RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a discussão a respeito do aborto, na medicina o feto expulso do útero com menos de 20 semanas de gestação, impossibilitando a sobrevivência do mesmo. É cediço que a prática refutada é crime, encontrando previsão dos artigos 124 à 127 do Código Penal pátrio. Vale refutar que o referido artigo não tem o escopo a defesa do aborto ou ao momento que deve ser praticado, mas apenas engendrar uma ampla e construtiva indagação ao impacto da atual legislação na vida feminina e sua caracterização como problema de Saúde Pública. Entre suas problemáticas encontramos a dificuldade de realização do aborto seguro, ainda que permitido legalmente, nas hipóteses do artigo 128 (quando não há outro meio para salvar a vida da gestante ou é resultado de estupro), seja por falta de informação, preparo profissional, e preconceito, só evidenciando o desrespeito à vida digna, uma garantia constitucional.
Palavras-chave: Aborto; Crime; Legislação; Saúde pública; Vida digna.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 O começo da vida; 2.2 Conceito de aborto; 2.3. Espécies de aborto; 2.4 O aborto e o direito à saúde da mulher; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O tema aborto compreende vários elementos, carregando consigo grande polêmica, especialmente quando coabita o ambiente familiar, religioso, adentra a liberdade corpórea feminina, o direito a vida, e a liberdade.
O objetivo principal desse estudo é promover a apreciação do tema diante a ineficácia a qual tem demonstrado o Estado na garantia ao acesso à saúde feminina, evidenciando o desuso ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, direito primordial, embasador de todos os demais direitos constitucionais. A saúde é o estado completo do bem estar físico mental e espiritual do homem e não apenas a ausência de afecções ou doenças (LIADI, 2000, p.1170).
Esse estudo pode ser caracterizado como expositor das múltiplas formas a qual se exterioriza a dignidade, tanto ao assegurar à saúde, educação, moradia, quanto ao orgulho e dignidade inerente a todo e qualquer indivíduo na atual realidade do país. A seleção do tema se deu graças a seguinte técnica de pesquisa: “observação”, emprego dos sentidos em favor da coleta de dados e obtenção de determinados aspectos da realidade pelo exame de fatos e fenômenos.
O tema foi esmiuçado, sendo apresentadas as teorias preponderantes a elucidação do mesmo, como os tipos de aborto, suas espécies, e suas concepções doutrinárias. Com base em todo agregado, foi trabalhado o aborto voltado ao direito à saúde da mulher.
Dessa forma, o objetivo principal desse trabalho foi atingido, conseguindo brilhantemente expor a carência de meios em conservação à saúde feminina, caracterizando o máximo desrespeito à vida digna.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 O começo da vida
Diante a dificuldade de se estabelecer o sublime momento do surgimento da vida humana, filósofos e cientistas ainda não chegaram a consenso quanto a fixação do exato momento que esta se inicia.
A única certeza fidedigna é a existência de diversas correntes científicas que tentam esmiuçar o tema. Aqui, serão apresentadas as três teorias, que exprimem maior relevância ao objetivo do nosso estudo: a teoria concepcionista, teoria da personalidade condicional e teoria natalista.
A teoria concepcionista, defendida pela doutrinadora Maria Helena Diniz sustenta que o início da vida se dá com a concepção, ou com outras palavras, quando o espermatozoide penetra o óvulo, ambos se fundem e formam a primeira célula e toda concepção genética do indivíduo até sua fase adulta, in versa:
Entendemos que o início legal da personalidade jurídica é o momento da penetração do espermatozoide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher, pois os direitos da personalidade, como o direito à vida, à integridade física e à saúde, independem do nascimento com vida. Apenas os direitos patrimoniais, como o de receber doação ou herança, dependem do nascimento com vida, conforme a segunda parte do art. 2.º do Código Civil. (DINIZ, 2006, p. 222).
É uma das teses que mais possui adeptos, sendo defendida por grande número de Igrejas Católicas e Protestantes por todo o mundo, em liame a preceitos deontológicos, onde o correto é algo moralmente bom, justo, centrado na lei e no dever independente das consequências das ações.
Nessa perspectiva, o inicio da vida seria marcada pela alma, e com o recebimento da alma vem à vida, descartando toda e qualquer hipótese de aborto, surgindo um novo ser no momento do encontro do óvulo com o espermatozoide.
