RESUMO: O crime de embriaguez ao volante, previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é polêmico em nossa sociedade, pois muitas pessoas gostam de ingerir bebidas alcoólicas e precisam, logo depois, dirigir um veículo automotor. Ocorre que este crime ainda é considerado como de perigo abstrato, no qual não é preciso demonstrar se houve lesão ou perigo de lesão, sendo esta circunstância absolutamente presumido por lei, o que viola claramente o princípio da ofensividade previsto implicitamente na Constituição Federal, o qual determinar que uma conduta seja considerada crime, deve ter havido uma lesão ou um perigo concreto de lesão. Assim, crimes de perigo abstrato devem ser considerados inconstitucionais. Por tanto, não deve o crime de embriaguez ao volante ser considerado de perigo abstrato, mas sim de perigo concreto, na sua modalidade indeterminada, ou seja, deve haver a demonstração probatória de perigo, mas não é necessário demonstrar quem são as vítimas do perigo.
Palavras-chave: Embriaguez ao volante. Artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Princípio da ofensividade. Perigo concreto. Perigo abstrato.
SUMÁRIO: Resumo; Introdução; 1. O princípio da ofensividade; 2. Crimes de dano e crimes de perigo; 3. O crime de embriaguez ao volante diante do princípio da ofensividade; 3.1 Crime de embriaguez como crime de perigo concreto indeterminado e suas outras características; 3.2 Requisitos do crime de embriaguez ao volante; 3.3 Distinção entre o crime do artigo 306 e o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que, em nossa sociedade, há algumas práticas comuns da maioria dos indivíduos. Dentre elas, este trabalho trata de duas. A primeira é o tradicional consumo de bebida alcoólica, o qual nos segue desde tempos remotos da humanidade. A segunda é a paixão ou necessidade de carros, veículo automotor que muitos consideram essencial para a vida urbana.
Como uma das formas de diversão, muitas pessoas costumam, por exemplo, reunir-se com amigos em bares e conversar enquanto ingerem cerveja, vodka, cachaça, etc. O problema é que, para se reunirem, precisam se locomover de suas casas para o local de encontro para tal prática, e para isto, normalmente conduzem seus automóveis até o lugar, e depois de beber, dirigem de volta às suas casas.
É de conhecimento comum que o álcool tende a diminuir a capacidade mental e motora de quem as ingere. A condução de um automóvel, por exemplo, exige do condutor uma boa capacidade de atenção, de respondem a estímulos externos e de coordenação motora. Assim, a combinação de álcool com o trânsito, por reduzir atributos necessários para a condução de um veículo, pode resultar em acidentes, e algumas vezes, morte.
Por conta disto, o legislador criou um crime baseado nessa situação, para diminuir os índices de acidente e morte no trânsito, e por vezes, modificou este crime tentando alcançar a vontade popular de tratar com mais rigidez esta prática.
Ocorre que, ao realizar a vontade do povo, o legislador criou um tipo penal que não prevê efetiva lesão ou perigo de lesão para que se caracterize o crime, como ocorreu em 2008, desrespeitando valores constitucionais, fundamentais para a garantia dos direitos dos indivíduos, como foi o caso de violação ao princípio da ofensividade.
Diante disto, em razão de uma tendência de tolerância zero, mesmo com a modificação, em 2012, do crime de embriaguez ao volante previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, há juristas que ainda interpretam o dispositivo como não sendo necessário a lesão ou o perigo de lesão, ou seja, tratando o crime como de perigo abstrato.
Neste trabalho será averiguado o que significa princípios e o conceito do princípio da ofensividade, assim como será analisada os crimes de dano e de perigo, especialmente os de perigo concreto e abstrato, e a constitucionalidade deste último. E como objetivo principal, este trabalho verificará como o crime de embriaguez ao volante deve ser interpretado, se por crime de perigo concreto, abstrato, ou algum outro.
1. O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE
Antes de adentrar no que consiste o princípio da ofensividade, deve-se tentar esclarecer o que significa um princípio, o qual remonta a uma ideia de ponto de partida para a criação ou interpretação de uma regra. O princípio são os valores essenciais de uma nação, os quais, numa perspectiva positivista, são normatizados, ou seja, transformados em textos jurídicos, seja quando incluída na Constituição de um Estado, ou nas suas leis, possuindo força imperativa, o que quer dizer que devem ser respeitadas.
Sendo ambos espécies de norma jurídica, adotando a teoria de Robert Alexy (apud NOVELINO, 2011, p. 211-212), os princípios se diferenciam das regras, basicamente, por serem mais abstratos, ou seja, possuem conceito abrangente que regula vários tipos de condutas, enquanto as regras se aplicam a casos concretos mais determináveis.
Além disso, os princípios são mandamentos não definitivos, ou seja, em um caso concreto no qual dois princípios têm suas ideias colididas, para que se respeite ambos, pode acontecer a diminuição da incidência de um em favor do aumento da incidência de outro, mas nunca deixam de ter eficácia. Já as regras são definitivas, não podendo diminuir sua incidência em caso de conflito com outra, quando, ou ela é completamente respeitada, ou completamente afastada. (NOVELINO, 2011, p. 213).
Os princípios têm uma carga de importância mais que as regras, o que quer dizer que as regras, para serem válidas, devem respeitar os princípios, havendo uma hierarquia entre estas normas.
No Direito, os princípios têm basicamente duas funções. A primeira é de guiar o legislador no processo legislativo, ou seja, na criação das leis, para o que a lei se compatibilize com o que a nação tem como valores essenciais. Assim, o legislador, ao criar a lei, deve respeitar os princípios, pois nestes estão contidos os valores.
A segunda função básica ocorre depois que a legislação é criada, no momento da análise dela pelos juristas, os quais devem interpretar o que consta no texto da lei conforme o que dita os princípios, fazendo uma interpretação que respeita os valores essenciais da nação.
No Direito Penal, os princípios têm uma função peculiar de sua matéria, que é a de limitar o poder punitivo estatal, ou seja, impedir que ocorra criação ou interpretação de lei que vai contra os valores e modelo de Estado, no nosso caso, o Estado Democrático de Direito, evitando-se abusos contra os direitos historicamente conquistados pelo cidadão. Normalmente, estes valores normatizados, ou seja, princípios, estão previstos na Constituição Federal de 1988, especialmente em seu artigo 5º, seja expressamente (está contido literalmente do texto) ou implicitamente (não está contido na literalidade do texto, mas está em sua ideia ou finalidade principal).
Feita esta breve explicação sobre o que se entende por princípio, adentra-se no que seria o princípio da ofensividade ou da lesividade, como também é chamado.
