ARMANDO DE SOUZA NEGRÃO
(orientador)
RESUMO: A saúde, com os avanços na compreensão dos direitos fundamentais, em todo o mundo, passou a ser vista como tal, devendo de forma positiva por parte do Estado, ser ofertada pelo mesmo. Diante de tal ordenança, é que o constituindo originário, em 1987, elencou, em seu artigo 6º, tal prerrogativa como direito social, devendo ser assim, reconhecido, como direito de todo cidadão brasileiro, o direito a Saúde Pública e de qualidade. Contudo, diante da situação nacional em que vive o mundo atual, tem crescido de forma acelerada o número de ações para efetivação de um direito constitucionalmente estabelecido. Assim, o presente trabalho tem como função, analisar a saúde como direito fundamental e público, diante de um país que enfrenta grandes dificuldades em alcançar seus objetivos em tal âmbito, visando e analisando a situação diante do chamado jurisprudencial, princípio da reserva do possível.
Palavras-chave: direito fundamenta, saúde, reserva do possível.
ABSTRACT: Health, with advances in the understanding of fundamental rights, all over the world, has come to be seen as such, and should be offered positively by the State. In view of such an ordinance, it is that the original constituent, in 1987, listed, in its article 6, such a prerogative as a social right, and the right to public health and quality should therefore be recognized, as the right of every Brazilian citizen. However, in view of the national situation in which the current world lives, the number of actions to implement a constitutionally established right has grown rapidly. Thus, the present work has the function of analyzing health as a fundamental and public right, in the face of a country that faces great difficulties in reaching its objectives in such scope, aiming and analyzing the situation in the face of the so-called jurisprudential , principle of reserving the possible.
KEYWORD: fundamental right, health, reserve of the possible
1 INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais, como são vistos hoje em nossa sociedade brasileira, é de conhecimento de todos, que surgiu do neoconstitucionalismo que surgiu nas sociedades mundiais, logo após a Segunda Grande Guerra Mundial. Nesse sentido, surgem, como ficaram conhecidos à época, os direitos sociais, que, para sua efetivação, necessitam de uma atitude plena e direta do Estado, afim de garantir que a população possa usufruí-los.
Nesse cenário de direitos sociais, como bem elencado em nossa constituição, encontra-se o direito à saúde, no artigo 6º da mesma. Contudo, tal dispositivo é de eficácia limitada, necessitando que a mesma venha a ser efetivada pelo poder público, para que, assim, possa ser efetivada.
Todavia, como é de conhecimento de todos, os poderes públicos tendem a se manter inertes, de sobremodo que, muitas vezes, na grande maioria delas, os assistidos pelo Estado necessitam buscar auxílio no poder judiciário para que possam alcançar seus resultados. Desta maneira, utilizando-se de ações judiciais, as quais, em sua enorme maioria, tem a parte autora como vencedora, os usuários conseguem, utilizando dispositivos como as tutelas de urgência, preconizadas no Código de Processo Civil de 2015, alcançar a saúde.
Essas ações encontram apoio, tendo em vista que a saúde é direito social garantido na Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 6º da mesma, como direito social, como também, garantia de uma vida digna. Assim, os magistrados tendem a deferir os pedidos na perspectiva que o direito a vida é superior a qualquer outro, devendo ser respeitado pelo Estado.
Entretanto, também é necessário que se compreenda que, apesar de deferidas tais ações judiciais, é essencial que se analise o outro lado para que se veja a perspectiva de outra direção.
No cumprimento da decisão judicial que abriu caminho para o usuário, o Estado tem a obrigação de desembolsar o valor necessário para que se possa realizar o procedimento sobre o qual a ordem judicial faz referência. Desta forma, um dinheiro público que deveria ser aplicado em prol da coletividade, será utilizado para atendimento de somente um usuário. Por essa razão, se torna necessário que uma análise do caso concreto seja feita, para que tais situações possam ser acolhidas somente em casos extremos.
Assim, é necessário que sejam analisados que tais situações, que ensejam a judicialização dessas demandas, ocorrem pela falta de recursos financeiros dos entes federativos, pois, em análise a situação político-jurídica de nosso país, com os grandes crimes de corrupção que ocorrem diariamente, o Estado fica impossibilitado de arcar com as custas necessárias para cumprimento do estabelecido constitucionalmente, sendo, a efetivação dos direitos fundamentais.
