previsto pela primeira vez apenas em 2005, quando da promulgação da Lei 11.101 de 2005, a chamada Lei de Recuperações e Falências veio para satisfazer uma enorme demanda por partes dos empresários, que é a previsão de um instrumento judicial desenhado especialmente para proporcionar às sociedades empresárias que se encontram em dificuldades financeiras uma forma de superar esse período de adversidades, satisfazendo assim o princípio da preservação da empresa.
Desta forma, aqui será abordado de forma preliminar o desenvolvimento do direito falimentar, desde os seus primórdios, no continente europeu, passando pelo desenvolvimento deste ramo do direito aqui no Brasil, iniciando pelas ordenações e finalizando com o surgimento da Lei 11.101/05.
Ultrapassadas essas fases introdutórias, passará a ser analisado o instituto da recuperação judicial propriamente dito, seu conceito, a polissemia do termo, requisitos para seu deferimento, objetivos e efeitos. Analisar-se-á aqui também cada etapa do processo de Recuperação Judicial e, por fim, será feita uma análise crítica a respeito deste instituto, tendo em vista a sua eficácia no que tange aos objetivos dispostos no artigo 47 da Lei 11.101/05.
Finalmente, o último ponto a ser analisado por este trabalho será a respeito da divergência doutrinária no que tange a aplicação do art. 194 da Lei de Recuperação e Falência, no aspecto da intertemporariedade das Leis.
2 HISTÓRICO
2.1 Evolução Histórica do Direito Falimentar
O cumprimento das obrigações por parte do devedor sempre foi uma preocupação da humanidade. Para tanto, desde o direito quiritário - no Direito Romano -, procurou-se formas coercitivas para fazer o devedor cumprir suas obrigações.
Em relação às formas coercitivas, inicialmente, o próprio devedor respondia pela obrigação, ou seja, ela recaía sobre o indivíduo, na forma de execução pessoal, sobre a liberdade da pessoa.
Com a evolução do Direito, a responsabilidade do devedor passou a recair sobre os seus bens e não mais sobre a sua liberdade e sobre o seu corpo, sendo esta a regra atual.
Devido à situação sócio-econômico-financeira em que se encontra o mundo, há uma tendência de evolução da regra da responsabilidade do devedor. Busca-se com tal tendência a diminuição da coercibilidade do instituto da falência.
Há também que considerar que as empresas são as principais fontes de postos de trabalho, de modo que a economia como um todo depende do seu bom funcionamento, pois dele que se gera riqueza e a circulação de capital. O governo, por sua vez, necessita de tributos e também de empregos. Sem tributos o Estado não funciona, e sem empregos para o povo, o governo tem que investir ainda mais para evitar as privações daquele.
Uma empresa fechada significa desemprego e não arrecadação dos tributos, queda na atividade produtiva, dentre outras péssimas consequências. Nesta ordem, vem a tendência da diminuição da coercibilidade da falência, visando, assim, à recuperação da empresa conforme um processo preestabelecido pela Lei. Esta é a tendência da ordem jurídica vigente atualmente.
Quando se estuda a evolução do sistema falimentar para se compreender a sistemática atual, é indispensável mencionarmos alguns períodos da história que contribuíram para o desenvolvimento deste instituto, os quais exerceram grande influência na legislação de nossa época, representando um verdadeiro legado para o Direito Falimentar atual.
Trata-se do período referente ao Direito Romano, à Idade Média e ao Código Napoleônico. Além disso, não nos olvidaremos de estudar o procedimento falimentar no Brasil: desde a época das Ordenações até a lei vigente na atualidade (Lei 11.101/2005).
O instituto da falência está ligado à evolução do conceito de obrigação. O vocábulo falir, etimologicamente, provém do verbo latim fallere – faltar, enganar. É um derivado do latim fallere, de que se formou fallentia, possui originariamente, o sentido de falha, defeito, carência, engano ou omissão.
Assim, entende-se por falência a falta do cumprimento de uma obrigação ou do que foi prometido. Nos primórdios, a falência era considerada um delito. Dessa forma, ao deixar o devedor de pagar o credor, este tinha o direito de apoderar-se do falido, sujeitando-o às punições que iam da prisão à mutilação.
A expressão bancarrotta também foi utilizada para definir falência e serviu de influência para o surgimento do antigo costume dos credores quebrarem a banca onde o mercador expunha suas mercadorias. É vocábulo que se derivou das expressões italianas banca rotto, para significar o estado de insolvência ou de cessação de pagamento, a que chegou o comerciante.
No idioma português usava-se a palavra quebra, surgindo o vocábulo quebrado, que significa devedor arruinado. Modernamente, em função da linguagem técnica, dá-se preferência ao uso do verbo falir e seus derivados.
2.1.1 Direito Romano
Nos primórdios da civilização romana, o devedor insolvente respondia por suas dívidas em sua liberdade ou honra, quer, até mesmo, em seu corpo e sua vida.
Ao tempo da Lei das XII Tábuas, em Roma, o credor tinha o poder de fazer justiça com as próprias mãos (manus injectio), ou seja, o credor não satisfeito apropriava-se dos bens do devedor, este poderia ser vendido como escravo ou ter seu corpo lacerado, em caso de multiplicidade de credores o corpo poderia ser até esquartejado, na proporção da dívida de cada um.
Não cumprindo a obrigação, dava-se o aprisionamento do devedor por 60 (sessenta) dias, facultando-se ao credor o direito de manter o falido em cárcere privado.
