Resumo: O presente artigo visa, através de uma análise do papel do magistrado no Poder Judiciário, definir sua importância para a realização da justiça. De início, será explorado o contexto histórico-legal que contribuiu para que a Sociologia do Direito passasse a estudar a administração da justiça. A seguir, passa-se a um estudo das principais causas que contribuem para a crise da administração da justiça e, assim, uma prestação judiciária deficitária. Por fim, se discorrerá acerca do magistrado, dos atuais modelos de julgador e das características essenciais que um juiz precisa ter para que seja um facilitador da realização da justiça. Em conclusão, se verá que o juiz desempenha papel central no Poder Judiciário.
Palavras-chave: Sociologia do Direito. Crise da Administração da Justiça. Juiz.
Abstract: This article aims, through an analysis of the role of the magistrate in the Judiciary system, to define its importance for the realization of justice. At the outset, the historical-legal contexto which added to the study of the administration of justice by the Sociology of Law will be explored. Thereon, the main causes that contribute to the crisis of the administration of justice will be studied and, thus, a deficit of the judiciary. Finally, it will discuss the magistrate, current models of judge and the essential characteristics that a judge must have to be a facilitator of justice. In conclusion, it will be seen that the judge plays a central role in the Judiciary.
Key Words: Sociology of Law. Crisis of the Administration of Justice. Judge.
Sumário: 1. Introdução 2. Causas da Deficiência na Prestação da Justiça 3. O Papel do Magistrado na Realização da Justiça 4. Conclusão
1 Introdução
A realização e a efetividade da justiça passou a ser a grande questão da Sociologia do Direito após a Segunda Guerra Mundial. A partir da sociologia das organizações de Max Weber, os tribunais passam a ser vistos como subsistemas políticos que recebem estímulos externos e produzem resultados que refletirão na sociedade: as decisões. Essa concepção deslocou o juiz para o centro da controvérsia. O juiz passou a ser, assim, um importante ator na consecução da justiça.
Antes da década de 60, havia na sociologia jurídica uma visão normativista e substantivista do direito. O que dominava era o pensamento de Ehrlich e seu direito vivo. O direito deveria estar em consonância com seu tempo, ser produto e também ferramenta de transformação da realidade. A sociologia se ocupava de temas como a discrepância entre o direito formal e o direito socialmente eficaz. Vê-se aí uma tendência ainda muito formalista da sociologia jurídica. Aos poucos, entretanto, em virtude da conjuntura mundial, essa visão substantivista começou a mudar.
Boaventura de Sousa Santos enumera condições teóricas e sociais que teriam contribuído para essa mudança de orientação da Sociologia do Direito (SANTOS, 1996). Entre as condições teóricas, está primeiramente o desenvolvimento da sociologia das organizações por Max Weber, que desenvolve um interesse particular pela estrutura orgânica dos tribunais. As duas outras condições teóricas foram o desenvolvimento da ciência política, que também revelou grande interesse pelos tribunais, enquanto instância de decisão e de poder políticos, e o desenvolvimento da antropologia do direito.
Quanto às duas condições sociais enumeradas por Boaventura, a primeira delas refere-se às lutas sociais por grupos que até então não possuíam representatividade, como os negros, os estudantes e a pequena burguesia. A ascensão desses grupos excluídos da vida política faz com que se traga para o centro do debate a discussão sobre a igualdade dos cidadãos perante a lei e a igualdade da lei perante os cidadãos.
A segunda condição social que contribuiu para essa mudança de foco da Sociologia do Direito foi a chamada crise da administração da justiça, que começa na década de 60, a partir do Estado Social e perdura até os dias atuais. De inclinações assistencialistas, esse modelo de Estado visava à diminuição das desigualdades e, para isso, expandiu os direitos sociais, gerando novas possibilidades aos trabalhadores. A integração, entretanto, causa um aumento dos litígios emergentes dos novos direitos sociais desses trabalhadores e revela a incapacidade do Estado de expandir os serviços de Administração da Justiça e dar conta dessa nova demanda verificada.