Então, o presente artigo vem, por meio de pesquisa científica, análise de dados, baseado em uma metodologia quantitativa, procurar descobrir uma forma de auxiliar o Estado, tirando a sobrecarga do judiciário com essas ações, visando a solução razoável para o problema do acesso à saúde pública em nosso país.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E A EVOLUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
De acordo com BLENDEL (2019, p. 8):
É comum na doutrina a clássica distinção entre direitos fundamentais, direitos naturais e direitos humanos. Em termos práticos, pode-se diferenciá-los da seguinte maneira: i) quando se tratar de direitos inscritos na legislação interna de um determinado Estado Soberano, estar-se-á diante dos direitos fundamentais; ii) por sua vez, quando se referir a direitos consagrados na legislação internacional, trata-se dos direitos humanos; iii) por fim, quando os direitos não precisarem estar consagrados em nenhuma legislação, seja ela interna ou externa, deparamo-nos com os direitos naturais.
Paulo Bonavides afirma que:
[...] os direitos fundamentais em harmonia com os postulados do Estado Social e democrático de Direito pode iluminar e guiar a reflexão do jurista [...] que tem por si a base de legitimidade haurida na tábua dos princípios gravados na própria constituição (arts. 1º., 3º. e 170) que fazem irrecusavelmente inconstitucional toda inteligência restritiva da locução jurídica “direitos e garantias individuais” (art. 60, §4º., IV), a qual não pode, assim, servir de argumento nem de esteio à exclusão dos direitos sociais.
Da mesma forma, José Afonso da Silva:
Dimensão dos direitos fundamentais representada por prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melho-res condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais
Acerca do conceito de direito à saúde, afirma J. J. Gomes Canotilho:
[...] a natureza negativa, consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde; a natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas.
Desta forma, pode-se compreender que o direito à Saúde, além de estar constitucionalmente estabelecido, no artigo 6º da constituição da república como sendo direito social, também está preconizado no artigo 196 da mesma, que diz:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Mas, também, não obsta esclarecer que o direito à saúde é internacionalmente estabelecido pela Declaração Universal dos direitos humanos que dista:
Artigo 25
I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à seguranca em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
Assim, compreende-se que, diante da perspectiva do autor, o direito à saúde pode ser reconhecido como, além de um direito fundamental, também é diretamente ligado aos direitos humanos. Por essa razão, o mesmo tem de ser respeitado e analisado com todo o cuidado.
Historicamente falando, o direito à saúde está elencado na 2º Geração de direitos fundamentais, direitos esses que são taxados de sociais. Diferentemente da 1º geração, a segunda vem elencando uma série de princípios que exigem do Estado uma ação positiva, ou seja, a partir de sua consagração, o Estado passa a necessitar fazer acontecer, ou seja, um dever-ser por parte do mesmo.
Sobre o tema, a lição de Ingo Sarlet:
Diversamente dos direitos de defesa, mediante os quais se cuida de preservar e proteger determinada posição (conservação de uma situação existente), os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõem seja criada ou colocada à disposição a prestação que constituiu seu objeto, já que objetivam a realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais e imateriais.
Então, há de se compreender que, os direitos fundamentais de 2º geração são direitos que exigem uma natureza prestacional do objeto que o mesmo resguarda. Assim, desta forma, o mesmo acontece com o direito à saúde, o qual deve ser ofertado a todos os brasileiros pelo Estado.
Contudo, no Brasil, o direito à saúde somente veio a ser categoricamente reconhece, com o advento da Constituição de 1988, pois, outras constituições pretéritas, não se preocupavam com tal tema, ao ponto de efetivá-lo em seu texto. Essa situação é bem destacada por BLENDEL (2019, p. 9), quando o autor afirma que:
O direito à saúde, considerado um direito fundamental social pelo Constituinte Originário de 1988, não foi tutelado de igual maneira pelas Constituições pretéritas. Deveras, antes da Magna Carta atual era necessário contribuir para ter acesso à saúde, pois esta se confundia com a própria previdência social.
A saúde por muito tempo ficou sendo confundida no seu contexto de prestação de serviço, como sendo parte da previdência social. Por essa razão, por muito tempo, para que qualquer cidadão tivesse direito a usufruí-lo era necessário que o mesmo contribuísse para tal.