Em Roma, eram realizadas de nove em nove dias as feiras, para onde eram levados os devedores pelo credor três vezes consecutivas, na esperança de que um terceiro surgisse e se responsabilizasse pelo inadimplente.
As obrigações do devedor recaiam diretamente sobre a sua própria pessoa, eram honradas com a própria vida do devedor, donde se depreende que, a execução era impreterivelmente pessoal. Tal sistema vigorou por mais de dois séculos, quando finalmente foi abolido pela Lex Poetelia Papiria (428 a.C).
Sobre o assunto leciona Gladston Mamede[1]:
A insolvência, portanto, era hipótese de capitis diminutio máxima, ou seja, do maior decaimento de condição social, perdendo o devedor seu status político (status civitaties) de cidadão, sua liberdade e até a sua vida. Foi no Direito Pretoriano, diz Álvares, que se desenvolveu a ideia de que a insolvência poderia resolver-se limitando-se ao patrimônio do devedor
Historicamente, a Lex Poetelia Papiria foi o primeiro passo dado para criação do Direito Falimentar ao estabelecer, como solução para inadimplência, a garantia por meio do patrimônio do devedor.
Desse mecanismo institui-se, por Rutilio Rufo, a bonorum venditio, onde os bens do devedor eram desempossados (missio in bona) e custodiados pelo credor para futura venda (bonorum venditio) e satisfação dos créditos.
O decreto da missio in bona determinava ao credor o zelo e a administração do patrimônio do devedor desempossado. Os credores deveriam preparar o venditio anunciando a arrecadação dos bens por meio de edital. Decorridos o prazo de trinta dias, se vivo o executado, e de quinze dias se falecido, os credores eram convocados pelo pretor para estabelecerem as regras da venda.
Insta salientar que o sistema da bonorum venditio baseava-se na morte civil do devedor, dando a impressão de ser um ato voluntário. Em consequência, o devedor era marcado com nota de infâmia e perdia seus direitos civis. Para o devedor que desejava quitar seus débitos, mas que se encontrava impossibilitado por motivo de infortúnio surgiu, a bonorum cessio.
O procedimento bonorum cessio, criado pelo Lex Julia Bonorum (737 a.C), sob o domínio de César ou Augusto, permitia que o devedor insolvente, sem culpa, abandonasse seu patrimônio em favor dos credores. Dessa forma, o devedor demonstrava sua pretensão de não prejudicar os credores e evitava a execução e imposição da nota de infâmia. Para alguns autores este instituto seria o embrião da falência.
2.1.2 Idade Média
Na Idade Média, o devedor era considerado criminoso em razão de sua situação de insolvência. As penas atribuídas aos falidos eram muito rigorosas, derivadas do fato de que a falência era considerada um delito. Por isso, quase sempre o devedor procurava todos os meios lícitos e ilícitos para evitar a ação dos credores; e quando fosse impossível, fugia.
Entretanto, nas repúblicas italianas de Gênova, Florença e Veneza, uma divisão no tratamento jurídico da insolvência começou a ser desenvolvida.
Percebeu-se que a quebra do comerciante tinha particularidades e merecia tratamento distinto; nascia, então, o instituo da falência, como procedimento específico para cuidar da insolvência comercial, que agora evoluiu para a insolvência empresarial.
Luis XIV inspira-se nessas normas e práticas para introduzir na França, em 1673, uma ordenação específica para o comércio. No entanto, somente a legislação napoleônica deu ao tema tratamento disciplinar específico, distinguindo a insolvência civil da insolvência empresarial. Foi esta legislação que influenciou, no Brasil, a edição do Código Comercial de 1850.
2.1.3 Idade Moderna
Já na Idade Moderna, a partir do Code de Comerce de 1807, conhecido como Código Napoleônico, a falência assumiu a natureza de fato econômico-social.
A partir disso, observou-se o aperfeiçoamento do processo de falimentar com a criação de normas desprendidas de vínculos penalistas. Tais aperfeiçoamentos influíram no próprio conceito de empresa, vista hoje como instituição social.
Ainda na Idade Moderna, no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais, surge a preocupação com o aspecto econômico da falência. O Estado acentuou sua atuação nas questões de processo falimentar, chamando para si a liquidação do patrimônio do devedor e impondo sua exclusividade na aplicação de sanções.
Ao contrário da tradição histórica, em que o falido era presumidamente fraudulento e em que, o processo falimentar tinha em mira, antes de qualquer coisa, a liquidação do patrimônio para satisfação dos direitos dos credores, a tendência moderna, considerando a realidade econômica de cada país, preocupa-se principalmente com a empresa, como unidade, por seus reflexos sociais e econômicos, no contexto geral. Assim, a manutenção da empresa é o objetivo prevalecente, confiado ao prudente critério do magistrado, sem a interferência decisiva dos credores.
Ante o exposto, pode-se concluir que a evolução do direito falimentar é dividida em três momentos. O primeiro, caracterizado pelo rigor das penalidades corporais ao devedor insolvente. O segundo, em que a satisfação do direito dos credores passa à tutela do Estado e, por fim, o terceiro, em que se busca satisfazer o direito dos credores sem paralisar as atividades da empresa, dada sua natureza econômico-social.
2.2 Direito Falimentar No Brasil
O Brasil, na condição de colônia, seguia a legislação de Portugal, que já tratava da insolvência desde o século XV, quando as Ordenações Afonsinas repetiam a mecânica da cessio bonorum, reconhecendo, ademais, a figura da moratória.
