RESUMO: Com o presente artigo objetivou-se realizar um estudo acerca da decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz, buscando desde os primórdios, nos modelos processuais adotados pelo país, os poderes instrutórios conferidos aos juízes. Confrontou-se tais poderes com alguns princípios constitucionais penais, como forma de descaracterizá-los frente ao modelo adotado pela Constituição, o modelo acusatório, bem como os direitos e garantias positivados nela, e em nosso Código de Processo Penal, o qual, mesmo com as recentes mudanças trazidas pela Lei 12.403/11, ainda possui traços inquisitoriais, incompatíveis com o modelo atual de sistema penal, como também, incompatíveis com as garantias positivadas na constituição, uma vez que, o juiz decreta a prisão preventiva de ofício ao indivíduo no curso da ação penal, dessa forma, cerceando um dos maiores direitos do ser humano, a sua liberdade, assim, contrariando os princípios da imparcialidade e da presunção de inocência.
Palavras-Chave: Constituição Federal. Princípios. Prisão preventiva. Sistemas processuais penais.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS; 2.1 SISTEMA ACUSATÓRIO; 2.2 SISTEMA INQUISITÓRIO; 2.3 SISTEMA MISTO; 3 DOS PRINCÍPIOS; 3.1 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL; 3.1.1 AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE; 3.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU NÃO CULPABILIDADE; 4 DA PRISÃO PREVENTIVA E SUA DECRETAÇÃO DE OFÍCIO; 5 CONCLUSÃO.
1 INTRODUÇÃO
O modelo de sistema penal adotado pela nossa Constituição Federal é o acusatório, baseada no Estado de Direito, que prevê princípios e garantias individuais e intrínsecas ao ser humano, e que assume dentro do nosso ordenamento jurídico uma posição de supremacia, superioridade, devendo ser seguida por todos os outros ramos do Direito, em especial o Direito Penal e Processual Penal, por tratarem de forma direta com os direitos e garantias de maior valor, tais quais a vida, a integridade física e a liberdade.
Com o estudo feito acerca da prisão preventiva e a sua decretação de ofício pelo juiz, constatamos em sede de medida cautelar, algumas arbitrariedades por parte deste no momento da decretação, pois com a nova redação trazida pela Lei 12.403/11, o legislador aumentou o seu âmbito de atuação, podendo agora, decretá-la de ofício se no curso da ação penal, ou seja, sem necessidade não de provocação, agindo assim com total imparcialidade. Percebe-se também que, ao se tratar de uma medida cautelar, onde a prisão é uma exceção, e a liberdade é a regra, deve-se agir com muita cautela, partindo de um pressuposto de ultima ratio, pois se trata do cerceamento da liberdade do indivíduo, baseada no princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, elencada de forma expressa em nossa Carta Maga.
Contudo, algumas observações devem ser feitas acerca da decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz, a partir da nova redação do artigo 311 do CPP, trazida pela Lei 12.403/11, de forma a enfatizar o seu caráter defasado, com traços ainda inquisitoriais, onde o juiz age de forma parcial, atuando como parte no processo, cerceando a liberdade do indivíduo, antecipando uma pena, jogando um suposto culpado ao cárcere, presumindo a sua culpabilidade. Vale ressaltar que, frente a uma sociedade em desenvolvimento, pautada no Estado Democrático de Direito, que prevê a todos direitos e garantias individuais, tal medida cautelar deve ser analisada com muita cautela, aspirando novos rumos, buscando seguir a norma suprema, rumo a um Direito Processual Penal garantista.
O objetivo geral deste trabalho é o estudo acerca da decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz, abrangendo os seus poderes instrutórios com enfoque no modelo de sistema penal adotado, bem como nos princípios positivados na Constituição Federal.
Porém, para melhor entendermos a problemática aqui trazida, fez-se necessário trazer os modelos de sistema penal adotados ao longo da história, seguindo de alguns princípios constitucionais penais de grande relevância para o tema, e por fim, a análise do tema principal, traçando as novas mudanças, bem como, citando outras legislações que tratam do mesmo tema.
O trabalho foi dividido em três capítulos buscando aprimorar o assunto para um melhor entendimento do leitor. O primeiro capítulo trata dos sistemas processuais penais e suas características; o segundo capítulo traz os princípios constitucionais penais e sua relevância para o tema estudado; o terceiro e ultimo capítulo trata sobre a prisão preventiva e sua decretação de ofício, e dentro deste, mencionou-se as novidades trazidas pela Lei 12.403/11; como também uma análise feita ao artigo 20 da Lei 11.340/06.
2 DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
2.1 O SISTEMA ACUSATÓRIO
O surgimento do sistema processual acusatório se deu nos primórdios da Grécia antiga, onde os conflitos eram caracterizados em públicos e privados, e onde se desenvolveu a participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador.
Prevalecia o sistema de ação popular para os delitos mais graves, onde qualquer pessoa podia acusar, e acusação privada para os delitos menos graves.