Segundo este princípio, para ser considerado crime, a conduta, além de se encaixar perfeitamente no que prevê o texto legal de uma infração penal, deve afetar o bem jurídico protegido pelo crime previsto em lei. De acordo com Eugênio Rául Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2009, p. 483-484, grifo do autor):
A afetação do bem jurídico pode ocorrer de duas formas: de dano ou lesão e de perigo. Há dano ou lesão quando a relação de disponibilidade entre o sujeito e o ente foi realmente afetada, isto é, quando, efetivamente, impediu-se a disposição, seja de forma permanente (como ocorre no homicídio) ou transitória. Há afetação do bem jurídico por perigo quando a tipicidade requer apenas que essa relação tenha sido colocada em perigo.
Assim, só há crime se a conduta praticada pelo agente causa uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido ou lhe cria algum risco concreto desta lesão.
Por bem jurídico que mereça proteção do Direito Penal, entende-se por ser aqueles que receberam uma importância histórica correspondendo aos direitos mais básicos e essenciais do cidadão para o desenvolvimento de sua personalidade, como o direito a vida e à propriedade. Por exemplo, no caso do artigo 121 do Código Penal, o crime de homicídio, o bem jurídico protegido é a vida. No caso do artigo 155 do Código Penal, o crime de furto, o bem jurídico é o patrimônio da vítima. Já no crime de lesão corporal, disposto no artigo 129 do Código Penal, o bem jurídico é a integridade física.
O conceito deste princípio se resume no brocardo latino nullum crimen sine injuria, o que, em uma tradução livre, significa que não existe crime sem injuria. Assim, se da conduta não resulta uma ofensa ou dano a um bem jurídico penalmente relevante ou não lhe oferece risco real de lesão, não há que se falar em crime.
O princípio da ofensividade não se encontra expresso na Constituição Federal, mas sim implícito. Segundo Damásio de Jesus (2010, p. 52), este princípio está previsto no artigo 98, inciso I, da Carta Maior, quando se refere a “infrações penais de menor potencial ofensivo”. Por esta expressão, consideram-se os crimes com pena máximo igual ou inferior a dois anos, cumulados ou não com multa, e as contravenções penais, de acordo com o artigo 61 da Lei nº 9.099/95, ressalvadas os casos de violência domestica contra a mulher, como dita o artigo 41 da Lei nº 11.340/03.
Se as infrações mais leves, que são as de menor potencial ofensivo, têm certo grau de ofensividade, ou seja, as condutas devem resultar em lesão ou perigo de lesão, mesmo que seja com baixa intensidade, os crimes mais graves também devem ter resultados com dano ou perigo, também tendo ofensividade, mas com grau maior. Assim, a ofensividade é requisito de todo e qualquer crime, seja através da efetiva lesão ou o concreto perigo de dano.
Também pode ser considerado que o princípio da lesividade está implicitamente previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Quando o dispositivo fala que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, pode-se retirar diversas normas, do qual uma delas é que o poder punitivo estatal, realizado através do Poder Judiciário, está preocupado com a lesão e a ameaça de lesão, em outras palavras, o efetivo dano e o risco concreto de dano.
Segundo Alice Bianchini, Antônio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (2009, p. 338), o artigo 13 do Código Penal, o qual prevê que a existência de um crime depende de um resultado, refere-se a um resultado jurídico, e não naturalístico, pois nem todas as infrações penais possuem resultado natural no mundo dos fatos, como os crimes formais e de mera conduta. Sendo jurídico o resultado previsto no referido dispositivo, quer dizer que o resultado se configura com “a ofensa ao bem jurídico, que se expressa numa lesão ou perigo concreto de lesão”, sem necessariamente haver uma mudança material no mundo dos fatos.
Desta forma, conforme o artigo 13 do Código Penal, tendo todos os crimes resultado jurídico, está aí implicitamente o princípio da ofensividade, pois se exige o dano ou o risco de dano para que ocorra o crime.
O Princípio da Ofensividade possui funções decorrentes daquelas relacionadas aos princípios em gerais. Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2013, p. 61-62) e René Ariel Dotti (2012, p. 141), a primeira é a “função político-criminal”, o qual quer dizer que o legislador deve, ao criar um crime, apresentar elementos no texto de lei de que só haverá punição se existir efetiva lesão ou perigo real de dano ao bem jurídico protegido pela norma.
A segunda função colocada pelos referidos autores é que este princípio deve servir como critério de interpretação para o jurista, especialmente para o juiz, devendo ele, ao analisar o caso concreto, somente taxar como crime os casos onde houver a lesão real ou perigo concreto de lesão.
Conforme ensina o Bitencourt (2013, p. 62), estas duas funções devem ser consideradas complementares uma da outra, no caso de desrespeito a uma delas, deve-se socorrer na outra, como na hipótese de existir um crime que no texto da lei não se encontra um elemento que preveja o requisito da lesão ou o perigo de lesão, momento em que o juiz, com base no princípio da ofensividade, só poderá condenar o suposto criminoso se existiu de fato a lesão ou o perigo real de dano.
Rogério Greco (2011, p. 51-52) pontua outras funções deste princípio. A primeira se refere a que não pode ser considerado criminoso quem somente cogita praticar um crime, pois esta atitude não foi externada, o que demonstra que não houve dano ou qualquer perigo de dano. A segunda consiste em que o indivíduo não pode ser punido por lesionar ou criar perigo de dano somente contra si mesmo, já que não houve risco para outras pessoas. Também tem como função evitar a incriminação em razão de “simples estados ou condições existenciais” da pessoa, ou seja, afastando-se do direito penal do autor, não se pode punir uma pessoa pelo que ela é, mas sim pelo que ela fez. Por último, conforme afirma o autor, não se pode taxar condutas como criminosas se elas somente são socialmente reprováveis sem haver qualquer afetação a bens jurídicos de terceiros.
O princípio da ofensividade fundamenta a tipicidade material em sua segunda dimensão, qual seja, o desvalor do resultado. De acordo com a teoria tripartite do conceito analítico de crime, para que este seja configurado, deve haver um fato típico, antijurídico e culpável. Também na teoria bipartite do conceito analítico do crime, ainda deve haver fato típico e antijurídico. Assim, nas duas teorias que predominam na doutrina brasileira, vê-se o substrato que é o fato típico. Dentro deste, há vários requisitos, como a conduta, o resultado, o nexo de causalidade e a tipicidade penal.
Segundo Damásio de Jesus (2010, p. 300), tipicidade penal, “num conceito preliminar é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”. Para a doutrina penal moderna, a tipicidade penal não corresponde somente ao perfeito encaixe do fato ao texto de lei que prevê o crime (tipicidade formal), mas também uma valoração da conduta e do resultado (tipicidade material). A conduta praticada pelo agente deve criar um risco proibido (desvalor da conduta) resultando uma lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido (desvalor do resultado).