Em 1521, no direito português, as Ordenações Manuelinas (1521 – 1603), que regulavam o concurso de credores quando o patrimônio do devedor era insuficiente para quitar os débitos, substituiu as Afonsinas, sem, entretanto, realizar inovações significantes.
Em 1603, as Ordenações Manuelinas foram substituídas pelas Ordenações Filipinas, surgidas na Espanha e aplicadas à Portugal e suas colônias.
As Ordenações Filipinas trataram da “quebra”, das penalidades para quem incorresse em falência, da autofalência e das concordatas.
No período de vigência das Ordenações Filipinas houve uma maior preocupação com as várias modalidades de fraudes na quebra, considerando que o falido fraudulento não era um criminoso comum e atribuindo-lhe a condição especial de públicos ladrões.
Neste período, Marquês de Pombal (Sebastião Jose de Carvalho e Melo) editou o Alvará de 13 de novembro de 1756, o primeiro e importante documento jurídico versando sobre falência, desvinculado das ordenações portuguesas.
Após a Revolução Francesa, com a promulgação, em 1808, do Código Comercial francês, sob a influência direta das ideias de Napoleão Bonaparte, aquelas ideias espalham-se daí para todo o mundo ocidental, influindo diretamente no direito português e, em consequência, no direito brasileiro.
Proclamada a Independência do Brasil, em 1822, nosso país continuou a reger-se pelas Leis portuguesas. Em 1830, promulgou-se o Código Criminal, e este reservou um espaço especial para tratar dos crimes falimentares. No que se refere à qualificação de tais infrações, ficou consignado que as Leis de comércio é que delimitariam o tema.
No período imperial, após a Proclamação da República, foi instituído o Código Comercial Brasileiro de 1850. O novo instituto possuía influências portuguesa e francesa.
A Proclamação da República despertou no governo o desejo de criar leis compatíveis com o novo sistema. E, neste momento, o Código Comercial teve sua parte III derrogada pelo Decreto n. 917, de 24.10.1890.
Mais adiante, por ocasião da Ditadura Vargas, encomendou-se a um grupo de juristas a elaboração de um anteprojeto para uma nova Lei de Falências. O trabalho desenvolvido pelos juristas responsáveis pelo projeto resultou no Decreto-Lei 7.661 em 1945.
Dentre as inovações que ele trouxe está a maior autonomia do magistrado para conduzir o processo de falência, a redução dos poderes dos credores e transformou a concordata em um direito subjetivo do devedor e não mais um acordo de vontades.
Já na década de 70, percebeu-se a necessidade de reformas; os debates iniciados, todavia, só surtiram efeito muitos anos depois, com a edição da Lei 7.274/84.
O lance final dessa evolução foi a apresentação ao Congresso Nacional, em 1993, de um projeto de lei de uma nova regulamentação jurídica para a falência, o que, após muitas discussões, culminou com a edição da Lei 11.101/05.
3 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL
3.1 Conceito
A recuperação foi a grande novidade trazida pela Lei 11.101/05 e é, talvez, atualmente, o instrumento mais importante para a aplicação do princípio da continuidade da atividade empresarial, uma vez que, não obstante tratar-se de matéria de direito privado, a cessação da atividade empresarial traz graves consequências para toda a coletividade que permeia a cadeia de produção: os credores perdem seus créditos; os empregados seus empregos; o fisco os tributos; a população os produtos e serviços que eram oferecidos.
Desta forma, a recuperação, tanto judicial, quanto a extrajudicial, tem por objetivo, nos termos do art. 47 da Lei de Recuperações e Falências, viabilizar a superação da situação de crise financeira-econômica do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e os estímulo à atividade econômica.
Destaque para a precisão terminológica do termo “crise financeira-econômica”, ao invés do termo utilizado pelo legislador “econômica-financeira”. O que aparentemente se demonstra um preciosismo doutrinário não o é, pois, quando se fale em crise econômica-financeira, está a se falar em uma situação muito mais grave que quando se fala em uma crise financeira-econômica.
Assim, quando determinada empresa apresenta-se em crise econômica-financeira, a possibilidade de recuperação é mais do que remota, sendo mais viável para a solução do caso a utilização do instituto da Falência.
Prosseguindo com a definição do termo recuperação, esta, como já mencionada a algumas linhas atrás, pode ser judicial ou extrajudicial.
Judicial será quando decretada pelo Juízo competente, após a aprovação do plano de recuperação judicial. Extrajudicial será quando for resultante de um “acordo” entre o empresário devedor ou seus assemelhados e alguns ou a unanimidade de seus credores, neste caso, o judiciário atuará apenas para homologar o “acordo”
Sobre o conceito de recuperação extrajudicial, leciona o grande mestre Gladston Mamede em seu livro “Direito Empresarial Brasileiro: falência e recuperação de empresas” da seguinte forma:
Trata-se de mais expressão da compreensão da recuperação da empresa como um assunto privado ao qual o Estado é convocado apenas acessoriamente, para garantir estabilidade e executoriedade ao que for deliberado, bem como para assegurar que a dimensão coletiva, assemblear, da tomada de decisão, impeça que a vontade arbitrária, isolada, de um ou alguns possa atuar contra a dos demais e, principalmente, contra os princípios da preservação da empresa e de sua função social.