Os conflitos privados eram caracterizados pela sua insignificância, onde os seus efeitos não causassem nenhum tipo de problema em meio a sociedade, mas trazia algum constrangimento tão somente a seara privada de um individuo em particular.
De outra forma, os conflitos públicos representavam uma afronta a sociedade, e como foi citado acima, qualquer um que se sentisse ofendido poderia propor a sua acusação.
Neste mesmo período do Direito Romano, surgem as duas formas do processo penal, a cognitio e a accusatio. A cognitio se caracterizava por ser designada aos órgãos do Estado, ou melhor, aos Magistrados, onde lhes outorgavam os maiores poderes, podendo este, entender e esclarecer os fatos da forma como entendesse melhor.
Já nos últimos séculos da República, esse procedimento passou a ser insuficiente para o momento em que a sociedade vivia, pois este modelo era escasso de proteção e garantias, principalmente para as mulheres, e com isso, passou a ser uma arma de grande potencial político nas mãos dos Magistrados.
Já na accusatio, a acusação era assumida de forma esporádica e espontânea por um cidadão do povo. Surgiu então no último século da República e marcou o período de inovação no Direito Processual romano. Inovação esta que, se tratando de delito público, a persecução e o exercício da ação penal eram designados a um órgão distinto do Magistrado, não mais pertencente ao Estado, e sim a um representante do povo, que tinha o condão de acusar.
Historicamente, o que caracterizou o sistema acusatório foi a separação entre a figura do Juiz e o papel de acusador, a garantia ampla defesa, do contraditório, da imparcialidade, a paridade entre as partes, a oralidade dos atos processuais, entre outros.
Portanto, conclui-se que a persecução penal foi oriunda da acusação popular, e é neste momento que o sistema acusatório começa se consolidar, de forma onde há a imparcialidade dos julgadores, bem como da separação das funções de quem julga, e quem acusa.
Luiz Flávio Gomes cita Luigi Ferrajoli,”referência” um dos maiores defensores do garantismo, para enfatizar o que se entende pelo sistema acusatório, que assim o define:
Todo sistema processual que configura o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o processo como iniciativa da acusação, a quem compete provar o alegado, garantindo-se o contraditório (...) podemos, ao contrário, chamar inquisitório o processo em que o juiz procede de ofício na busca de provas, atuando em segredo e por escrito, com exclusão de qualquer contraditório ou limitação deste. Em suma: é acusatório o modelo que respeita a proibição do no “procedat iudex ex officio".
Contudo, na época do império o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente frente as novas necessidades do Estado em combater os delitos. Com esta insatisfação, a figura do Juiz “inquisidor” volta à tona, de forma que os próprios invadissem cada vez mais as funções de acusar e julgar, reunindo assim numa só esfera todas as funções.
A partir desta necessidade da sociedade, os Juízes passam a proceder de ofício, sem sequer uma acusação, realizando eles mesmos a investigação e logo após, sentenciando. E, se no início prevalecia a publicidade dos atos, agora não mais, de forma que foi sendo substituído pelos processos a porta fechada.
A publicidade também garante ao acusado, o contraditório e a ampla defesa, uma vez que, sabendo o motivo da imputação a sua pessoa, irá se utilizar das medidas processuais possíveis para a sua defesa. É de suma importância ressaltar que o acusado é sujeito de direitos, todos garantidos pela nossa Constituição, de forma clara e expressa.
No sistema acusatório, as provas devem ser produzidas com um mínimo de respeito aos direitos e garantias do acusado, dessa forma, não mais tratando o acusado como um objeto do processo, assim como era no modelo inquisitivo. Como bem assevera Aury Lopes Jr:
O mais interessante é que não aprendemos com os erros, nem mesmo com os mais graves, como foi a inquisição. Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz, a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa “postura ativa” por parte do juiz (muitas vezes invocando a tal “verdade real”, esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito), proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e “juizados de inquisição”.
As diferenças entre o sistema acusatório e o inquisitório são evidentes, pelo fato de que o primeiro se externa com as garantias dos direitos humanos, com a presunção da inocência, o segundo se caracteriza pelo arbítrio, pela aplicação da lei sem a presença dos direitos dos acusados, pelas irregularidades.
Trata-se de repensar essas questões que permeiam o sistema acusatório atual, e reformular, de forma que, se crie um terreno onde o acusado tenha condições de se pronunciar, de falar, de forma livre no processo penal, e não voltar aos tempos onde o sistema englobava o juiz-inquisidor.
Há muitas discussões nos dias atuais, acerca da classificação do sistema processual penal brasileiro. Alguns doutrinadores afirmam que, após a Constituição de 1988, o nosso processo penal se enquadra como acusatório, onde as funções acusatórias e julgadoras são destinadas a órgãos distintos.