O Brasil é adepto a teoria concepcionista, é o que se exprime do Pacto de São José da Costa Rica e do artigo 2º do Código de Processo Civil, versando: “a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A ressalva trazida pelo código penal se refere aos direitos materiais patrimoniais, como a adoção e a herança, condicionados ao nascimento com vida.
Já no que concerne a teoria da personalidade condicional, esta começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, assim compreendida o acompanhamento de condição, termo ou encargo. Esses aspectos são de liame teleológico, ações éticas baseadas na consequência dos atos, determinando o correto a partir do bem a ser alcançado, em maximização as boas consequências da ação.
O doutrinador Flávio Tartuce ressalta a problemática da teoria da personalidade condicional do seguinte modo:
(...) o grande problema da corrente doutrinária é que ela é apegada a questões patrimoniais, não respondendo ao apelo de direitos pessoais ou da personalidade a favor do nascituro. Ressalta-se, por oportuno, que os direitos da personalidade não podem estar sujeitos a condição termo ou encargo, como propugna a corrente. Além disso, essa linha de entendimento acaba reconhecendo que o nascituro não tem direitos efetivos, mas apenas direitos eventuais sob condição suspensiva, ou seja, também mera expectativa de direitos. (TARTUCE, 2014, p. 79).
Apesar da crítica feita pelo doutrinador ora referido, a teoria encontra fortes adeptos como Arnaldo Rizzardo, Clovis Beviláqua, Serpa Lopes e Washington de Barros Monteiro.
A divergência entre a teoria da personalidade condicional e a natalista, que será tratado a seguir, é que enquanto aquela resguarda os direitos do nascituro desde seu nascimento com vida, esta nega qualquer direito ao mesmo.
Essa questão advém do fato da personalidade na teoria natalista se iniciar no nascimento com vida, nessa concepção o nascituro não seria considerado pessoa, não gozando do pleno direito. Assim, a expressão “nascer com vida”, significa operar o funcionamento cardio- respiratório do recém nascido, sendo irrelevante a presença da forma humana e seu tempo mínimo de sobrevivência.
Na tentativa de demonstrar a discrepância nos preceitos adotados pelo legislador pátrio e ao mesmo tempo em crítica a sua existência explica o professor Clóvis Bevisláqua (1975, p. 178): “o legislador civilista teria adotado a Teoria Natalista por ser mais prática, mas cedeu aos encantos da Concepcionista em inúmeros pontos do sistema que tratam do nascituro como pessoa”.
Sendo assim, é cediço aos optantes dessa teoria que a vida se inicia após o parto, só assim sendo merecedora de proteção, após a concretização do efetivo nascimento com vida.
2.2 Conceito de aborto
Apesar da tentativa de abrangência do legislador pátrio a regulamentação de matérias controvérsias, o Código Penal não definiu de forma clara o significado de aborto, encargo assumido pela doutrina.
A palavra aborto deriva do latim abortus, por sua vez originário do termo aborior. Trata-se de conceito usado para se referir ao oposto de orior (o contrário de nascer).
O aborto é a expulsão do feto do útero sem as devidas 20 semanas completas de gestação, após esse período não estaríamos diante de aborto, mas sim da hipótese de parto prematuro, conceitos que muitas vezes de forma errônea podem ser confundidos, mas que merecem total atenção de seus operadores quanto a sua distinção, ponto que não será aprofundado por não ser objetivo do presente trabalho.
Nucci (2015, p. 762) cita: “Conceito de aborto: é a cessação da gravidez, cujo início se dá com a nidação, antes do termo normal, causando a morte do feto ou embrião.”
Na mesma ideia a conceituação do tema, assevera Marques (Tratado de direito penal, v. IV, p. 183), citado por Greco (2017, p. 170): “Para o Direito Penal e do ponto de vista médico- legal, o aborto é a interrupção voluntária da gravidez com a morte do produto da concepção.”
2.3 Espécies de aborto
Não há anuência doutrinária a cerca das espécies do aborto, entretanto visando a objetividade na exteriorização do assunto, faremos menção à classificação trazida pelo Exímio professor Rogério Greco (2017, p.526) sobre o tema, definindo-os em aborto natural ou espontâneo, e em aborto provocado.
aborto natural ou espontâneo ocorre quando o próprio organismo materno se encarrega da expulsão do produto da concepção.