No que tange ao conceito de recuperação judicial, prossegue Gladston Mamede:
A recuperação judicial é instituto, medida e procedimento que se defere apenas em favor de empresas, ou seja, que somente pode ser requerida por empresários ou sociedades empresárias. Portanto, o pedido de recuperação judicial só é possível, antes de mais nada, quando se tenha uma empresa regularmente contituída. Não é juridicamente possível o pedido de recuperação de atividades negociais conduzidas e titularizadas por trabalhadores autônomos ou sociedade simples, ainda que estejam em crise econômico-financeira. Esta restrição justifica-se pela compreensão da forma distinta em que se inserem no mercado a empresa e a atividade negocial, autônoma ou societária simples (...).
Assim, desse conceito de Gladston Mamede, pode-se concluir que o termo recuperação judicial admite três enfoques.
Quando se está a se falar do Instituto da Recuperação judicial, aqui está presente o seu conceito material, de direito substantivo. É o instituto que tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise financeira-econômica do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Processualmente ou no sentido adjetivo, a recuperação judicial é uma medida legal destinada a evitar a falência, proporcionando ao empresário devedor a possivilidade de apresentar, em juízo, aos seus credores, formas para a quitação de seu débito. Trata-se do procedimento em si.
3.2 As Fases do Processo de Recuperação Judicial
O Processo de Recuperação Judicial pode ser dividido em 3 fases, onde se inicia da fase de processamento até a fase de execução do plano.
A primeira fase, segundo Fábio Ulhoa Coelho[2], denomina-se de fase postulatória. Segundo o doutrinador (2007, p. 407), “a fase postulatória do processo de recuperação judicial compreende, via de regra, dois atos apenas: a petição inicial (com a instrução exigida por lei) e o despacho do juiz mandando processar a recuperação.”
Desta forma, a sociedade empresária apresenta o pedido de recuperação judicial, que deve conter as exigências do artigo 51, da Lei 11.101/2005, onde o juiz analisará e mandará processar o pedido de recuperação judicial. Esta fase é rápida, e ocorre desde o pedido de recuperação judicial até o despacho judicial mandando processar o pedido, englobando, segundo a lei:
A exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; as demonstrações contábeis; relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; a relação nominal completa dos credores, a relação integral dos empregados; certidões de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; os extratos bancários e investimentos; certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial e a relação de todas as ações judiciais em que figure como parte.
O Ministério Público, nesta fase, em regra, não participa, haja vista a falta de previsão legal, pois a lei só exige a participação deste órgão após o juiz determinar o processamento do pedido.
Outro ponto a considerar na primeira fase, é quanto ao sujeito ativo, pois só tem legitimidade ativa para o processo de recuperação judicial quem está sujeito à falência. As sociedades simples, cooperativas, instituições financeiras e afins não podem pleitear a recuperação judicial, pois não se sujeitam à falência.
Porém, insta mencionar a regra do artigo 197, da Lei 11.101/2005, que assim prescreve:
Art. 197 Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-lei n° 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei n° 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-lei n° 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei n° 9.514, de 20 de novembro de 1997.
Com este dispositivo, e pela interpretação literal, seria possível a aplicação do instituto da recuperação judicial às instituições financeiras, pois a Lei 11.101/2005 aplicar-se-á a Leis relatadas acima, incluindo a Lei n° 6.024, de 13 de março de 1974, que se refere às Instituições Financeiras, até a criação de Lei especial que regulamente o instituto.
Porém, há que se indagar e questionar, que caso uma instituição financeira venha a se socorrer do instituto da recuperação judicial no país, qual a pessoa física ou jurídica que manterá vínculo com uma sociedade sem estabilidade no mercado econômico e financeiro. Ainda mais, qual será a credibilidade da instituição no meio econômico e financeiro perante tal situação.
Vale lembrar também, que as Companhias Aéreas, por previsão no artigo 199, da Lei 11.101/2005, podem se socorrer do instituto da recuperação judicial. Este dispositivo surgiu para a satisfação das Companhias Aéreas, sendo uma pretensão política por imposição destas companhias, onde retirou do grupo dos devedores que não poderiam se socorrer da recuperação judicial, pois o artigo 198, da Lei 11.101/2005, impede que devedores proibidos de requererem a concordata, nos ditames da legislação anterior, requeiram, também a recuperação judicial.
Portanto, de acordo com o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), os empresários que explorassem serviços aéreos de qualquer natureza ou infraestrutura aeronáutica não poderiam impetrar a concordata, porém, tal disposição do artigo 198, da Lei 11.101/2005, não se aplica às companhias aéreas, por força do artigo 199, da Lei 11.101/2005.
Existem ainda requisitos legais, estabelecidos no artigo 48, da Lei 11.101/2005, que são essenciais para a sociedade empresária requerer a recuperação judicial e que a tornam legítima para tal ato. Os requisitos são:
a) a sociedade empresária não pode estar falida;
b) ter, pelo menos, 2 (dois) anos de atividade comprovadas com o registro na Junta Comercial;
c) não pode ter se beneficiado da recuperação judicial nos últimos 5 (cinco) anos, considerando os 5 (cinco) anos do término da recuperação judicial;
d) ausência de condenação dos sócios ou administradores para o crime falimentar.
Em relação ao sócio minoritário ele pode pedir a recuperação judicial, porém o mais viável seria ele se retirar da sociedade, vendendo suas participações societárias. Cabe ao juiz ter a cautela de ouvir os sócios majoritários antes de qualquer providência a este respeito.
Quanto ao empresário individual, a lei legitima o devedor, pessoa física, a se recuperar judicialmente, mesmo que tenha falido, porém cumpriu todas as suas obrigações na falência. Na hipótese da morte do empresário individual, a recuperação judicial pode ser pedida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros ou inventariante (ocorre através do inventário, pois se trata de pessoa física).