Assim, vê-se que a ideia do princípio da ofensividade está condita dentro da tipicidade material, que é requisito da tipicidade penal, que por sua vez é pressuposto do fato típico, o qual é substrato do crime.
2. CRIMES DE DANO E CRIMES DE PERIGO
Como decorrência do princípio da ofensividade, existe uma classificação que diferencia crime de dano e crime de perigo. No primeiro, a conduta do agente deve resultar em uma lesão efetiva ao bem jurídico protegido, ou seja, deve haver um prejuízo a um direito da vítima. Por exemplo, no caso do homicídio simples, previsto no artigo 121 do Código Penal, há uma conduta que tira a vida da vítima, ou seja, uma óbvia lesão a este direito do indivíduo.
Caso o agente tiver realizado os atos executórios do crime mas não ocorra o resultado lesão efetiva ao bem jurídico em razão de circunstâncias alheias a sua vontade, estar-se diante de tentativa, o que também é passível de punição pelo Direito Penal, em razão do perigo que criou o agente. Se não houver lesão em razão da impossibilidade de ocorrer por conta do modo que o agente realizou a conduta, não haverá crime, por exemplo, no caso do indivíduo esfaquear pessoa já morta não existe bem jurídico a ser lesado.
No crime de perigo, o agente cria um risco de lesão ao bem jurídico da vítima, ou seja, na perspectiva do momento da consumação do fato (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009, p. 484), há uma relevante probabilidade de que este perigo criado pelo agente pode resultar em dano, o qual não necessariamente irá ocorrer. Assim entende Damásio de Jesus (2010, p. 229), quando afirma que “Crimes de perigo são os que se consumam tão só com a possibilidade do dano”.
René Ariel Dotti (2012, p. 467) conceitua que o crime de perigo “é aquele que cuja conduta ameaça ofender o bem jurídico protegido pela norma”. Nesses tipos de crime, há uma antecipação da pena com o objetivo de que se evite o efetivo dano (GRECO, 2011, p. 193-194). Exemplo de crime de perigo é o artigo 134 do Código Penal, que prevê o crime de abandono de recém nascido:
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de um a três anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
Nos crimes de perigo, não há dolo de lesão, ou seja, a intenção de causar prejuízo ao bem jurídico de alguém, mas sim dolo de perigo, que quer dizer que o agente quer realizar a conduta que cria o perigo, mas sem a vontade de causar o dano.
Quando um indivíduo, em momento de loucura, coloca fogo em sua própria residência, esta conduta por si só, não configura crime, mas se a residência fica muito próxima de outra, como ocorre nas vizinhanças urbanas, caracteriza-se o crime de incêndio, previsto no artigo 250 do Código Penal: “Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem”. No caso apresentado, a intenção do agente é somente colocar fogo em sua residência e não causar prejuízo a terceiros.
Segundo Gonzalo Quintero Olivares apud Rogério Greco (2011, p. 194), o dolo de perigo nada mais é que a falta do dever de cuidado, característica dos crimes culposos. Em razão disto, para o autor, está equivocado falar em dolo, devendo se falar em culpa. Preferível é a expressão “dolo de perigo”, pois, mesmo não havendo o dever de cuidado, realmente existe a intenção de realizar a conduta que se sabe arriscada. Desta forma, concluí-se que o elemento subjetivo é o dolo de perigo.
Os crimes de perigo, tradicionalmente, são divididos em crime de perigo concreto e crime de perigo abstrato. No primeiro, numa perspectiva do momento do fato, o perigo é real, existe de fato probabilidade de acontecer um dano, ou seja, conforme o próprio nome diz, o risco é concreto. Neste tipo de crime, o perigo deve ser objeto de prova, devendo ser demonstrado, em juízo, pela acusação, o risco de dano. Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt (2013, p. 282):
Concreto é aquele que precisa ser comprovado, isto é, deve ser demonstrada a situação efetiva de risco no caso concreto ao bem juridicamente protegido. O perigo é reconhecível por uma valoração da probabilidade de superveniência de um dano para o bem jurídico que é colocado em uma situação de risco, no caso concreto.
Além disto, nos crimes de perigo concreto, a vítima titular do bem jurídico protegido é determinado, ou seja, sabe-se quem é ou são as vítimas daquele perigo. Assim, deve-se provar, também, que houve e quem foi a vítima do crime de perigo concreto.
No segundo, no crime de perigo abstrato, não há a necessidade de saber se há um perigo próximo e real ao bem jurídico, pois ele é presumido pela própria lei incriminadora, não importando ser o risco remoto, com pouquíssima probabilidade de acontecer o dano. Mesmo que, na realidade, a conduta do agente não provocar qualquer perigo, o crime ainda irá existir, pois ele é presumido por lei, não precisando ser provado em juízo. A configuração da infração penal se satisfaz somente com a conduta realizada pelo agente.
Conforme Damásio de Jesus (2010, p. 229, grifo do autor), “Perigo presumido (ou abstrato) é o considerado pela lei em face de determinado comportamento positivo ou negativo. É a lei que o presume juris et de jure. Não precisa ser provado. Resulta da própria ação ou omissão”.
No mesmo sentido, ensina Cezar Roberto Bitencourt (2013, p. 282, grifo do autor) que o “perigo abstrato pode ser entendido como aquele que é presumido juris et de jure. Nesses termos, o perigo não precisaria ser provado, pois seria suficiente a simples prática da ação que se pressupõe perigosa”.
Sendo uma presunção juris et de juris, ou seja, presunção absoluta, não se admite prova em contrário no processo criminal. O que se opõe a presunção relativa (juris tantum), o qual, mesmo presumido pela lei, permite que a parte ré produza prova que afaste a circunstância presumida, fenômeno conhecido como inversão do ônus da prova, mas isto não acontece nos crimes de perigo abstrato, no qual se caracteriza a presunção absoluta.
Assim, o perigo presumido pela lei não pode ser sequer discutido em juízo. A simples prática do ato previsto como proibido na lei penal caracteriza o crime, sem que o réu possa produzir prova para se defender a respeito da inexistência do risco, pois este é irrelevante, pois já presumido pela lei.
Os crimes de perigo abstrato não necessitam de vítima determinada, pois, sendo o perigo absolutamente presumido, não é preciso provar que existia uma vítima titular do bem jurídico protegido pela lei criminal. Assim, para quem defende a validade do crime de perigo abstrato, mesmo que não exista ninguém no raio de risco da conduta realizada pelo agente, ainda haverá o crime.
Considerando que os crimes de perigo abstrato são legítimos, no que tange à tipicidade material, não é necessário a sua segunda dimensão, ou seja, não é necessário que exista um resultado representado na lesão ou perigo real de lesão do bem jurídico. Assim, não é preciso valorar o resultado, pois mesmo que não exista nem mesmo o perigo real de lesão, o crime continua existindo. Desta forma, no crime de perigo abstrato, para caracterizar a tipicidade penal, basta o perfeito encaixe do fato ao que está previsto no texto do tipo penal (tipicidade formal) e o desvalor da conduta (primeira dimensão da tipicidade material).