Em outra linha de pensamento, alguns doutrinadores discordam de tal posicionamento, dizendo que em decorrência da atual legislação brasileira, o sistema processual penal não poderia ser classificado com acusatório puro, mas sim inquisitivo garantista.
É neste contexto que vamos trabalhar, na defesa de um sistema processual acusatório, onde as diversas funções, de acusar e julgar, são distribuídas a vários órgãos do estado, de forma que o juiz seja imparcial, e que, a decretação da prisão preventiva de oficio seja requerida por parte do Ministério Público, dessa forma, respeitando os princípios constitucionais que norteiam todo o ordenamento, e em especifico, o processo penal.
No mesmo sentido, Denilson Feitosa, afirma:
No cotidiano forense, é comum se afirmar que o sistema brasileiro é acusatório, primeiro, pelo simples fato que o juiz ou tribunal não pode começar o processo penal de oficio, ou seja, o juiz ou tribunal depende de um pedido acusador (propositura da ação penal ou oferecimento da denuncia ou queixa) para poder iniciar o procedimento que leva ao julgamento (sentença condenatória ou absolutória), que é a fase de persecução penal que, no Brasil, é denominada processo penal (propriamente dito); segundo, porque as partes debatem durante o processo, em contraditório, e se afirma a ampla defesa” (...)
É também, de suma importância, relatar que a nossa Constituição Federal optou pelo sistema acusatório, como também traz os princípios que devem norteá-lo, de forma a proteger os indivíduos de possíveis abusos por parte do estado.
2.2 O SISTEMA INQUISITÓRIO
Nasce no final do período Republicano de Roma, onde devido a ascensão do império, passa-se a adotar um regime, ou melhor, um critério de regulação e manutenção do poder de punir daqueles que não seguissem as normas.
Devido as grandes opressões, invasões, e guerras, o sistema processual que vinha sendo usado, o sistema accusatio, que tinha como características a acusação pública, se tornou insuficiente, pelo contexto que a sociedade romana vivia, e também o fato de que cada vez mais os atos se concentravam na mão de uma só pessoa.
Com a Idade Média, não se falava mais em um poder único, pelo fato de que agora, a sociedade era dividida em feudos, onde em cada feudo havia um senhor feudal, responsável por aquele território, e consequentemente, responsável pelas leis ali impostas.
Vale ressaltar a grande influência da igreja católica, ou melhor, do direito canônico, que de forma bem organizada, difundia a ideia de que o direito penal nada mais era do que, a salvação do homem, e que, partindo desse princípio, nada mais justo do que a própria igreja solucionar tais conflitos.
A partir daí, a Igreja passa a realizar os papeis de instrução e julgamento dos casos concretos, com pequenas participações do povo. Logo após, começa o período da monarquia, e com ele veio a necessidade de se criar um sistema que regulasse e controlasse um instrumento eficaz no controle da criminalidade.
Nasce então, o advento do sistema inquisitivo, onde as funções de acusar e julgar eram reunidas num só órgão, ou seja, não existia outra figura além do juiz, que tinha todos os poderes, tanto instrutórios, como os decisórios.
O surgimento do sistema processual inquisitivo se deu no mesmo período, e de certa forma, juntamente com a ascensão do cristianismo como religião oficial.
Com a grande ascensão, a monarquia passou a almejar o domínio absoluto, tentando assim, afastar a influência da Igreja Católica dos atos do poder. Com este anseio por parte da monarquia, a igreja inicia uma grande perseguição que intitularam de “a caça as bruxas”, perseguindo todos aqueles que foram de encontro aos seus ideais.
Vislumbrando combater a fragilidade que os assolava, a igreja resolve concretizar ainda mais o período inquisitorial, marcado pelo afastamento do contraditório e da ampla defesa, bem como da oralidade, e a desnecessidade de acusação, como salienta Jacinto Coutinho (2001, p.18):
Trata-se sem duvida, do maior engenho jurídico que o mundo conheceu; e conhece. Sem embargo de sua fonte, a igreja, é diabólica na sua estrutura (o que demonstra estar ela, por vezes é ironicamente, povoada por agentes do inferno), persistindo por mais de 700 anos. Não seria assim em vão: veio com uma finalidade específica e, porque serve – e continuará servindo, se não acordarmos -, mantém-se hígido.
Nesta época, já era possível vislumbrar as facetas do sistema inquisitorial, que tinham como modelo: a concentração das funções de julgar e acusar, falta de imparcialidade do julgador, a possibilidade irrestrita de produção de provas de ofício e inexistência de defesa, pois como diz o ilustre Aury Lopes Jr:
O primeiro abandona sua posição de arbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o inicio também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação.
Para que se entenda de forma mais clara a inquisição, é necessário voltar no tempo e se fazer uma análise do comportamento da igreja durante a história. Logo se percebe que era um sistema fundado na intolerância, advinda da “verdade absoluta”.
O grande problema da busca da verdade real, está no fato de o juiz deixar de lado a inércia para partir em busca dessa tal verdade, e consequentemente, agindo sem nenhuma imparcialidade.