A segunda fase, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 406) denomina-se de “fase deliberativa”. Esta fase ocorre do despacho judicial até a aprovação do plano de recuperação judicial. Os credores deliberam sobre o plano de recuperação judicial.
Com o despacho judicial, caso cumpra as exigências legais, estes geram efeitos no mundo jurídico. Segundo leciona Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 416):
A mera distribuição do pedido de recuperação judicial produz o efeito de sustar a tramitação dos pedidos de falência aforados contra a devedora requerente. Verifica-se a suspensão destes se a petição inicial de recuperação estiver instruída na forma da lei.
É exatamente neste ponto, que alguns doutrinadores e estudiosos no assunto, entre eles, o próprio Fábio Ulhoa, entendem que possa haver a fraude, pois a sociedade empresária poderá ajuizar pedido de recuperação judicial para retardar com as obrigações com seus credores, evitando desta forma a falência. Porém, é cabível aos credores, e até mesmo ao juiz, verificar as condições fraudulentas e tomar atitudes, evitando que a sociedade empresária desvirtue o instituto da recuperação judicial.
Após a sociedade empresária apresentar o pedido de recuperação judicial e estes estando de acordo com que reza a Lei 11.101/2005, conforme os requisitos do tópico 4.2, o juiz ordenará o processamento da recuperação judicial. Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 416) pondera:
Note-se que este despacho, cujos efeitos são mais amplos que os da distribuição do pedido, não se confunde com a ordem de autuação ou outros despachos de mero expediente. Normalmente, quando a instrução não está completa e a requerente solicita prazo para emendá-la, a petição inicial recebe despacho com ordem de autuação e deferimento do pedido. Esses atos judiciais não produzem nenhum efeito além do relacionado à tramitação do processo. Não se confundem com o despacho de processamento do pedido, que o juiz somente está em condições de proferir quando adequadamente instruída a petição inicial.
Obtempere-se que o despacho que processa a recuperação judicial distingue-se da decisão que concede a recuperação judicial. Quanto a isto relata Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 417):
O pedido de tramitação é acolhido no despacho de processamento, em vista apenas de dois fatores – a legitimidade ativa da parte requerente e a instrução nos termos da lei. Ainda não está definido, porém, que a sociedade devedora é viável e, portanto, tem o direito ao benefício. Só a tramitação do processo, ao longo da fase deliberativa, fornecerá os elementos para a concessão da recuperação judicial.
Segundo o mesmo autor (COELHO, 2007, p. 417):
O conteúdo e efeitos do despacho de processamento da recuperação judicial estão previstos em lei. São os seguintes: a) nomeação do administrador judicial; b) dispensa do requerente da exibição de certidões negativas para o exercício de suas atividades econômicas, exceto no caso de contrato com o Poder Público ou outorga de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; c) suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor com atenção às exceções da lei; d) determinação à devedora de apresentação de contas demonstrativas mensais; e) intimação do Ministério Público e comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que a requerente estiver estabelecida.
Por fim, a decisão será publicada na imprensa oficial, onde constará a relação dos credores, o resumo do despacho do processamento e o prazo para os credores se manifestarem no processo de recuperação judicial.
A terceira e derradeira fase, em base aos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 406) denomina-se de “fase de execução”. Esta fase compreende a fiscalização do cumprimento do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores.
Na terceira fase, portanto, é onde o plano de recuperação se desenvolverá, ou seja, após a aprovação do plano de recuperação judicial apresentado pela sociedade empresária em recuperação judicial, ou o plano alterado pela assembleia de credores, a recuperação judicial seguirá, conforme descrito no plano apresentado, respeitando os seus prazos e valores.
O mais razoável e viável, é que os próprios credores fiscalizem o cumprimento do plano, tanto por parte do cumprimento da sociedade empresária em recuperação judicial em relação ao plano, como pelo descumprimento de algum dos credores, visando com esta medida, caso haja alguma irregularidade no cumprimento do plano apresentado e aceito pelos credores, que seja denunciado ao juiz competente, para que este tome as necessárias atitudes previstas em lei, inclusive, transformar a recuperação judicial em falência, dependendo da amplitude do descumprimento das regras do plano cometidas pela sociedade empresária em gozo do benefício do instituto da recuperação judicial.
Convém comentar, que esta fase somente existirá se a assembleia aprovar o plano de recuperação judicial, pois como bem menciona Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 423):
Em suma, três podem ser os resultados da votação na Assembléia: a) aprovação do plano de recuperação, por deliberação que atendeu ao quorum qualificado da lei; b) apoio ao plano de recuperação, por deliberação que quase atendeu a esse quorum qualificado; c) rejeição de todos os planos discutidos. Em qualquer caso, o resultado será submetido ao juiz, mas variam as decisões judiciais possíveis em cada um deles. No primeiro, o juiz limita-se a homologar a aprovação do plano pelos credores; no segundo, ele terá a discricionariedade para aprovar ou não o plano que quase alcançou o quorum qualificado; no terceiro, deve decretar a falência da sociedade requerente da recuperação judicial.
Por fim, o processo de recuperação judicial se encerra com a sentença do processo.
3.3 Os Objetivos Da Recuperação Judicial
O artigo 47, da Lei 11.101/2005, prescreve que:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Em análise ao artigo 47, da Lei 11.101/2005, que estabelece os objetivos da recuperação judicial, é clara a denotação que este instituto pode ocorrer de maneiras variadas, onde a lei se preocupou em fixar os mínimos legislativos essenciais para que o instituto vigorasse. Desta forma, a lei possibilitou a sociedade empresária em crise, uma variada gama de oportunidades para que se restabeleça no mercado econômico-financeiro.