O grande desafio, a partir do crescimento da demanda pelos provimentos judiciais, foi se compreender como se efetivar a justiça, diante dos inúmeros problemas que se verificavam. A respeito disso, trataremos a seguir, refletindo acerca dos principais entraves à prestação judiciária, apresentando as causas do defeito na prestação dos serviços e tentando trazer soluções. Por fim, trataremos a respeito do importante papel do magistrado na administração e na realização da justiça.
2 Causas da Deficiência na Prestação da Justiça
Não é possível se vislumbrar uma mudança, antes da realização de um diagnóstico do momento atual da justiça brasileira. Para se trabalhar numa solução, é necessário que inicialmente se identifiquem as principais causas que tornaram o sistema judiciário brasileiro ineficiente (ABRANTES, 2014), segundo opinião não somente da Organização das Nações Unidas, mas de grande parte daqueles que recorrem ao Judiciário para a resolução de seus conflitos. A verdade é que a ineficiência da prestação jurisdicional é um tema hoje estudado, além do Direito, pela Economia, Sociologia e Filosofia, em virtude de este ser um problema multidisciplinar.
José Luis Bolzan de Morais (2005, p. 4-5), tratando a respeito da crise na administração da justiça brasileira, sinaliza que essa pode ser vista por diferentes prismas: um primeiro de feição estrutural, que se refere a suas instalações, pessoal, equipamentos, custos, remuneração etc.; o segundo de caráter objetivo, diz respeito à burocracia e a morosidade dos procedimentos judiciais, bem como ao acúmulo de demandas; o terceiro de feições subjetivas, debruça-se sobre a questão dos operadores jurídicos e sua relativa incapacidade para lidar com as novas realidades fáticas.
O excesso de burocratização é um dos grandes problemas do Poder Judiciário brasileiro. Os tribunais, lentos e excessivamente burocratizados, precisam se reinventar, a fim de que possam atender melhor à população. Para Max Weber, a burocracia era uma das formas de dominação do poder. No seu entendimento, toda burocracia buscava aumentar a superioridade dos profissionalmente informados, mantendo secretos seu conhecimento e intenções (WEBER, 1982, p. 269). A burocracia é vista como uma patologia[1] que corrompe o sistema pátrio, ela é decorrência direta do formalismo e dificulta o acesso à justiça, com a excessiva utilização de recursos processuais, estrutura inflada do Judiciário e sistema engessado. O formalismo afasta as pessoas do Judiciário e faz com que estas passem a servir a justiça, ao invés do contrário.
Analisando o Relatório 2016 Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça[2], observa-se que a Justiça Federal recebeu, em 2015, um total de 3.662.876 novos casos, mas julgou apenas 3.082.780 processos. Isso demonstra uma produtividade abaixo do esperado e essa situação, a longo prazo, gera o acúmulo de ações, sobrecarrega juízes e servidores e causa morosidade nos provimentos.
A burocratização acaba por dar causa a mais um dos grandes responsáveis pela deficiência na prestação da justiça, no Brasil, qual seja, a morosidade. O antigo postulado de que “a justiça tarda, mas não falha” não funciona mais para os dias atuais. Como já diria Rui Barbosa, a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. A dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade (BARBOSA, 1921).
A justiça tardia nem sempre será justiça. Muitos direitos restarão esvaziados, caso sejam submetidos a uma espera prolongada. O mencionado relatório do CNJ traz como duração regular de um processo de execução na Justiça Comum Estadual o prazo de mais de 04 anos. Para os processos de conhecimento, estes durarão em média um ano e meio até a prolação da sentença. É preciso que se lute contra uma demora exagerada nos provimentos, visto que, além do entrave à realização do direito, isso gera um custo excessivo para quem tem que esperar por anos para obter um ressarcimento econômico.