A fase abrangida pela Inquisição foi também caracterizada pelo autoritarismo, onde o sistema inquisitório constituiu um instrumento de iniquidade e injustiças. Não havia de forma alguma respeito aos direitos dos acusados, à sua incolumidade física, aos direitos humanos, uma vez que o emprego da tortura era normal, como meio de obtenção da confissão, que neste tempo era tida como a rainha das provas, e uma forma muito utilizada e que caracteriza muito bem este sistema. Foi um marco de violência e arbitrariedade nesta fase histórica.
O sistema inquisitivo também era caracterizado pela ausência de processo e juiz penal era o órgão que exercia a autotutela dos interesses repressivos do estado.
Não há duvidas de que o sistema inquisitório veio para atender as necessidades tanto da igreja, como das classes dominantes, que sempre almejaram por tanto poder em suas mãos. Dessa forma, todos os atos serviam para embasar um sistema totalitário fundado na intolerância.
Portanto, é possível concluir que, no modelo de organização inquisitória, há a uma disparidade entre acusação e defesa, a ausência de publicidade e oralidade do processo, e uma extrema falta de segurança jurídica, uma vez que, é dada ao chefe de Estado a capacidade de violar a coisa julgada, sempre que achar necessário.
2.3 O SISTEMA MISTO OU ACUSATÓRIO FORMAL
O sistema misto ou acusatório formal tem suas raízes na Revolução Francesa, por volta de 1789, onde os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, e as ideias iluministas estavam em grande ascensão, e toda essa forma de pensar e de agir dos iluministas, fizeram com que todos os seus seguidores fossem de encontro ao modelo inquisitivo que prevalecia na Europa.
Este sistema, nada mais é do que a união dos sistemas inquisitivo e acusatório, que se caracteriza em três fases: a investigação preliminar, realizada pela polícia judiciária; a instrução preparatória, realizada pelo juiz instrutor; e a fase judicial. É importante salientar que, como na fase da instrução preparatória vigora sistema inquisitivo, o procedimento é secreto e escrito, a cargo do juiz, quem tem poderes inquisitivos, como também com o intuito de colheita de provas, onde o autor do fato é tratado como mero objeto de direitos, não havendo o contraditório e a ampla defesa.
Com a fase da instrução preparatória e o recebimento da acusação, inicia-se a terceira fase, a fase judicial, onde se percebe as características do sistema acusatório, no qual o autor do fato, ou melhor, o acusado é tratado como um sujeito de direitos. Vale ressaltar que é somente nesta última fase, ou seja, no momento do julgamento, que percebe-se a inserção de alguns princípios, como, a presunção da inocência, sendo considerado inocente até que se prove o contrário, bem como os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
O sistema foi se tornando insuficiente, e foi sendo modificado aos poucos, como assevera Tourinho Filho:
Esse sistema misto, que se espalhou por quase toda a Europa continental, no próprio século em que surgiu, começou a sofrer sérias modificações, dada a tendência liberal da época, exigindo que fossem aumentadas as garantias do réu. E, realmente, na própria França, a Lei Constans, de 8-12-1897, assegurava ao acusado o direito de defesa no curso da instrução preparatória.
No direito pátrio ou atual, o sistema adotado não é o processo acusatório puro, mas sim um sistema acusatório com traços inquisitivos, pois são muitos os poderes conferidos ao juiz, aquele que deve julgar com imparcialidade, se mantendo equidistante das partes.
3 DOS PRINCÍPIOS
Com este capítulo tem-se como objetivo realizar uma análise sobre os princípios constitucionais, em específico, aqueles inerentes ao processo penal, e de forma ainda mais direta, no contexto da decretação da prisão preventiva de oficio pelo juiz, uma análise da perspectiva de onde, e como estes princípios limitam o poder punitivo do Estado, dentro dos direitos e garantias positivados pela Constituição Federal, bem como do modelo de sistema acusatório garantista, o qual deveria ser seguido pelo nosso CPP, assegurando os princípios em todas as fases do processo, mas que adota de forma clara o sistema penal misto, permitindo ao juiz, em algumas situações, o poder de investigar, acusar e julgar, como se percebe na redação do novo artigo 311, quando se trata da decretação de ofício pelo juiz, mas não cabe no momento trazer tais características, que em breve será citado, no capítulo posterior. A partir daí, iremos dar um foco maior aos atos praticados pelo Estado, na figura do Juiz, quando este de alguma forma vai de encontro aos princípios constitucionais, que como sabemos, são princípios gerais, norteadores de todas as áreas do Direito, e que precisam ser garantidos.
Vale salientar desde o inicio, a importância desses princípios no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a Constituição Federal deve ser o ponto de partida para as demandas civis, penais, e processuais, o que será aqui analisado de forma direta e exclusiva alguns princípios norteadores do processo penal, em especial, acerca de uma das medidas cautelares, a prisão preventiva.