Insta salientar, que o fim primordial previsto no artigo 47, da lei 11.101/2005, é proporcionar a sociedade empresária a sua recuperação e, assim, cumprir sua função social, pois com a continuidade da sociedade empresária no mercado econômico-financeiro, serão preservados muitos interesses, entre eles, os empregos dos colaboradores (funcionários), credores, gerando riquezas ao país e exercendo, como mentalizou o legislador, os interesses da sociedade empresária ao bem da coletividade.
Como já mencionado acima, o artigo citado possui um conteúdo imenso não perceptível em uma simples leitura deste, porém um estudo mais aprofundado no tema da finalidade da recuperação judicial faz-nos concluir que o rol de situações almejadas pelo legislador para o instituo da recuperação judicial é bem amplo.
A regulamentação legal do plano de recuperação judicial deve ser vista sob dois aspectos: o macro, das finalidades gerais; o micro, das metas setoriais e específicas.
Sob uma perspectiva geral, a recuperação judicial tem por escopo: reorganizar a empresa em crise financeira; preservar as oportunidades de emprego; implementar a valorização da massa próxima da insolvência; dilatar as possibilidades de negociação para a solução de passivo; envolver a maior parcela possível de credores e empregados do devedor; fixar os efeitos da desaprovação ou descumprimento do plano; regular a conversão da recuperação em falência; especificar o conteúdo mínimo e a justificativa do plano; fixar mecanismos de alteração do plano; estabelecer os limites da supervisão judicial da execução do plano e; regulamentar o lenço de atribuições dos órgãos administrativos do plano.
Detalhando esses pontos, a LRE disciplina: forma de distribuição dos fundos; solução para a execução parcial ou integral dos contratos; venda dos bens gravados; procedimentos de deliberação; expedientes de divulgação; soluções para créditos impugnados; alternativas para resolução das questões pertinentes ao pessoal da empresa; funções executivas reservadas ao administrador judicial; condições da constituição do Comitê; liquidação dos créditos; eventual incidência de juros; modificações estruturais para viabilização da empresa; hipóteses de suspensão do plano; extensão do período do plano e; afetação do plano por normas tributárias, previdenciária, trabalhistas etc.
Com estas explanações sobre a finalidade da recuperação judicial podemos verificar que o texto legal é uma obra magnífica e perfeita, contudo necessitamos analisar a realidade prática onde ocorrem os casos concretos e analisar, se nesta, os objetivos prescritos no ordenamento jurídico estatal é tão esplêndido ou comporta falhas e vícios que faz com o escopo do instituto da recuperação judicial não seja alcançado.
Com isto, percebe-se que apesar de todo o texto legal enfatizar o aspecto da função social da empresa e visar a recuperação das sociedades empresárias, a realidade se demonstra em contradição com a teoria da Lei 11.101/2005, pois como veremos adiante, o número de sociedades empresárias que se socorrem do instituto da recuperação judicial é bem insignificante, diante do montante de empresas que encerram suas atividades empresariais, revelando que a recuperação judicial ainda está muito distante de alcançar a sua finalidade social.
3.4 Da Efetividade Da Recuperação
Não obstante os grandes avanços da nova Lei de Recuperação e Falência, no campo da prática, persistem ainda muitos entraves para o seu devido processamento, é o que diz recente notícia divulgada pela OAB do Rio de Janeiro[3].
Informa a notícia que apenas cerca de 1% das 4 mil companhias que pediram recuperação judicial voltaram a operar regularmente. Ademais, no decorrer desses oito anos e meio, só 23% delas tiveram seus planos de recuperação aprovados pelos credores, 398 faliram e a maioria dos processos se arrasta no Judiciário sem definição final.
Isso se dá porque a maioria dos planos aprovados não é um projeto de reestruturação para tornar a empresa viável economicamente. São basicamente renegociações de dívidas.
Os processos frequentemente se tornam uma batalha jurídica entre credores, acionistas e administradores judiciais. Cada um invoca a lei para tentar garantir seus interesses e a recuperação da empresa em si fica em segundo plano.
A razão é simples: o tempo é inimigo de empresas em crise. Quanto mais se demora para resolver a questão, menos vale a companhia e mais difícil fica reerguer a empresa.
A recuperação judicial foi criada para substituir a antiga concordata e evitar a falência das empresas. As companhias que recorrerem à lei ficam blindadas de cobranças de credores por 180 dias e deverão elaborar um plano para recuperar a empresa. Esse plano precisa ser aprovado pelos credores e executado com sucesso pela companhia para o processo chegar ao fim. A decisão de encerrar a ação é da Justiça.
A recuperação judicial foi inspirada no chamado Chapter 11 da legislação americana. Lá, a taxa de sucesso, historicamente, varia entre 20% e 30%, bem acima do 1% brasileiro.
A lei americana é mais aprimorada, mas as grandes diferenças são a agilidade do processo e a maturidade do mercado em enfrentar uma reestruturação, dizem os especialistas. Nos Estados Unidos, o envolvimento do credor é muito maior e não se resume a aprovar ou não o plano de recuperação.
No caso da montadora GeneralMotors, por exemplo, que pediu concordata em 2009, credores como o governo americano e o sindicato United Auto Workers converteram suas dívidas em ações de uma "Nova GM". O plano foi aprovado em cerca de 30 dias. A empresa se recuperou e os credores venderam suas ações anos depois.