Nota-se, assim, que a desnecessidade de se verificar se houve lesão ou perigo de dano em razão da conduta realizada pelo agente, presumindo-se que houve perigo mesmo que na realidade nunca este existiu, desrespeita o princípio da ofensividade, o qual, como já colocado no capítulo anterior, determina que todas as infrações penais devem resultar em lesão ou perigo de lesão.
Desrespeitando o princípio da ofensividade, o qual é valor essencial para o Direito Penal que está previsto implicitamente na Constituição Federal, conclui-se que os crimes de perigo abstrato são inconstitucionais, não devendo ser admitidos no mundo jurídico brasileiro. Nesse sentido, afirma Cezar Roberto Bitencourt (2013, p. 61, grifos do autor):
Por essa razão, são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo a um bem jurídico determinado. Em outros termos, o legislador deve abster-se de tipificar como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo, colocar em perigo concreto o bem jurídico protegido pela norma penal. Sem afetar o bem jurídico, no mínimo colocando-o em risco efetivo, não há infração penal.
Infelizmente, em várias ocasiões, o legislador perdeu a oportunidade de incluir nos textos legais de alguns tipos penais a previsão de que deve haver lesão ou, ao menos, perigo concreto de lesão ao bem jurídico penalmente relevante, como no caso do artigo 253 do Código Penal:
Art. 253 - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Neste crime, no seu texto, não se verifica que na conduta nela prevista deve haver lesão ou perigo de lesão, ou seja, basta realizar a conduta aí tipificada, que o crime já fica caracterizado.
Em casos como este, em razão da falha do legislador, ou seja, da não observância da primeira função do princípio da ofensividade, que é de guiar o legislador para que respeite o que determina este princípio, deve o interprete, especialmente o juiz, em razão da segunda função da referida norma, fazer uma análise do artigo levando em consideração que deve haver uma ofensividade, pois é um valor principiológico previsto na Constituição Federal.
Assim, o mencionado crime deve ser interpretado conforme a Constituição, respeitando o princípio da ofensividade, ou seja, para que ocorra o crime de fabrico de explosivo sem licença da autoridade estatal, deve haver uma valoração do resultado, ou seja, se essa produção de explosivo coloca em risco real algum bem jurídico.
Por exemplo, se um fazendeiro, no interior de sua imensa propriedade rural, fabrica um explosivo sem a licença com o fim de destruir uma construção em sua fazenda, e sem que exista pessoas próximas do local de fabricação, não há que se falar em crime, já que os bens jurídicos em risco são vida, integridade física e propriedade do próprio agente da conduta. Como já foi colocado, o princípio da ofensividade proíbe a incriminação de condutas que lesionam ou são perigosas para bens jurídicos do próprio agente.
Considerar legítimo os crimes de perigo abstrato é abrir possibilidades de punição em casos nos quais nenhum bem jurídico é lesado ou sofre perigo de dano. Em razão da inexistência de objeto (bem jurídico) que possa ser alvo de lesão ou risco de lesão, esta hipótese caracteriza crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal, o qual dispõe que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. Assim, é impossível se consumar o crime se não houver objeto.
Em razão da inconstitucionalidade, alguns doutrinadores, com base no princípio da ofensividade, apresentam formas de interpretação dos supostos crimes de perigo abstrato para que, então, sejam considerados constitucionais.
Nessa perspectiva, Cezar Roberto Bitencourt aceita o crime de perigo abstrato se da sua conduta é possível verificar idoneidade para criar algum perigo concreto para o bem jurídico protegido:
Se o legislador penal pretende admitir a existência de crimes de perigo abstrato, é necessário ajustar, com a maior precisão possível, o âmbito da conduta punível, sem deixar de lado os princípios limitadores do exercício do poder punitivo estatal (princípios desenvolvidos no segundo capítulo), com o fim de evitar uma expansão desmedida do Direito Penal. Significa, em outros termos, que nos delitos de perigo abstrato é necessário demonstrar, pelo menos, a idoneidade da conduta realizada pelo agente para produzir um potencial resultado de dano ao bem jurídico, visto desde uma perspectiva genérica. (BITENCOURT, 2013, p. 282-283, grifos do autor).
Para Eugênio Rául Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, a solução seria tratar o crime de perigo abstrato não como um perigo de presunção absoluta, mas sim relativa. Desta forma, tanto nas infrações penais de perigo concreto quando nas de perigo abstrato, deve haver a discussão sobre a existência do risco. No delito de perigo concreto, a acusação deve provar que houve perigo. Nos crimes de perigo abstrato, não precisa a acusação demonstrar o risco, pois é relativamente presumido, mas pode a defesa produzir prova para demonstrar a inexistência de perigo, ou seja, ocorre a inversão do ônus da prova. Segue, em seus próprios termos, o entendimento dos referidos doutrinadores:
Na realidade, não há tipos de perigo concreto e de perigo abstrato – ao menos em sentido estrito –, mas apenas tipos em que se exige a prova efetiva do perigo submetido ao bem jurídico, enquanto noutros há uma inversão do ônus da prova, pois o perigo é presumido com a realização da conduta, até que o contrário não seja provado, circunstância cuja prova cabe ao acusado. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009, p. 484, grifos do autor).
Leonardo Schmitt de Bem, citando Luiz Flávio Gomes, coautor da segunda parte da obra agora referenciada, não se deve aceitar a categoria do crime de perigo abstrato puro, ou seja, aquele de presunção absoluta, mas sim admitir um meio termo entre o crime de perigo concreto e o de perigo abstrato. Para os autores, este meio termo seria o crime de perigo abstrato de perigosidade real ou simplesmente crime de perigo concreto indeterminado. As duas expressões são equivalentes.
No crime de perigo concreto indeterminado, sob a perspectiva do momento da realização da conduta, é necessário existir um bem jurídico no raio de afetação do bem jurídico, não sendo presumido este perigo. Ou seja, para a análise da existência ou não de perigo, o interprete deve se colocar no momento que a conduta supostamente perigosa está sendo praticada, e não analisar sob a perspectiva de quem já sabe o que aconteceu.
Além disso, caracterizando-se o meio termo entre as duas formas básicas de crime de perigo, no delito de perigo concreto indeterminado, sabendo que existia um risco para algum bem jurídico, o seu titular não necessita ser determinável. Quer dizer, na peça inicial acusatória do processo penal, não precisa a acusação demonstrar de quem foi o bem jurídico colocado em risco, mas somente demonstrar que, naquele momento, tudo indicava que a conduta era perigosa.