Como bem esclarecido acima, os princípios constitucionais são considerados os pilares de todo o ordenamento jurídico, pois orientam o juiz de como agir diante das normas jurídicas, e das situações concretas a ele apresentadas. São muitos os princípios do processo penal que encontram garantias na Constituição Federal, sendo alguns deles, os mais importantes, quando falamos em prisão preventiva.
Antes de adentrarmos especificamente aos princípios e garantias, cumpre ressaltar a força normativa dos princípios, que de maneira clara e direta, Aury Lops Jr diz: Vale destacar que os princípios gozam de plena eficácia normativa, pois são verdadeiras “normas”. Os princípios (especialmente os constitucionais) são normas fundamentais ou gerais do sistema.
Passaremos agora ao estudo dos princípios que regem o Processo Penal:
3.1 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
O princípio do Juiz Natural inseriu-se no direito brasileiro, com uma dupla garantia na Constituição, acerca da proibição dos tribunais de exceção, e a garantia do juiz competente.
A constituição Federal em seu art. 5°, inciso LIII, diz que: “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. A partir deste princípio, extraímos a garantia e a necessidade de se ter um juiz imparcial, técnico, e consequentemente, competente para resolver os conflitos do Poder Judiciário, evitando arbitrariedades por parte do Estado.
O breve estudo feito ao referido princípio, nos remete a outro de grande importância dentro do tema, que é o princípio da imparcialidade.
3.1.1 AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
O princípio da imparcialidade é sem duvida, um dos mais importantes princípios a ser estudado por nós quando se fala em decretação da prisão preventiva de ofício pelo Juiz, pois como estudamos durante todo este trabalho, percebemos a necessidade de se obter um sistema penal no modelo acusatório, ou seja, onde há uma clara divisão nas funções de acusar e julgar, onde o juiz se encontra como um mero espectador, agindo com imparcialidade. E não mais como um sistema misto, onde na fase preliminar, ou de investigação, se mostra totalmente inquisitório, surgindo aos poucos o contraditório e a ampla defesa, e a paridade de armas entre o estado, na figura do juiz, e o acusado.
Passamos a refletir sobre tal imparcialidade, quando nos deparamos com situações de extrema afronta tanto aos princípios e garantias constitucionais, quanto ao modelo acusatório. Dai então, cai tudo por terra quando se atribuem poderes instrutórios (ou investigatórios) ao juiz, pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo, que leva, por consequência, a fundar um sistema inquisitório (COUTINHO, 2001).
O juiz deve incorporar e agir de tal maneira, sendo imparcial e garantindo um julgamento justo as partes, como preleciona os ilustres Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, ao dizer:
A imparcialidade é entendida como característica essencial do perfil do juiz consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de modo a lhe tirar o afastamento necessário para conduzi-lo com isenção. O juiz interessado deve ser recusado, e os permissivos legais para tanto se encontram no art. 254 (hipóteses de suspeição), e no art. 252 (hipóteses de impedimento).
Não se pode aceitar um Juiz parcial. Uma vez que o Estado chama para si a responsabilidade de um julgamento justo, com base nas provas ali apresentadas, com base nos direitos e garantias positivados na Constituição, essa missão não poderia ser cumprida se, no processo, não houvesse a imparcialidade do juiz.
Com a análise do princípio em tela, logo nos direcionamos a examinar os inúmeros atos que afrontam os princípios e garantias constitucionais, juízes com aspectos ainda inquisitoriais, agindo com arbitrariedade e sem nenhum aspecto garantidor, assim como está positivado na Constituição Federal, e como deveria ser seguido, como um órgão garantidor e guardião da nossa Carta Magna. Estes princípios constitucionais norteiam todo o sistema processual penal, de forma intrínseca ao Estado, na figura do Juiz.
Com bem assinalado pelo Ministro César Peluso, não se pode admitir um juiz suspeito, um juiz que tenha se contaminado com outros tipos de prova, que se influencie com os elementos da investigação preliminar, voltando aos tempos da inquisição, onde o juiz atuava em todas as fases do processo, como já foi trazido em outro momento, em capítulo anterior.
Ao estudarmos todos estes princípios, e confrontá-los com o tema trazido no presente trabalho, logo associamos a alguns atos praticados pelos juízes, que vão de encontro aos princípios acima relacionados, como é o caso do art.311 do CPP, e sua nova redação, onde constatamos uma clara inconstitucionalidade por estarmos diante da figura do Juiz inquisitório.
Após a análise dos referidos princípios, cumpre-nos fazer menção ao art. 311 do CPP, e sua nova redação, trazendo as características e peculiaridades da decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz.