Portanto, é para este sentido que nós devemos caminhar. É preciso ter em mente que a recuperação efetiva da empresa representa a garantia da satisfação de todos os créditos, o que não ocorre como a falência. O empresario brasileiro, que se põe na condição de credor na recuperação judicial deve entender que o seu papel no processo não é só para receber a pecúnia a qual faz jus, pois a recuperação da empresa representa efeitos para uma coletividade bem maior.
4 DIREITO INTERTEMPORAL
O instituto da concordata tem sua origem remota, surgindo na Europa, mais precisamente na Itália, no período da Idade Média. Além de inovar o instituto da falência, a concordata veio aperfeiçoar as instituições comerciais da época.
Ao se estudar o Direito Romano, pode-se vislumbrar que não havia concordata para àquele devedor insolvente, entretanto, surgem no Direito Pretoriano, institutos que muito se aproximava da concordata, o primeiro era o pactum ut minus solvatur que era um instituto no qual os credores acatavam a proposta do devedor, que importava na diminuição proporcional de seus créditos. E o segundo as Inducias quinquennales, que era um benefício que o devedor insolvente obtinha do imperador, ficando suspenso o pagamento de suas dívidas por um prazo de cinco anos.
O instituto em tela surgiu pela primeira vez na legislação brasileira no Código Comercial de 1850, nos arts. 898 a 906. Nessa época, admitia-se moratória, porém, vedava ao devedor angariar os benefícios do instituto da concordata.
O Decreto n. 917, de 1890, foi o primeiro a inserir na legislação pátria a concordata, nesse momento, com uma roupagem mais acentuada, e foi mais aprimorado pela Lei n. 2.024, de 1908. Ressalte-se que as espécies de concordata preventiva e suspensiva já estavam inseridas nas disposições do Decreto n. 917.
Ulteriormente, surge o Decreto – lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, que tratava sobre a concordata nos arts. 139 a 185.
No Brasil, a concordata era tida como um contrato firmado entre devedor e credores, nos termos da lei de falências e sob a superintendência do juiz, que homologaria o acordo feito.
Posteriormente a concordata que era tida como um contrato passou a ser um ato processual, onde o magistrado verificava e decidia se a proposta feita pelo devedor atendia as exigências descritas na legislação falimentar, mesmo sendo a proposta contra a vontade dos credores. Dessa maneira, verifica-se que o Decreto-lei n. 7.661/45, modificou o sistema tradicional da época, não permitindo mais que a concessão de favor ficasse na dependência da vontade dos credores, aliás, a adoção desse sistema teve sua origem no anteprojeto do eminente jurista Miranda Valverde em 1939. Nesse cenário falimentar, os estudiosos entendiam que o sistema procurava evitar os acordos extrajudiciais, uma vez que violavam o princípio da isonomia que deveria existir entre a universalidade de credores.
O parágrafo 1º do art. 192 veda a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão do inquérito judicial.
O parágrafo 1º do Art. 192 parece entrar em conflito com seu caput, afastando dos velhos falidos a regência da lei antiga e retirando-lhes o direito à concordata suspensiva.
Fosse esse o sentido do 1º, ele seria inconstitucional, porque atentaria contra os princípios da igualdade e do direito adquirido, reduzindo os velhos falidos a situação inferior à dos novos (que contam com a possibilidade de recuperação judicial).
O conflito, entretanto, é aparente. Em substância, o parágrafo 1º consagra norma autônoma, desvinculada do caput. O preceito nele contido determina que, enquanto as falências decretadas antes da Lei nova regem-se integralmente pela lei velha; as novas falências em curso, mas não decretadas antes do estatuto novo são insuscetíveis de resultar em concordata.
O tema remanescente envolve um conflito aparente de normas sediado no Art. 192 da Lei 11.101/05. O parágrafo 1º traz dispositivo que parece contrariá-lo, já que veda a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida, assim que concluída a arrecadação, independentemente da formação de quadro-geral de credores e da conclusão do inquérito judicial.
À primeira vista, o parágrafo derrogou todo o título X do Dec-Lei 7.661, extinguindo o instituto das concordatas. Caso os processos em curso continuam a observar o velho estatuto do DL 7.661/45, é porque falidos e concordatários continuam expostos às exigências e sanções nele previstas e titulares dos benefícios por ele concedidos. Não faria sentido mantê-los expostos às sanções e, ao mesmo tempo, quitar-lhes as benesses. Se permanecem no regime da lei velha, eles podem obter o benefício da concordata suspensiva. Não faria sentido privá-los da perspectiva de salvação como lhes acena a vetusta lei, mantida em vigor. Menos sentido faria reduzir-se o falido antigo à situação pior do que aquela assegurada aos novos quebrados (recuperação judicial ou extrajudicial). Tal redução pejorativa quebraria o princípio constitucional da igualdade. É certo que nenhuma interpretação pode levar à inconstitucionalidade da Lei. Cumpre, assim, ao hermeneuta retirar do texto legal um sentido que não o ponha em confronto com a Constituição.
No caso, o parágrafo 1º consagra norma autônoma, desvinculada do caput. Enquanto o caput refere-se aos processos de falência ou de concordata “ajuizados anteriormente ao início de sua vigência”, o parágrafo 1º dirige-se aos processos de falência “em curso”. Tal diferença aparentemente inócua tem consequência fundamental: enquanto as falências decretadas antes da Lei nova regem-se integralmente pela lei velha; as falências em curso (não decretadas antes do estatuto novo) não podem resultar em concordata. Isso quer dizer: o parágrafo 1º consagra preceito autônomo, regulando situação não prevista no caput. Se assim ocorre, o processamento da concordata, em primeiro grau, não maltratou o 1º do Art. 192.