Em termos, afirma Leonardo Schmitt de Bem que nos crimes de perigo concreto indeterminado “é necessário que algum bem jurídico (vida, integridade física ou patrimônio) entre no raio de ação da real periculosidade da conduta, não sendo necessário haver vítima concreta, mas, sim, vítima indeterminada”. (BEM; GOMES, 2013, p. 51).
Infelizmente, o Supremo Tribunal Federal ainda continua a decidir pela constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, afirmando que esta classificação de crime é necessária para a devida proteção dos bens jurídicos. Como exemplo deste posicionamento, tem-se a decisão do Habeas Corpus nº 104.410 do Rio Grande do Sul.
3. O CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE DIANTE DO PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE
Com a finalidade de diminuir os acidentes de trânsito e com base na doutrina dos crimes de perigo, o legislador de 1997 instituiu a Lei nº 9.503, o Código Brasileiro de Trânsito, o qual disciplina a forma de administração das vias públicas, regulamenta a utilização de veículos automotores, prevê infrações administrativas que podem ser realizadas no trânsito, além de crimes ocorridos em razão da condução de veículos automotores, por exemplo.
Nesta lei, consta o artigo 306 o qual incrimina o fato de dirigir após ingerir bebida alcoólica ou substâncias entorpecentes. Este dispositivo, desde sua redação original, já sofreu algumas reformas, tentando se adaptar à mudança da realidade no trânsito brasileiro. Ocorre que, no mais das vezes, estas mudanças existiram por questões de pressão popular e da mídia, os quais acreditam que o fato de dirigir embriagado merece tratamento mais rígido.
A redação original de 1997 do artigo 306 constava que era crime “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Analisando o dispositivo, nota-se que, para a configuração do crime, era necessário que a condução do veículo estivesse influenciada pelo consumo de álcool ou substância de efeito semelhante, que fosse em via pública, e que representasse perigo à terceiros, sendo esta circunstância um elemento essencial para a caracterização da infração penal.
Nota-se que, segundo essa redação, este delito era de perigo concreto, pois, no próprio texto do tipo penal, existia o requisito da exposição “a dano potencial a incolumidade de outrem”, ou seja, necessitava-se que a acusação demonstrasse em processo criminal a existência de um perigo real e concreto a uma determinada vítima.
No ano de 2008, houve reforma do mencionado artigo através da Lei nº 11.705, levando a uma disciplina mais rigorosa a respeito crime de embriaguez ao volante, o que ficou conhecido como a primeira “lei seca”, apesar de a pena continuar a mesma. O artigo 306 previa que:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Pelo caput do artigo, nota-se que, em relação ao álcool, não mais estava incluída no texto legal o requisito do perigo a outrem, bastando que o condutor estivesse com 0,6 gramas de álcool por litro de sangue para que o crime ficasse caracterizado. Assim, referente à alcoolemia, o crime era considerado de perigo abstrato, o que, segundo a opinião colocada neste trabalho, era inconstitucional, devendo ser interpretado de forma que se adequasse ao princípio da ofensividade.
Conforme o parágrafo único deste artigo, o Poder Executivo federal deveria regulamentar outros testes para aferição do consumo de álcool que fossem equivalentes à quantidade de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. O que era feito pela Resolução nº 206 do Contran, em seu artigo 1º. Neste dispositivo, quando o teste era feito pelo bafômetro ou etilômetro, a quantidade de 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar expelido pelos pulmões é equivalente aos 0,6 gramas de álcool por litro de sangue.
Assim, constatadas estas quantidades de álcool no teste do bafômetro ou exame de sangue, o condutor de veículo automotor estava cometendo o crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
Ainda de acordo com o caput do artigo 306, em sua segunda parte, referindo-se a outras substâncias que não fossem álcool, mas que alterassem a capacidade psicomotora do condutor, deveria ficar demonstrado que estas substâncias estavam influenciando a sua forma de dirigir de modo que causasse perigo de lesão real, mas não necessitando provar quem estava em perigo.
Já que todos os crimes devem respeitar o princípio da ofensividade, mesmo não prevendo no antigo texto legal do crime, a forma de dirigir o veículo precisa apresentar perigo através, por exemplo, de zigue-zagues. Esta condução anormal deve acontecer em razão da atuação da substância no organismo do motorista. É isto que a expressão “sob a influência” quer dizer. Assim, a melhor interpretação para esta parte do dispositivo é que ele deveria ser tratado como crime de perigo concreto indeterminado.
Em relação à embriaguez, este dispositivo era quase inócuo, ou seja, não tinha efetividade por falta de fiscalização, e, quando tinha, se condenava muito pouco por conta da falta de provas que se dava em razão falha legislativa na descrição do crime. Isto ocorria por porque já que o crime só ficava caracterizado com a verificação da quantidade não permitida de álcool no sangue, já que esta era uma condição essencial do crime.
Como vige no nosso ordenamento jurídico o princípio de que o indivíduo não pode ser obrigado a criar provas contra si mesmo, chamado de princípio do nemo tenetur se detegere, decorrente do artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, e no artigo 8º, parágrafo 2, alínea “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos, não pode ser ele obrigado a soprar o bafômetro ou realizar o exame de sangue.
No processo penal, que também é regido pelo princípio do in dubio pro reo, ou seja, em dúvida, deve-se julgar em favor do réu no caso de falta de provas para incriminá-lo. Sendo o resultado bafômetro e do exame de sangue uma prova essencial para a verificação da quantidade proibida de álcool para a caracterização do crime, a sua falta leva à absolvição do réu. Assim, em nosso país, enquanto vigorava esse texto da infração penal de embriaguez ao volante, poucos eram condenados criminalmente.
Assim, em razão do exposto acima e também por conta da vontade populista e midiática de tolerância zero em relação a crimes, incluído aí a embriaguez ao volante, causa de acidentes mortais no trânsito, o texto do artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito foi mais uma vez modificado, agora pela Lei nº 12.760, sancionada em 20 de dezembro de 2012, dispondo uma nova tipificação do crime, que também ficou conhecido como a “nova lei seca”, em termos:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
§ 3o O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Observa-se de logo que, do caput, foi retirado a previsão de quantidade fixa de álcool proibido. Para ocorrer a condenação por este crime, não mais é necessário somente a prova de quantidade de álcool consumido. A pena continua a mesma e o Contran permanece a regular a equivalência de valor de álcool entre os testes. Também foram acrescentados três parágrafos, que serão objeto de estudo posteriormente neste trabalho.