3.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (OU DA NÃO CULPABILIDADE)
O princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade tem uma grande relevância no tema aqui estudado, pois estamos falando sobre sistemas processuais e a decretação da prisão preventiva, temas nos quais deve se ter uma atenção redobrada ao referido princípio, como também está inserido num contexto internacional, pois tal princípio está contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, onde traz em seu art. 11.1, que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”. Tal princípio foi abarcado pelo nosso ordenamento jurídico desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu art. 5°, inciso LVII, que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Antes mesmo de entrar no núcleo do princípio em tela, acho de suma importância trazer as palavras de Cesare Beccaria, que em 1764, em sua mais importante obra, Dos delitos e das penas, já chamava a atenção de que: “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.
Após uma breve explanação acerca do referido princípio, partiremos para uma análise do texto de lei que positiva este princípio.
O art. 5°, inciso. LVII da Constituição Federal assegura a todos os cidadãos a presunção de inocência antes de uma sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, antes de se efetivar a sentença, somos todos presumivelmente inocentes, incumbindo o ônus probatório a acusação, e lembrando que o cerceamento da liberdade só será necessário em situações excepcionais, ou seja, o encarceramento só deve ocorrer como uma medida de estrita necessidade.
Vale destacar aqui, que o princípio da presunção de inocência tem sido encarado algumas vezes com outros preceitos e outras denominações, como sinônimo de não culpabilidade. Ao se comparar a forma como tal princípio foi positivado nos Tratados Internacionais e na Constituição Federal, percebe-se que no primeiro, refere-se a presunção de inocência, e na Constituição Federal não se trata da expressão inocência, e sim a expressão de que ninguém será considerado culpado. Devido à diversidade de termos usados acerca do referido princípio, o preceito inserido na Constituição Federal passou a ser considerado como a presunção de não culpabilidade.
Na jurisprudência brasileira, ora se faz referência ao princípio da presunção de inocência, ora ao princípio da presunção de não culpabilidade. Segundo Badaró, não há diferença entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade, sendo inútil e contraproducente a tentativa de apartar ambas as ideias - se é que isso é possível -, devendo ser reconhecida a equivalência de tais fórmulas.
Dessa forma, mesmo havendo ideias divergentes acerca da terminologia correta, o sentido de tal princípio continuará prevalecendo, de forma bem expressa em nossa Constituição, onde estabelece que somente o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória poderá afastar o estado inicial de inocência, o qual é assegurado a todos.
Feito essa análise, concluímos que na atual ordem constitucional, não se admite uma distinção entre as duas denominações. Sabemos que, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, a culpa não se estabelece.
Percebe-se a importância que o referido princípio tem em nosso ordenamento jurídico, uma vez que, está positivado em nossa Constituição, bem como nos tratados e convenções internacionais, devendo ser seguido com observância a asseguração da integridade do suposto acusado.
O princípio da presunção de inocência deve ser observado com um cuidado maior quando se fala em medidas cautelares, em especial, a prisão preventiva e poder que o juiz tem em decretá-la. Nos casos de quebra de sigilo fiscal, telefônico, bancário, busca e apreensão, ou até mesmo a exposição da figura do acusado, com sua imagem posta em redes de televisão, onde tais informações podem trazer problemas irreversíveis.
Muitos desses atos constituem desrespeito e violência ao princípio da presunção de inocência, por agir de forma equivocada, implicando ao acusado uma antecipação da sua suposta pena.
Conclui-se então que, deve haver um cuidado maior ao se tratar das medidas cautelares, em especial, a prisão preventiva, por se tratar de um assunto que aqui será abordado, como também, o que se refere aos atos praticados pelos juízes, que por vezes, vão de encontro aos princípios constitucionais.
4 DA PRISÃO PREVENTIVA E A SUA DECRETAÇÃO DE OFÍCIO
Nosso objetivo neste ultimo capítulo, é trazer o instituto da prisão preventiva, suas peculiaridades, seus requisitos e pressupostos, como também, alguns comentários acerca da sua nova redação, trazida pela Lei 12.403/11, que trata de uma das medidas cautelares previstas em nosso ordenamento. Bem como, fazer uma síntese dos assuntos tratados neste artigo como um todo, trazendo a ideia de um Estado Democrático de Direito, pautado nas garantias fundamentais dos indivíduos, como também, os atos praticados pelos juízes, que muitas vezes ultrapassa sua seara, agindo de tal forma que foge aos princípios constitucionais penais, e o modelo de sistema penal adotado em nosso país, o misto.
A prisão preventiva é uma espécie do gênero prisão cautelar de natureza processual. É uma medida determinada pelo juiz, onde limita ou restringe a liberdade do acusado, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, como rege o novo art. 311 do CPP:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de oficio, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Após a breve explanação do texto de lei, enfatizamos nas mudanças mais significativas trazidas pela nova redação, e o que chama mais a atenção, é a expressão “decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal.” Aparentemente, como se disse, a prisão preventiva foi disciplinada à luz do sistema acusatório, haja vista que limita a sua decretação de ofício, impedindo-a no pré-processo, relegando o magistrado à condição de zelador de garantias naquela fase. (FRANÇA)
Com a análise da nova redação, percebe-se que o legislador aumentou o espaço de decretação de prisão preventiva quando usou a expressão “se no curso da ação penal”, ampliando de forma absurda os poderes dos magistrados.