Mais um dado importante trazido pelo relatório diz respeito ao custo do sistema judiciário pátrio. No ano de 2015, gastou-se um total de R$ 79.2 bilhões de reais, o que corresponde a 1,3% do produto interno bruto brasileiro. Desse valor, quase 90% foram apenas com recursos humanos. Apesar do alto valor gasto com pessoal, o Brasil proporcionalmente ainda tem menos juízes do que países que gastam muito menos, como a Alemanha, por exemplo, que gasta cerca de 0,32%[3] de seu PIB com custos judiciais. Enquanto o Brasil tem 8,2 magistrados para cada cem mil habitantes, a Alemanha possui 24,7 juízes, ou seja, mais do que o triplo brasileiro proporcionalmente.
Em estudo intitulado “O Custo da Justiça no Brasil” (DA ROS, 2015), o pesquisador Luciano Da Ros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul fez um mapeamento dos gastos com judiciais brasileiros. Com exceção de El Salvador, no qual o judiciário consome 1,35% de seu PIB, o Brasil possui o sistema de justiça mais dispendioso do mundo. Esses números já demonstram o tamanho do problema a ser enfrentado no Brasil, uma vez que possui um Poder Judiciário muito caro, mas pouco eficiente na realização da justiça. A falta de recursos, portanto, não é uma desculpa que poderá ser usada no Brasil.
Por fim, podemos enumerar como causas da deficiência da prestação judiciária no Brasil, a ineficiência do controle interno e insuficiência do controle externo. Apesar de contar com um orçamento de R$ 79.2 bilhões de reais, o Judiciário brasileiro ainda não possui mecanismos eficientes de prestação de contas à sociedade. O Conselho Nacional de Justiça procura fortalecer os mecanismos de controle interno e, em razão de resoluções deste órgão, têm sido criadas auditorias internas em diversos tribunais.
A Meta nº. 9, por exemplo, teve por objetivo implantar o controle interno nos tribunais e conselhos, o que ocorreu por meio da Resolução CNJ nº. 86/2009. É imprescindível para a eficiência do tribunal um sistema interno de controle que possa prevenir ou detectar a tempo as ineficácias, mediante a incorporação de um conjunto de normas e procedimentos ao trabalho. A auditoria interna é uma forma mais elevada de controle, uma vez que ela investiga por vias indiretas, utilizando técnicas de comparação de dados e aplicando a análise lógica. Vale registrar que o Tribunal de Justiça do Ceará já possui sua recentemente organizada Auditoria Administrativa de Controle Interno.
É importante para a produção de melhores resultados um sistema de controle interno que de fato funcione. Por exemplo, seria interessante uma avaliação do atendimento ao público de cada cartório, medindo-se a eficiência do serviço prestado, de acordo com indicadores pré-estabelecidos. No Poder Judiciário, não se avalia o atendimento ao público, nem premiando o empregado eficiente, nem punindo o desidioso.
Em se tratando de controle externo do judiciário, o primeiro órgão que se sobressai é o Conselho Nacional de Justiça. Criado pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, conhecida como Reforma do Judiciário, o CNJ é instituído por duas razões principais: estabelecer padrões para o funcionamento e organização dos tribunais e a necessidade de existência de um controle sobre o único dos três poderes que não se submete ao crivo do voto popular. Ao Conselho compete o controle da atuação administrativa e financeira Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes[4].
O controle do CNJ é importante para a realização da justiça, ele é a consciência da condição humana dos juízes e existe não para diminuir o poder do Judiciário, mas sim para lhe conferir mais poder, entretanto sob uma nova complexidade. É importante que o magistrado, peça chave para a consecução da justiça, tenha liberdade no desempenho de sua função, entretanto esta não poderá ser independente de limites.