3.1 Crime de embriaguez como crime de perigo concreto indeterminado e suas outras características
O crime em análise é considerado de perigo abstrato pela população em geral, em razão da ideia de tolerância zero, inclusive por grande parte da doutrina brasileira. Equivocada é esse entendimento. Como se pode notar com a simples leitura do caput do artigo 306, o texto prevê o requisito de que a capacidade psicomotora de condução esteja alterada em razão da influência de álcool ou substância psicoativa.
Conforme Leonardo Schmitt de Bem de Luiz Flávio Gomes (2013, p. 119), essas “novas exigências típicas, agora, não podem (mais) ser presumidas. Passaram a compor a descrição legal. Devem ser efetivamente narradas na denúncia e comprovadas em juízo, porque elementares do tipo legal”. Assim, são considerados elementos objetivos normativos, ou seja, que requerem valoração pelo interprete, e para tanto, devem ser provados.
O delito em estudo deve respeitar o princípio da ofensividade. Logo, além da prova dos requisitos previstos no texto do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, também precisa existir, ao menos, perigo real de lesão a vida, integridade física ou patrimônio de qualquer pessoa que possa entrar na área de risco da conduta, ou seja, os titulares destes bens jurídicos podem ser indeterminados. Não se pode admitir um perigo presumido, pois, desta forma, estar-se-ia violando o princípio da ofensividade.
Para saber se a conduta de dirigir embriagado oferece perigo de lesão a pessoas indeterminadas, deve-se verificar se a uma anormalidade na forma de condução do agente, se ele está fazendo zigue-zagues, dirigindo no acostamento, em alta velocidade, desrespeitando sinal de pare e semáforo vermelho, entre outros. Mas quando a influência do álcool é tamanha que a pessoa não consegue realizar atividades que seriam fáceis para um indivíduo sóbrio, ou seja, quando está visivelmente embriagado, não há necessidade de provar uma direção anormal, já que diminuição da capacidade psicomotora é clara e óbvia. Assim entende Leonardo Schmitt de Bem e Luiz Flávio Gomes (2013, p. 129):
Não é necessário, nesse caso de embriaguez visível com elevado grau de comprometimento da capacidade psicomotora, a comprovação de uma condução irregular ou anormal (dirigir em zigue-zague, subir em calçada etc.). Aliás, a anormalidade (ou irregularidade) já está evidenciada na embriaguez indiscutivelmente elevada e notória, nitidamente comprometedora da capacidade psicomotora do condutor.
Desta forma, sabendo que a Constituição Federal, através do princípio da ofensividade, exige um perigo real que deve ser provado e não presumido, e que as vítimas em potencial não precisam ser discriminadas, o crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é de perigo concreto indeterminado, também chamado de perigo abstrato de perigosidade real. (BEM; GOMES, 2013, p. 96).
O sujeito ativo, ou seja, o agente que realiza a conduta criminosa, pode ser qualquer pessoa, tendo ou não habilitação ou permissão para dirigir, que conduz veículo automotor, ou seja, aciona o automóvel, por exemplo, e o coloca em movimento, direcionando-o para o destino desejado. Assim, o crime não se configura se o indivíduo embriagado estiver empurrando o veículo. (BEM; GOMES, 2013, p. 53).
Por veículo automotor, segundo o Anexo I da referida lei, entende-se por ser aquele que possui “motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)”.
Pela expressão “circule por seus próprios meios” se quer dizer que o veículo é capaz de entrar em movimento em razão de sua própria estrutura, por exemplo, por conta de motor de combustão interna, sendo somente acionado e direcionado pelo condutor.
O sujeito passivo, que significa o titular do bem jurídico protegido pelo dispositivo penal incriminador, é a coletividade, ou seja, indetermináveis ou determináveis pessoas que estavam submetidas ao perigo que a embriaguez ao volante provoca. (BEM; GOMES, 2013, p. 53).
O agente deve estar com a capacidade psicomotora alterada, ou seja, suas faculdades mentais e coordenação motora devem estar prejudicadas. Sendo um requisito expresso no texto do atual artigo 306, esta circunstância deve ficar demonstrada, não podendo ser presumida. Além disso, a modificação da capacidade psicomotora do sujeito ativo deve ser em razão da ingestão voluntária de álcool ou outra substância psicoativa.
Para se provar, a autoridade de trânsito deve fazer testes para avaliar a capacidade psicomotora, e não somente presumir que está alterada por conta do nível de álcool, pois é de conhecimento comum que cada pessoa tem tolerância diferente a bebidas alcoólicas. Alguns ficam alterados com pouco consumo, e outros necessitam de quantidade elevada de álcool para demonstrar os sintomas de embriaguez.
Por substância psicoativa que cause dependência, entende-se serem aquelas que influenciam, modificam ou alteram a capacidade psíquica e motora do agente. Deve-se fazer uma interpretação restritiva deste termo, já que, no dia a dia, há diversas substâncias que modificam, mesmo que minimamente, a capacidade psicomotora de uma pessoa, como o café. (BEM; GOMES, 2013, p. 57).
Não podem ser considerados bens jurídicos penalmente relevantes a segurança viária ou incolumidade pública, já que são termos muito vagos, quando na verdade representam interesses genéricos, instrumentais, intermediários, os quais abrangem a vida, a integridade física e o patrimônio, estes que são, em última análise, os verdadeiros bens jurídicos que merecem proteção do Direito Penal. (BEM; GOMES, 2013, p. 126-127).
O local do crime, desde a modificação de 2008, não precisa mais ser somente a via pública, pois o texto do tipo penal não prevê mais essa expressão. Atualmente, o local do crime pode ser qualquer lugar de circulação comum às pessoas, seja de pedestres ou veículos automotores. Assim, por exemplo, se um condutor estiver conduzindo anormalmente seu automóvel por estar embriagado em sua fazenda, mas nesta circulam trabalhadores, haverá o crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
Já que não existe previsão legal de embriaguez ao volante culposa, este crime só existe na modalidade dolosa, caracterizada pela simples vontade do agente em ingerir bebida alcoólica ou fazer uso de substância psicoativa e, depois, em dirigir veículo automotor, mesmo não querendo causar qualquer dano. A intenção que se analisa é a vontade de beber e dirigir.
O artigo 306 prevê um crime permanente, já que sua consumação (a condução anormal por embriaguez oferecendo perigo) se prolonga no tempo. Ou seja, não há uma conduta e um resultado instantâneo, mas sim uma conduta continuada e o resultado de perigo de alastrando no tempo.
Este delito admite tentativa, ou seja, os atos executórios interrompidos por circunstância alheia a vontade do agente são punidos, por exemplo, no caso de um indivíduo que ingere bebida alcoólica, se dirige cambaleando a seu carro que está estacionado em rua com algum movimento de outras pessoas, liga o automóvel e imediatamente é abordado por um agente de trânsito que o impede de sair com o carro.
O parágrafo 1º do artigo 306 prevê formas de se provar o estado de embriaguez, seja por 0,6 gramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, seja por sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora.