Nos dizeres de Fábio Zambitte Ibrahim:
[...] em períodos anteriores à Constituição de 1988, a proteção à saúde não configurava um direito universal, como hoje. Deveria o trabalhador contribuir para a manutenção do regime, e assim fazia em conjunto com a previdência social
Desta maneira, quando alguma pessoa precisava de atendimento, não sendo possível contribuir para que tal situação pudesse ser alcançada, a pessoa era obrigada a buscar socorro nas Santas Casas de Misericórdia para que pudesse ser atendido e ter algum auxílio para a moléstia que atormentava seu corpo.
Grande prova disto, é a constituição do Império, em 1824, quando não expressava qualquer menção do direito à Saúde, somente mencionando um auxílio, afirmando que os cidadãos tinham direito a um “socorro público”.
Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
[...]
XXI. A Constituição também garante os socorros públicos.
Dando continuidade a esse descaso social, no ano de 1981, com a nova Constituição, sendo suprimido o texto relacionado ao “socorro público”, nenhuma outra menção foi feita com relação a saúde pública ou social, ficando a população a própria mercê.
Contudo, no ano de 1934, a nova constituição trouxe os primeiros traços de mudança nessa concepção da necessidade de se cuidar da saúde da população. Prova disto era seu artigo 10, II, que trazia o seguinte texto:
Art 10. Compete concorrentemente à União e aos Estados:
[...]
II - cuidar da saúde e assistência públicas;
Desta maneira, BLENDEL (2019, p. 10) apresentou uma análise pontual sobre o assunto:
Com maestria, na Constituição de 1934, ampliou-se os direitos e garantias da população, a tal ponto de prever como competência concorrente da União e dos Estados a incumbência de iniciar o processo legislativo tratando sobre a saúde e assistência públicas. Desse modo, era dever constitucional tanto da União quanto dos Estados cuidar da saúde da população, aliás, sob o aspecto legiferante. Dada à importância da evolução desse direito em matéria constitucional [...].
Todavia, apesar da enorme alegria do cidadão em ter seu direito à saúde reconhecido em carta magna, na constituição seguinte, no ano de 1937, com o advento do Estado novo, aconteceu um retrocesso com relação à prestação do Estado no que diz respeito a concessão de saúde à população.
A Carta Magna restringiu o dever de legislar somente à união, assim, os demais entes federativos ficaram presos a vontade da União para que pudessem garantir saúde de qualidade à sua população.
Tal situação se manteve por logos anos pois, nas constituições seguintes, quais sejam, as de 1946, 1964 e 1967, a União continuou detendo o poder de legislar sobre o tema, dificultando a vida da população no que diz respeito ao acesso à saúde.
Com o fim do golpe militar, finalmente aconteceu a promulgação da Constituição de 1988. Esta constituição, que neste ano completou seus 32 anos, foi a que mais detalhou o direito à saúde, tanto que, ao elenca-la em seu rol de direitos fundamentais, também a colocou como cláusula pétrea, ou seja, não pode sofrer alterações ao ponto de mudar o sentido do texto original.
BLENDEL (2019, p. 11), afirmou que:
Ademais, a restrição do direito à saúde não pode ser alvo nem mesmo do Poder Constituinte Originário, pois, embora ele não seja vinculado às normas anteriores (não é limitado juridicamente), deverá obedecer os princípios do Bem Comum, da Moral, do Direito Natural, da Razão.
Como também, J. H. Meirelles Teixeira descreveu que:
[...] esta ausência de vinculação, note-se bem, é apenas de caráter jurídicopositivo, significando apenas que o Poder Constituinte não está ligado, em seu exercício, por normas jurídicas anteriores. Não significa, porém, e nem poderia significar, que o Poder Constituinte seja um poder arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações. Ao contrário, tanto quanto a soberania nacional, da qual é apenas expressão máxima e primeira, está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do Bem Comum, do Direito Natural, da Moral, da Razão. Todos estes grandes princípios, estas exigências ideais, que não são jurídico-positivas, devem ser respeitados pelo Poder Constituinte, para que este se exerça legitimamente. O Poder Constituinte deve acatar, aqui, 'a voz do reino dos ideais promulgados pela consciência jurídica', na bela expressão de Recaséns Siches.