Sobre este assunto, segue ementa do REsp. 971.215/RJ:
I - Não ofende o Art. 535 do CPC o acórdão que, apesar de rejeitar embargos declaratórios, examina todas as questões postas pelo embargante. II - A Súmula 99, ao declarar a legitimidade do Ministério Público para recorrer nos processos em que oficia como fiscal da lei, refere-se estritamente à defesa de interesses indisponíveis. Não alcança, pois, a concordata, onde se envolvem apenas interesses disponíveis do comerciante e de seus credores quirografários. III - No moderno Direito falimentar, o interesse social preponderante é manter a empresa em atividade (L. 11.101/05, Art. 1º). Por isso o Ministério Público carece de interesse para pleitear a desconstituição da concordata. IV - “O despacho que manda processar a concordata é irrecorrível.” V - A teor da Lei 11.101/05 (Art. 192), os processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, continuarão sob regência do Dec-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945. VI - § 1º Ao vedar a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso, o § 1º do Art. 192 parece entrar em conflito com seu caput, afastando dos velhos falidos a regência da lei antiga e retirando-lhes o direito à concordata suspensiva. Fosse esse o sentido do § 1º, ele seria inconstitucional, porque atentaria contra os princípios da igualdade e do direito adquirido, reduzindo os velhos falidos a situação inferior à dos novos (que contam com a possibilidade de recuperação judicial). VII - O conflito, entretanto, é aparente. Em substância, o § 1º consagra norma autônoma, desvinculada do caput. O preceito nele contido determina que, enquanto as falências decretadas antes da Lei nova regem-se integralmente pela lei velha; as novas falências – em curso, mas não decretadas antes do estatuto novo – são insuscetíveis de resultar em concordata.
(STJ - REsp: 971215 RJ 2006/0248205-4, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 21/08/2007, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 15/10/2007 p. 268)
5 CONCLUSÃO
A recuperação foi a grande novidade trazida pela Lei 11.101/05 e é, talvez, atualmente, o instrumento mais importante para a aplicação do princípio da continuidade da atividade empresarial, uma vez que, não obstante tratar-se de matéria de direito privado, a cessação da atividade empresarial traz graves consequências para toda a coletividade que permeia a cadeia de produção: os credores perdem seus créditos; os empregados seus empregos; o fisco os tributos; a população os produtos e serviços que eram oferecidos.
De modo que a recuperação, tanto judicial, quanto a extrajudicial, tem por objetivo, nos termos do art. 47 da Lei de Recuperações e Falências, viabilizar a superação da situação de crise financeira-econômica do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e os estímulo à atividade econômica.
Entretanto, apesar dos avanços que a legislação trouxe, é preciso atentar para alguns pontos de ordem prática que impedem a sua aplicação de forma mais eficiente e eficaz.
O percentual de apenas 1% de sucesso nos planos de recuperação é alarmante, principalmente quando contrastado com o percentual de 20% a 30% dos EUA.
Além disso, nota-se que o empresariado nacional busca ao máximo evitar o pedido de recuperação judicial, preferindo, na maioria das vezes, requerer de imediato a falência, pois a burocracia do procedimento e os entraves que os credores impõem para a aprovação do plano de recuperação acabam por inviabilizar a superação da crise econômica e financeira da empresa, o que representa manifesta afronta aos princípio da continuidade da atividade empresarial e da função social da empresa.
O que o ordenamento jurídico deve buscar é fortalecer ainda mais o poder decisório do magistrado no procedimento de recuperação judicial, retirando um pouco os poderes dos credores, tendo em vista que o interesse na superação da crise financeira não é mero interesse particular, mas principalmente público, tendo em vista a pluralidade de interesses presentes.
6 REFERÊNCIAS:
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários a Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas, 4ª Edição. São Paulo: Atlas S.A., 2012.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3ª Ed. Rev. Ampl. Atual. Salvador: JusPodivm, 2009
http://www.serasaexperian.com.br/release/indicadores/falencias_concordatas.htm Acesso em 1 de novembro de 2013.
ARAÚJO, Aloísio Pessoa. Avaliação da Nova Lei de Falências - Lei 11.101/05. Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL). Disponível em:
http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7B68E6736C-4DF7-498B-ABC3-DBCFE29195F6%7D&ServiceInstUID=%7B0831095E-D6E4-49AB-B405-C0708AAE5DB1%7D Acesso em 1 de novembro de 2013.
Notícia: “Só 1% das empresas sai da recuperação judicial no Brasil”. Disponível em:
http://oab-rj.jusbrasil.com.br/noticias/111936478/so-1-das-empresas-sai-da-recuperacao-judicial-no-brasil?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
[1] MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas, 5º edição. São Paulo: Atlas S.A., página 8.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários a Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
[3] http://oab-rj.jusbrasil.com.br/noticias/111936478/so-1-das-empresas-sai-da-recuperacao-judicial-no-brasil?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter, acessada em 28 de outubro de 2013.
Advogado, graduado em direito pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Vitor Carvalho Curvina Costa de. Da recuperação judicial: Aspectos positivos e negativos da Lei nº 11.101/05 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46477/da-recuperacao-judicial-aspectos-positivos-e-negativos-da-lei-no-11-101-05. Acesso em: 10 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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