O inciso I deste dispositivo que prevê a quantidade de álcool para que se prove o estado de embriaguez não deve ser utilizado isoladamente para a caracterização da influência do álcool na redução da capacidade psicomotora, pois, sabe-se, que cada pessoa reage de forma diferente à determinada concentração de álcool (BEM; GOMES, 2013, p. 126-127). A quantidade de álcool prevista no inciso I deve ser cumulada com testes para verificar se a influência do álcool reduziu sua capacidade psicomotora, com a verificação se a forma de dirigir era anormal e se poderia haver pessoas em perigo.
Este dispositivo não pode ser interpretado como elemento essencial do tipo penal, isto é, não pode por si só presumir a influência do álcool ou de substância psicoativa na condução anormal do veículo. Se assim fosse, o crime seria considerado de perigo abstrato puro, o qual não pode ser aceito por violação ao princípio da ofensividade.
Assim, deve-se interpretar o parágrafo primeiro como norma de natureza processual, ou seja, somente prevê meios de prova, e como todo meio de prova, deve ser valorado pelo juiz, pois vige o sistema do livre convencimento motivado do magistrado, ou seja, uma prova não é absolutamente mais importante que a outra. Melhor dizendo, as provas, em regra, têm mesmo valor. Somente no processo criminal que o juiz irá valorá-las, só então dando importância maior a uma que a outra.
O parágrafo 2º surgiu para corrigir o texto legal anterior, não tendo mais como única prova possível, para a caracterização do crime, o resultado do teste do bafômetro ou do exame de sangue. Agora, o crime pode ser provado por todos os meios admitidos em direito, seja por testemunhas, vídeos, exame clínico, entre outros.
O parágrafo 3º traz norma semelhante ao antigo parágrafo único, prevendo que o Executivo, através do Conselho Nacional de Trânsito, regulará o crime e determinará a equivalência de quantidade de álcool entre os diversos testes. Deste dispositivo, foi criada a Resolução de nº 432 de 2013 do Contran, que revogou a Resolução nº 206.
Este novo ato normativo prevê, por exemplo, em seu artigo 7º, a tolerância de álcool no organismo para efeito do crime do artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito, aumentando para 0,34 miligramas de álcool por ar alveolar expelido no bafômetro, e repetindo este dispositivo em relação ao exame de sangue. A Resolução 432/13 também regula a infração administrativa de embriaguez ao volante do artigo 165 do Código Brasileiro de Trânsito.
Infelizmente, mais uma vez, há uma confusão na resolução 432/13 que trata estas quantidades de álcool no organismo como requisitos suficientes para a caracterização do crime de embriaguez ao volante, presumindo os outros elementos do tipo penal, como se, necessariamente, estes valores traduzem uma direção anormal que represente perigo. Assim entende Leonardo Schmitt de Bem e Luiz Flávio Gomes (2013, p. 106-107):
Reitere-se: a Resolução n. 432 confundiu a comprovação da embriaguez com a configuração do crime. A quantificação de álcool no sangue (em relação aos motoristas que fizeram o exame ou o teste) é apenas um dos sinais indicativos da embriaguez. Mas uma coisa é provar a embriaguez e outra distinta é o grau de alteração da capacidade psicomotora do agente, assim como a forma como ele conduzia o veículo, sob a influência do álcool (ou outra substância psicoativa).
Além disso, se um elemento essencial do tipo não está previsto na lei, uma resolução não poderá incluí-la, sob pena de violação ao princípio da legalidade (reserva legal), previsto no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
3.2 Requisitos do crime de embriaguez ao volante
Depois de demonstrar que o crime é de perigo concreto indeterminado e de analisar o texto legal, resume-se agora os requisitos do crime, enumerando-os. Basicamente, há cinco requisitos para que se configure a infração penal do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, os quais devem ser provados pela acusação.
O primeiro é que deve estar o agente dirigindo. Por segundo, o agente precisa ter ingerido voluntariamente bebida alcoólica ou substância psicoativa. Em terceiro, o agente deve ter sua capacidade psicomotora reduzida em razão da influência do álcool ou da substância psicoativa. O quarto requisito é que a reduzida capacidade psicomotora do agente deve ser de tal modo que sua condição de veículo automotor fique anormal. Em quinto e por último, a condução anormal deve oferecer perigo real a pessoas indeterminadas, em respeito ao princípio da ofensividade.
Estes requisitos correspondem aos pressupostos da tipicidade penal. A tipicidade formal está ligada com os três primeiros requisitos, enquanto a tipicidade material corresponde ao quarto requisito em relação a sua primeira dimensão, qual seja, o desvalor da conduta (criação de risco proibido), e o quinto requisito em relação a sua segunda dimensão, que é o desvalor do resultado (lesão ou perigo de lesão).
Considerar que o crime de embriaguez ao volante é de perigo abstrato, seria aceitar uma tipicidade material sem haver um desvalor do resultado, ou seja, sem uma lesão ou perigo real de lesão, o que vai contra o princípio da ofensividade.
3.3 Distinção entre o crime do artigo 306 e o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro
Infração administrativa é diferente de crime. O primeiro dispõe sobre forma de conduta que deve ser obedecida pelos cidadãos, que se desrespeitada, será punida com medidas menos rígidas do que acontece com o crime, como é o caso de multa e apreensão temporária de veículo. As infrações administrativas decorrem do poder de polícia do Estado, que tem como finalidade restringir ou limitar direitos dos cidadãos para que ocorra um melhor convívio social entre eles.
Crime é fato típico, ilícito e culpável, previsto necessariamente em lei, onde há a proteção dos bens mais essenciais para o desenvolvimento das pessoas, como a vida, integridade física e o patrimônio. Por proteger estes bens jurídicos mais primordiais, a punição no Direito Penal é mais rigorosa, prevendo, inclusive, pena de privação de liberdade, o que não ocorre nas infrações administrativas.
A primeira diferença entre o crime do artigo 306 e a infração administrativa de embriaguez a volante do artigo 165, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, é que, no primeiro, em respeito ao princípio da ofensividade, o fato deve ter colocado em perigo a coletividade. Já no segundo, não há necessidade do condutor representar perigo, mas estar somente dirigindo sob a influência de álcool ou outras substâncias psicoativas.
Na infração administrativa, é permitido que qualquer quantidade de álcool presuma a sua influência no organismo e sua respectiva condução anormal, o que ocorre atualmente, de acordo com o artigo 276 da legislação de trânsito, o qual afirma que “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165”. Assim, sendo presumido, não há necessidade de comprovação.
Segundo o parágrafo único deste mesmo dispositivo, o Contran pode regular as margens de tolerância no teste do bafômetro, o que foi feito na já citada Resolução nº 432/13, o qual determina uma tolerância de 0,05 miligramas de álcool por litro de ar alveolar expelido dos pulmões.