3 O Papel do Magistrado na Realização da Justiça
Não é difícil perceber porque o magistrado é figura central para a realização da justiça. O processo é o instrumento por excelência da tutela do direito. O direito se realizará, ou não, através do processo. O juiz, por sua vez, é o protagonista do processo, está em suas mãos fazer com que a justiça seja independente, eficaz, acessível e confiável. Como responsável pelo processo, o magistrado acaba sendo o último garantidor de um mundo mais justo e quem deve fazer do Poder Judiciário algo confiável e cristalino (GERLERO, 2006. P. 379).
A missão do juiz, portanto, não pode esgotar-se no processo, compreendendo hoje a defesa do regime democrático, dos direitos fundamentais, a redução das desigualdades sociais. O juiz possui uma função social que vai muito além de realizar o direito entre as partes e recompor o status quo ante. O juiz deve ter seus olhos voltados para o futuro. A função social do juiz e os fins sociais do Direito libertam a lei de seu texto fincado no momento de sua feitura ou de sua promulgação. A democratização do Direito passa pela efervescência judicial e pela ampliação funcional do Judiciário (ROCHA, 1998).
O juiz, no contexto do Estado Democrático de Direito, não pode mais ser aquele operador do direito inerte e passivo, o novo modelo social não aceita mais essa postura do Poder Judiciário, que sai da sua posição de distanciamento para aproximar-se da sociedade. Além disso, a decisão do magistrado em um processo não possui mais seus efeitos restritos apenas às partes litigantes, as decisões acabam por influenciar outras causas e outras esferas de poder, gerando transformações na sociedade.
Um resultado desse novo contexto vivido é o Novo Código de Processo Civil (NCPC) de 2015. Superando a razão positivista que condenava qualquer juízo de valor dentro do direito, o NCPC é elaborado sob a égide do pós-positivismo, de matiz essencialmente principiológica, resgatando a moral para dentro da ratio decidendi. O legislador contemporâneo reconhece o Direito como técnica, uma vez que os operadores precisam ter padrões e critérios para aplicação das normas jurídicas, mas também como Ética, visto que as pessoas recorrem ao Judiciário em busca não somente de normatividade, mas principalmente de dignidade.
As normas fundamentais do NCPC demonstram que as decisões tomadas não deverão ser apenas logicamente válidas, mas baseadas em valores[5], buscando seu fundamento último de validade na Constituição Federal. Portanto, o formalismo legalista do Estado Liberal não interessa mais ao Estado Democrático de Direito. O juiz, antes visto como mero aplicador da lei, passa também a criar o direito, e não somente colocá-lo em prática. Muitas questões novas se apresentarão ao juiz, que nem sempre terão o amparo da lei. Caberá ao julgador a tarefa de responder a tais questões de forma inovadora, ponderando as normas existentes e os princípios de direito, produzindo direito, ao invés de somente aplica-lo.
O momento atual pede um novo modelo de magistrado, conectado a seu tempo, conhecedor dos anseios da sociedade. A respeito dos modelos de juiz, existe um famoso artigo do professor belga (OST, 1993), François Ost, em que este relaciona os modelos de julgador aos modelos de jurisdição no tempo. O primeiro deles seria o juiz Júpiter, o modelo liberal-legal, que obedece ao padrão piramidal-dedutivo, é o julgador que diz o direito, a partir do alto, distanciado das partes, isolado do convívio social. Esse juiz é legalista, formalista, fundamenta seu entendimento nas leis ou códigos, inadmitindo a influência de fatores externos. É o juiz que aplica automaticamente a lei, sem qualquer juízo de valor.
Diferentemente do modelo jupteriano, que está sustentado na figura da lei, o juiz Hércules de Dworkin é que seria a única fonte válida de direito, ao invés do direito positivado. É o juiz do Estado Social, que trabalha em cima dos fatos para, então, analisando o caso concreto, proferir a melhor decisão. Esse tipo de julgador acaba por levar ao extremo seu papel de dizer o direito e se torna um “monopolizador da jurisdição” (STRECK, 2010), no entendimento de Lenio Streck, gerando o decisionismo, com a proliferação de decisões particulares, reduzindo o direito ao fato.