Percebe-se que a atuação do juiz na fase pré-processual é baseada no sistema penal acusatório, ou seja, onde o magistrado deve agir de forma equidistante, com imparcialidade, assunto que já foi explicitado anteriormente, como também de modo a assegurar os direitos e garantias dos indivíduos, obedecendo a todos os princípios positivados na Constituição Federal.
Mas não parece tão simples assim, uma vez que o legislador se equivocou ao dar poderes aos magistrados, para decretá-la no curso da ação penal, como bem preleciona o ilustre professor Misael Neto:
Eis aí o descuido – ou o propósito – do legislador reformista. É que, a luz de um sistema processual acusatório, fundado na presunção de inocência, na paridade de armas e, sobretudo, na imparcialidade do julgador, a possibilidade de este último impor, sem provocação da acusação, a mais severas das medidas cautelares consiste em clara ofensa ao devido processo (penal) legal.
Vale salientar que, a luz de um Estado Social e Democrático de Direito, e de uma Constituição Federal pautada na observância e positivação dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, há um claro dever por parte do poder público em assegurá-los, dessa forma, respeitando á dignidade da pessoa humana. Sendo assim, não se admite um modelo de persecução penal lastreado, ainda, nas raízes de um sistema inquisitorial.
Em resposta as palavras de Nestor Távora e Rosmar Alencar, Misael Neto cita Dalbora, que assevera:
Então, vale fixar que o sistema acusatório, albergado, como regra, pela Constituição Federal do Brasil, não admite que o magistrado atue como parte. É dizer, não permite que ele, exorbitando as suas funções num processo penal de garantias, decrete uma medida restritiva da liberdade, de natureza processual, sem o menor intento da acusação neste sentido.
Portanto, fica claro que só caberá a prisão preventiva durante a investigação criminal ou no curso do processo penal. A Lei 12.403/11 alterou sua redação, substituindo a expressão “inquérito policial”, por investigação policial, e também mudou o termo “instrução criminal”, para processo penal.
Ou seja, a prisão preventiva é uma medida excepcional, que deve ser usada em ultimo caso, e só será cabível, se preenchidos os pressupostos e requisitos do art. 312 do CPP, devendo ser revogada se não houverem motivos abarcados no referido artigo, justamente pelo fato de que não se admite em nosso ordenamento, a execução antecipada da pena. Pois, deve se levar em conta, que qualquer restrição à liberdade de locomoção, fere a um direito fundamental do qual possui o indivíduo, assim, devendo-se evitar, por se tratar de um Estado Democrático de Direito, onde os indivíduos possuem direitos e garantias que devem ser asseguradas pelo Estado, na figura do juiz.
Dessa forma, somente a comprovada autoria de um suposto crime cometido por qualquer indivíduo, é o que fundamenta a necessidade de se tomar tal medida cautelar. Ou melhor, não só na prisão preventiva, como em qualquer outro tipo de prisão, pois estamos falando de uma antecipação da pena.
Vilmar Pacheco leciona sobre a prisão preventiva, ao dizer: “Entre os artigos 311 e 316 do Código de Processo Penal, o legislador dispõe sobre a prisão preventiva que, da mesma natureza jurídica das prisões em flagrante e temporária, é processual, provisória e acautelatória, exigindo, para a privação da liberdade do agente, além do decreto fundamentado pelo juiz os requisitos fundamentais do fumus delicti comissi e periculum libertatis.”
Ao analisarmos outras legislações, podemos perceber um caráter parcial e inquisitorial por parte do juiz, como é o caso da Lei 11.340/06, a famosa Lei Maria da Penha, que traz em seu artigo 20° a seguinte redação: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policia”.
Frente ao referido artigo e a nova redação do artigo 311do CPP, percebe-se que a Lei Maria da Penha não recepcionou a nova redação trazida pela Lei 12.403, uma vez que, o artigo 20 da mencionada Lei, prevê exatamente o contrário, permitindo que o juiz decrete a preventiva em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal. Ao confrontarmos os dois dispositivos, percebemos que o artigo 20 da Lei Maria da Penha, por ser bem mais recente, acabou recepcionando o antigo texto trazido pelo artigo 311 do CPP, que hoje, com nova redação, acabou por trazer este impasse na doutrina e na jurisprudência.
Diante da questão em tela, é necessário que se pergunte, a nova redação do artigo 311 do CPP revogou o contido no artigo 20 da Lei Maria da Penha? Prevalecerá a norma geral ou a específica? Como se dará sua aplicabilidade?
A professora Alice Bianchini entende que:
(...) não obstante ofender o sistema acusatório (já que o juiz acaba por perder a necessária posição equidistante), no momento da ponderação de interesses, há que preponderar a norma de proteção integral à mulher em situação de risco. (art.4°, LMP).