Na infração administrativa não há a necessidade, também, de se demonstrar o perigo para pessoas indeterminadas, pois este de infração não se submete ao princípio da ofensividade, podendo ser o perigo totalmente presumido.
Segundo o artigo 277, parágrafo 3º, do Código de Trânsito Brasileiro, se o condutor recusar fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue, automaticamente será enquadrado na infração administrativa do artigo 165 do mesmo código. Tal regra tem duvidosa constitucionalidade, já que, é direito fundamental da pessoa de que não é obrigado a realizar prova contra si mesmo, ou seja, o princípio do nemo tenetur se detegere já citdo neste trabalho, que está previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, e no artigo 8º, parágrafo 2, alínea “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos.
O crime de embriaguez ao volante prevê pena de “detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”. Referente a esta suspensão e proibição, Leonardo Schmitt de Bem e Luiz Flávio Gomes (2013, p. 63, grifos do autor) ensinam que:
Em relação à pena restritiva de direito, recordamos, porém, que o juiz pode apenas aplicar a pena de proibição para obstar que o agente, ainda não habilitado, obtenha o acesso ao processo de habilitação e pode aplicar a pena de suspensão ao condutor que praticou o delito durante o estágio probatório, impedindo-o de obter a Carteira Nacional de Habilitação. É inconteste que o motorista que já possui habilitação definitiva não mais poderá ser impedido de algo pelo magistrado.
A infração administrativa do artigo 165 é gravíssima, a punição é uma multa de R$ 1.915,40 e suspensão no direito de dirigir por doze meses. Caso ocorra reincidência durante este período, a multa tem seu valor dobrado.
CONCLUSÃO
Este trabalho teve como objetivo principal a análise da melhor interpretação para o crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, qual seja, o de embriaguez ao volante, pautado no princípio da ofensividade (lesividade), do qual decorrem os crimes de dano e de perigo, demonstrando quais os requisitos para a caracterização para o referido crime.
Primeiramente, ficou demonstrado o significado de princípio, que são os valores essenciais da nação positivados na constituição e nos textos de lei, e analisou-se o conceito de princípio da ofensividade, o qual afirma que para uma conduta seja considerada crime ela deve resultar em lesão ou perigo de lesão, ou seja, deve haver uma afetação no bem jurídico protegido pela lei penal.
Verificou-se que o princípio da ofensividade tem funções básicas, quais sejam, servir de critério de política criminal direcionado ao legislador, para que este, ao criar um crime, coloque no texto da lei que o delito precisa resultar em lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico penalmente relevante que pretende proteger. A segunda função seria destinada aos interpretes da lei, especialmente o juiz, devendo estes somente considerar determinada conduta como crime se ela causar dano ou risco de dano ao bem protegido.
Também foi apresentado que o princípio da ofensividade fundamenta a segunda dimensão da tipicidade material, que é o desvalor do resultado.
Na segunda parte deste trabalho, como decorrência do princípio da ofensividade, diferenciou-se crime de dano de crime de perigo. Considera-se de dano o delito que efetivamente causa um prejuízo ao bem jurídico protegido. Enquanto crime de perigo é aquele que, pela perspectiva do momento da conduta, o agente cria um risco de lesão ao bem jurídico da vítima, ou seja, há uma probabilidade de lesão.
Ainda neste capítulo, apresentou-se as espécies de crime de perigo, quais sejam, os de perigo abstrato e os de perigo concreto. Neste, o risco de dano ao bem jurídico protegido é real e, para que o agente seja condenado, deve haver a prova deste perigo. Nos crimes de perigo abstrato, há uma presunção absoluta da lei que havia o perigo somente por ter o agente realizado a conduta proibida, ou seja, não é necessário que, para a condenação do agente, se prove o perigo.
Demonstrou-se que tal perigo abstrato deve ser considerado inconstitucional, pois viola o princípio da ofensividade, já que é necessário que ocorra um perigo concreto de lesão, evitando-se taxar de criminoso aquele que realizou uma conduta que não representou qualquer perigo.
Por conta desta inconstitucionalidade, apresentou-se soluções doutrinárias para resolver o problema dos crimes de perigo abstrato. O primeiro é de que este perigo abstrato deve, pelo menos, ter idoneidade de produzir um risco ao bem jurídico protegido. Segundo, tem-se a posição de que nos delitos de perigo abstrato, não há uma presunção absoluta, mas sim relativa, sendo admitida contraprova para afastar a ideia de perigo. Por terceiro, criou-se uma classificação de meio termo, que é o crime de perigo concreto indeterminado (também chamado de crime de perigo abstrato de perigosidade real), o qual consiste em que o crime deve ter, pelo menos, um perigo concreto, real, provável, sem ser presumido, mas que não precisa atingir pessoas determinadas.
Na terceira parte do trabalho, colocou-se a descrição legal do crime de embriaguez ao volante, previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro logo após ter sido apresentada modificações deste dispositivo desde que foi instituído em 1997.
Neste capítulo, ficou demonstrado que o crime de embriaguez ao volante deve ser considerado de crime de perigo concreto indeterminado, pois em seu texto o legislador colocou elementos objetivos normativos, que devem ser valorados pelo juiz através da demonstração probatória no processo penal. Além disso, por respeito ao princípio da ofensividade, o perigo não pode ser presumido pela lei, devendo também ser objeto de prova.
Apontou-se, também, os requisitos para a configuração do crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, entre os quais está a necessidade de uma condução anormal do veículo em razão da influência de bebida alcoólica ingerida e o efetivo perigo de lesão por conta desta direção anormal, o que correspondem às duas dimensões da tipicidade material.
Finalmente, fez-se distinção entre a infração administrativa de embriaguez ao volante do artigo 165 e o crime do artigo 306, ambos do Código de Trânsito Brasileiro. No primeiro, que é decorrência do poder de polícia do Estado, é permitida a presunção de perigo. Já no segundo, não é possível esta presunção, por ser um desrespeito ao princípio da ofensividade que rege o Direito Penal.
Assim, conclui-se que o crime de embriaguez ao volante, previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, não pode ser considerado crime de perigo abstrato, pois esta classificação de delito viola o princípio da ofensividade. Deve-se, então, utilizar-se dos meios de correção apresentados, dos quais reputa-se mais adequado tratar este crime como de perigo concreto indeterminado.
REFERÊNCIAS
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Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, Delmiro Ximenes de. A interpretação do crime de embriaguez ao volante pela perspectiva do princípio da ofensividade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52545/a-interpretacao-do-crime-de-embriaguez-ao-volante-pela-perspectiva-do-principio-da-ofensividade. Acesso em: 11 dez 2024.
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