Por fim, tem-se o juiz do Estado Democrático de Direito, o magistrado que os tempos atuais pedem, o juiz Hermes. Nem tanto ao céu, nem tanto a terra. É o juiz conciliador, mediador universal, o bom comunicador. Ele pratica novas ideias, escuta opiniões e aprende com experiências externas. Ost vê o direito pós-moderno como uma estrutura em rede, que possui infinitas informações à disposição do magistrado. Sua decisão, assim, não será tão somente baseada na lei, ou na práxis, mas o resultado de um banco de dados com uma variedade de inputs externos e internos.
O magistrado pós-moderno, portanto, vive num modelo de Estado em que existem direitos e garantias. É tarefa dele assegurar a eficácia desses direitos, concretizando os enunciados constitucionais, a fim de que possa, sob esta perspectiva, analisar a validade das normas emanadas do Legislativo. O juiz não é mais um mero cumpridor de leis e não faz mais sentido sua aplicação automática e irrestrita. O magistrado deve questionar sua coerência e conformidade com a constituição, ponderar os valores imbuídos em cada dispositivo legal. O Juiz, claro que sem extrapolar o marco jurídico-constitucional, deverá procurar dirimir os conflitos do modo socialmente mais justo, desempenhando um papel totalmente distinto do juiz legalista-positivista criado pela Revolução Francesa para ser la bouche de la loi, a boca da lei.
O juiz, assim, passa a ser também produtor de normatividade, não está apenas submetido ao Legislativo, mas também o submete. O magistrado faz a lei do caso concreto e, para isso, deve estar conectado às transformações que constantemente ocorrem na sociedade moderna, é um agente politizado, que leva em considerações fatores sociais, econômicos, históricos e políticos das causas que lhes são submetidas.
Note-se que tratamos de um agente politizado, e não político. A Constituição Federal de 1988, ao dispor acerca das vedações à atividade do magistrado coloca nesse rol a dedicação a qualquer atividade político-partidária (CF, art. 95, parágrafo único, inc. III) ou de pertencer a partidos políticos. Ao proceder desta forma, a Constituição não deixa dúvidas de que a legitimação que pretende conferir à função jurisdicional não é a legitimação representativa, mas sim a legitimação racional ou legal. Esse tipo de legitimação dada ao juiz impede que este se utilize, na sua tarefa de solução de conflitos, de fundamentos que vão de encontro ao ordenamento jurídico.
Oriana Piske, em artigo intitulado “A Função Social da Magistratura na Contemporaneidade”, assim se posiciona a respeito dessa legitimação racional dos magistrados:
Com isso, não só se garante uma certa objetividade na atuação do juiz, senão também se evita sua politização ideológica. Não queremos dizer que o juiz não tenha suas convicções, suas crenças e sua visão própria do mundo. Cada um tem suas preferências ideológicas, políticas, filosóficas etc., porém, para se alcançar um alto nível de objetividade na função jurisdicional, o que constitui uma garantia para todos, devemos reconhecer que as convicções ou critérios pessoais do juiz só são válidos para a solução dos conflitos na medida em que estejam de acordo com as normas, princípios e valores do ordenamento jurídico.[6]
Por óbvio que não existe ser humano sem motivações ideológicas, políticas, filosóficas. Georg Simmel falava que a indiferença não é natural à pessoa humana, pois o cérebro apresenta reações para todo o tipo de estímulo. O que se requer não é mais que o juiz tenha comportamentos semelhantes ao Zeus de Olimpo, plenamente virtuosos, reconhece-se a sua humanidade e ela contribui para a realização da justiça, no sentido de que aproxima o magistrado da sociedade, entretanto este não poderá olvidar dos ditames legais na sua função de concretizar o direito.