O aborto provocado por sua vez tem como objetivo eliminar o feto, se fazendo de assistência médica ou não. Essa provocação subdivide-se em: dolosa (com previsão no artigo 124 do Código Penal, remetendo ao autoaborto e ao aborto sem consentimento da gestante) e culposa (com previsão nos artigos 125 e 126 do Código Penal, remetendo ao aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e o aborto provocado por terceiro com o seu consentimento).
Mais a mais, fruto dos embates doutrinários acerca da questão, temos outras reconhecidas espécies: Legais (terapêutico e sentimental) e ilegais (Eugênico, social, e motivado na honra).
O aborto terapêutico é aquele praticado com o intuito de salvar a vida da mãe diante iminente risco. O sentimental é o aborto nos casos de estupro, possibilitando faculdade a mulher de não carregar em seu ventre o filho de seu agressor.
O aborto eugênico é o realizado nos casos de feto defeituoso ou até mesmo potencialmente portador de tal defeito. O aborto social o realizado por falta de recursos financeiros, é a impossibilidade de sustento. O aborto por motivo de honra é o provocado no intuito de encobrir motivos que venham a manchar a imagem da mulher perante a sociedade.
2.4 O aborto e o direito à saúde da mulher
As oposições quanto à criminalização e atipicidade do aborto no Brasil são valores que implicam análoga relevância e demandam equilíbrio, harmonia. Deve ser tratado analisando as circunstâncias de cada caso para descobrir qual dos polos detém maior relevância, demandando maior aplicabilidade ao fato.
O aborto legal ou necessário, livre de atipicidade e embasado no simples consentimento da gestante para sua validação, nem sempre é o recorrido quando oferecido em equivalência ao aborto inseguro, mais um instigante a mortalidade feminina. Mesmo que assim não fosse, a carência na efetividade da política e estruturação a aplicabilidade do aborto legal, vem demonstrando um atentado à vida e à saúde das mulheres.
Os demais casos de aborto ilícitos, que por tal fator não entram de forma direta nos anseios e cautela estatal, agravam ainda mais os notórios índices de aborto clandestino, que se assim não fosse espaçaria mais chances de ser evitado.
Se ao invés de criminaliza-lo houvesse o adentramento nas circunstâncias oriundas a decisão dessas gestantes, haveria a potencialidade de um amplo rol de aborto sem riscos, aborto englobado pelo direito à saúde.
Os países que medicalizaram o aborto tomaram como base o grande índice de mortalidade, também o fizeram baseado na laicidade estatal, possibilitando a liberdade de escolha, e não se privando a uma única visão do tema, ação que geraria o privilégio de uns sobre os outros, deixando de lado o interesse comum. A questão fundamental foi definir até que ponto não se mediria esforços a preservação da mortalidade materna e até onde vai à soberania feminina sobre seu próprio corpo.
Não há mais espaço para ignorar os fatos, a cada dia amplia-se o indispensável abrir dos olhos do atual âmbito jurídico brasileiro, no anseio a renovação de sua visão, parando de considerar de forma errônea que tudo aquilo que se proíbe não existe. Não há como negar cuidados a saúde de uma mulher que decide interromper a gravidez por seus pertinentes motivos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, portanto, que o aborto é um problema que deve ser tratado sem ignorância de sua existência e consequências, pairada nos princípios da justiça social, direitos humanos e saúde pública.
No que tange ao caráter inerente a todos os direitos fundamentais, de não serem absolutos, temos o direito à vida, fundamental por excelência e que não recebe o devido valor axiológico quando comparado aos demais direitos. Isso porque o legislador pátrio não determinou sua hierarquização, para potencialidade de uma eventual e efetiva valoração
.Destarte, evidente a necessidade de serem estudados meios que busquem a descentralização do serviço de aborto, ampliando o acesso feminino a saúde que por vezes encontra resistência nos próprios indivíduos participativos do meio, que por escusa de consciência observam o desabono de sua atuação, mesmo nas hipóteses autorizadas pela lei.
Por fim, facilitado às mulheres um efetivo acesso à saúde que possibilite o tratamento adequado as especificidades de seu caso, atrelado a efetiva amenização do preconceito e intolerância do procedimento de aborto, teremos a valoração da honra e dignidade dessas, passando a reconhecê-las como ser humano, valor axiológico supremo assente na Magna Carta de 1988.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Advogado especialista em Direito penal, processual penal, civil e previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Godoberto dos Reis Santos. Abortamento no Brasil: saúde pública e impacto feminino Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54668/abortamento-no-brasil-sade-pblica-e-impacto-feminino. Acesso em: 08 out 2024.
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