Tal posicionamento é respaldado pelas estatísticas, as quais demonstram o elevadíssimo índice de homicídios, dentre outras violências, praticados por homens cuja vitima mulher mantinha ou manteve cm ele uma relação íntima de afeto (BIANCHINI, 2012).
Com respeito a jurista e doutrinadora Alice Bianchini, pensamos de forma diferente ao discordarmos de tal posicionamento, chamando a atenção de que tal mudança ainda é muito recente, e não há jurisprudência a respeito. Discordamos, porque é perceptível no artigo 20 da Lei Maria da Penha uma violação ao sistema acusatório, onde o magistrado age com total imparcialidade, deixando de lado o caráter equidistante, bem como as garantias intrínsecas ao indivíduo, de forma a abandonar os princípios norteadores do processo penal, os quais já foram citados em outro momento. Sendo assim, acreditamos que a Lei Maria da Penha foi revogada pela nova redação do art.311 do CPP, sendo ilegal a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado.
Concluímos que não há justificativa para tanto, pois, não se permite uma punição excessiva, tampouco se permite dois dispositivos que se contradizem, e possam vir a causar grandes debates e discussões acerca da prisão preventiva frente a qual dispositivo prevalecerá. Vale ressaltar que, a expressão adotada pelo referido artigo, ao autorizar o juiz a decretar a prisão preventiva de oficio, vai de encontro a sistemática do CPP, bem como, da Constituição Federal, sem contar que afronta o sistema penal acusatório, podendo causar algumas arbitrariedades por parte do Estado, na figura do juiz, referente ao direito de liberdade do acusado, baseado nos princípio da inocência ou da não culpabilidade, pois estamos falando de uma medida cautelar que deve ser observado em vários pontos, e só deverá ser usada em ultimo caso, podendo se revelar um grande retrocesso no processo penal.
5 CONCLUSÃO
Ante o exposto no decorrer deste trabalho, conclui-se que há uma incompatibilidade entre a nossa Constituição Federal, e o nosso Código de Processo Penal, uma vez que a primeira é baseada no modelo de sistema penal acusatório, lastreada pelo Estado de Direito, que prever direitos e garantias aos indivíduos, já o segundo, é baseado no modelo de sistema penal inquisitório, pois em diversos dispositivos, inclusive no referido artigo 311, percebe-se a atuação do juiz como um verdadeiro inquisidor, agindo como parte no processo, assumindo o condão de acusar, processar e julgar, tratando o acusado como um objeto, ignorando os princípios previstos na Constituição Federal, tais como o da publicidade, presunção de inocência, da imparcialidade.
Não vivemos mais em tempos de inquisição, de ditadura, onde as monarquias absolutistas ditavam as regras, fazemos parte de um Estado Democrático de Direito, onde a nossa norma superior é a Constituição Federal, e deve ser seguida por todos. Sendo assim, não se admite mais atuações que remontem a história e traga este sistema ultrapassado, defasado, para a nossa sociedade.
Não se pode admitir que o juiz atue como parte, com parcialidade, sem observar os princípios e garantias constitucionais, de forma a decretar de ofício uma medida de extrema cautela, como é a prisão preventiva, indo de encontro a presunção de inocência do suposto acusado, retirando-lhe sua liberdade, jogando-o ao cárcere, que em nosso país é de péssima qualidade, pondo sua integridade física e psíquica em risco, sem antes ter a certeza de tal acusação.
O legislador reformista trouxe algumas mudanças no instituto da prisão preventiva, mas conservou seu caráter inquisitorial, uma vez que, permite ao juiz atuar de ofício frente a uma medida que deve ser analisada de forma sucinta. Uma vez que o juiz, ao verificar ao longo do tramite do processo, encontra uma das hipóteses que ensejam a decretação da preventiva, deve ouvir o Ministério Público ou o querelante. Esta atuação do juiz é mais apropriada ao modelo de sistema penal acusatório, atendendo o previsto na Constituição Federal, assegurando os direitos e garantias fundamentais como a imparcialidade.
O Direito deve se adaptar a sociedade, a sua evolução, buscando sempre a justiça, mas de forma digna, assegurando aos indivíduos os seus direitos de primeira geração, os quais gozam desde o nascimento, como a vida e a liberdade. Pensar e refletir acerca das arbitrariedades por parte do juiz já é um grande passo para a mudança, e a sociedade clama por ela, sem ter que assistir a estagnação e retrocesso por parte do Estado.
REFERÊNCIAS
BIANCHINI, Alice. Dicas sobre a lei Maria da Penha: nova lei de prisão e medidas cautelares (Lei 12.403/11), 2012.
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Formado em direito pelo Centro Universitário Jorge Amado/BA e Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAPUCAIA, Gabriel Marcio Passos Carvalho Bahia. A decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48553/a-decretacao-da-prisao-preventiva-de-oficio-pelo-juiz. Acesso em: 08 out 2024.
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