A função jurisdicional deve guardar em observância o princípio da motivação. Nenhuma decisão judicial será válida sem que sejam apresentados pelo magistrado os fundamentos de suas conclusões (CF, art. 93, IX). O que se pretende com isso é garantir a segurança jurídica, evitando arbitrariedades e assegurando que o juiz se submeta ao ordenamento jurídico. A obrigatoriedade de motivação das decisões também permite o o controle destas através dos recursos e controle sobre o próprio juiz, sobretudo pelo povo, que é a fonte de onde emana seu poder (CF, art. 1o, parágrafo único).
4 Conclusão
É fácil perceber porque uma mudança na administração da justiça, com vistas a sua maior efetividade, começa por uma mudança da mentalidade do juiz (DALARI, 1996). Este é figura central e essencial para a realização da justiça no caso concreto. Por essas razões, tem que estar ciente das transformações ocorridas na sociedade e sempre conectado ao mundo em que se insere. Hoje muito se fala em criatividade judicial, que o juiz deve ser inovador, vanguardista, entretanto é importante que este obedeça os limites legais e esteja em consonância com a Constituição Federal, nas suas decisões, a fim de que, no afã de realizar o direito, o juiz não acabe por indevidamente lesar uma parte interessada.
A Sociologia do Direito contribui para uma democratização da administração da justiça, no sentido de que demonstra que uma melhor formação dos magistrados é medida essencial para que isto ocorra. Como já afirmou Boaventura de Sousa Santos, é preciso que se assuma o risco de uma magistratura culturalmente esclarecida[7], pois se, por um lado, isso resultará numa maior reivindicação de poderes, por parte dos magistrados, que se sentirão mais aptos à análise casuística. Por outro lado, gerará decisões mais submetidas a valores sociais e políticos do que à própria legalidade, que não deve ser visto como um problema, mas como um processo necessário à democratização da justiça.
Uma reforma da justiça começa não apenas por uma humanização dos tribunais, mas também por uma humanização da figura do magistrado. O maior desafio do julgador contemporâneo está em julgar com justiça, em encontrar a perfeita intercessão entre o Direito e a Moral, em dar a melhor solução para os casos que lhe são apresentados. O magistrado deve adequar o direito às novas e constantes mudanças da realidade social e buscar soluções justas para os conflitos, sempre observando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade[8].
Referências
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WEBER, Max. Ensaios de sociologia. trad. por Waltensir Dutra. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982, p. 269.
[1] “Os sintomas mais ostensivos da patologia burocrática são: o apego à rotina, a cega obediência às normas e procedimentos padronizados, a formalidade e não a essencialidade, a eficiência e não a eficácia, o processo e não o resultado, a fabricação e não o produto, a aparência e não o conteúdo, o relatório e não o plano de ação, o passado, o presente, mas quase nunca o futuro.”. MATTOS, Francisco Gomes de. Desburocratização. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1978, p. 16.
[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório 2016 Justiça em Números – Infográficos. Brasília, 2016. Acesso em 11 de julho de 2017. Disponível em < http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>
[3] COMISSÃO EUROPEIA PELA EFICIÊNCIA DA JUSTIÇA. European Judicial Systems: Efficiency and Quality of Justice. CEPEJ STUDIES No. 23. Edition 2016.
[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 103-B, § 4º. Brasília: 1988.
[5] “Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105 de 16 de março de 2015. Brasília, 2015.
[6] PISKE, Oriana. A Função Social da Magistratura na Contemporaneidade. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 42-50, abr./jun. 2010.
[7] SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice - O Social e o Político na Pós-Modernidade. 10ª edição. São Paulo: Cortez, 2005. p. 313.
[8] PISKE, Oriana. A Função Social da Magistratura na Contemporaneidade. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 42-50, abr./jun. 2010.
Advogada. Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIX, Mayna Cavalcante. O papel do magistrado na realização da justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51179/o-papel-do-magistrado-na-realizacao-da-justica. Acesso em: 09 dez 2024.
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