Desta maneira, o direito à saúde deve ser respeito, ainda que outra constituição venha a surgir, dando garantia a população de que terão resguardados seus direitos sociais, fundamentais e, respectivamente, humanos.
A propósito, confiram-se alguns dispositivos da CF/88 dispondo sobre o direito à saúde:
Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[...]
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Por fim, com o advento da constituição Federal de 1988 surge o SUS, que nas palavras de Fernando Aith et al. afirmam que:
Denominado Sistema Único de Saúde (SUS), o sistema público de saúde brasileiro foi modelado para o atendimento de todo ser humano em território nacional, de forma não discriminatória e equitativa. Criado pela Constituição Federal de 1988, na forma de uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços públicos de saúde, o SUS é constituído por serviços da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Assim, é de extrema importância que se reconheça a importância do direito à saúde para toda a população, além de que, não se pode ser esquecido, que tal direito também é internacionalmente protegido, por inúmeros tratados, além de o Brasil ser signatários dos mesmos.
Exemplo disto, é o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que em seu artigo 12, § 1º traz a seguinte redação: “Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental”.
Por fim, é reconhecido o direito como sendo fundamental, humano e, também, cláusula pétrea dentro do ordenamento jurídico pátrio, mas, também, é necessário que se compreenda que, para que todo objetivo do Estado seja alcançado, ou seja, para que o Estado possa fazer positiva sua ação prestacional de serviços, é necessário que existam fundos financeiros suficientes para isso.
Assim, além de reconhecer o direito à saúde, torna-se necessário que se analise a situação financeira do país em que esta está sendo ofertada pelo poder público.
3 RECURSOS DO ESTADO E SUA ARRECADAÇÃO
Já foi reconhecido neste artigo, como também o é na realidade social, que é dever do Estado garantir os direitos sociais de todos os cidadãos que fazem parte de um Estado Democrático de Direito. Todavia, para que esses direitos possam ser ofertados pela pessoa de direito público, é necessário que a mesma possua receita suficiente para executar tal atividade.
Desta maneira, é necessário que se analise, no presente artigo, as formas como o ente público possa acumular e arrecadar receita e fundos para realização de suas obrigações constitucionais. Como também, analisar a possibilidades desse mesmo ente, através de suas receitas, permitir que o serviço ofertado seja bom e de qualidade para a população.
Existem duas formas de arrecadação de fundos e receita por parte da administração pública, uma através da receita originária, como por exemplo, quando o ente público, aluga um prédio que lhe pertence, sendo que, nesse tipo de contrato existem relações predominantemente privadas, mas, ainda existem resquícios de direito público.
Em contra partida, existem as receitas derivadas. Tais receitas tem sua origem nos tributos e demais formas de arrecadação dos entes públicos, afim de gerar renda e utilizando-se, do chamado, poder de império, onde o ente impõe sobre o cidadão a obrigação de contribuir. Assim, é através das receitas derivadas que o Estado arrecada sua maior receita e fundos para realização dos trabalhos voltados a garantia dos direitos.
Diante de todas essas situações, é possível o Estado arrecadar os fundos necessários para que possa satisfazer as necessidades e suas obrigações constitucionalmente estabelecidas, como por exemplo, o direito à saúde digna e pública para todos os que estão em seu território.
De acordo com BLENDEL (2019, p. 16):
De qualquer forma, embora existente as contribuições sociais, isso não impede que outras fontes sejam destinadas à consagração dos direitos sociais, mormente à saúde (vide art. 196, § 1º, da CF/88). É o que ocorre, por exemplo, com os impostos, espécie tributária na qual os doutrinadores classificam-na como não vinculada, pois a destinação de seus recursos não se destina a uma atividade estatal específica, tal como ocorre com as contribuições de melhoria. Some-se a isso o fato de que é vedada a vinculação de sua receita a órgão, fundo ou despesa (vide art. 167, inc. IV, da CF/88). Apesar disso, o próprio constituinte estabeleceu que parte da arrecadação dos impostos será destinada a área da saúde, sendo considerada, assim, uma exceção à regra de não vinculação.
Desta Forma, existem inúmeras formas de o Estado arrecadar seus fundos afim de aplica-los em setores destinados a melhoria da vida social dos cidadãos. Como também, como ficou demonstrado, essa destinação à saúde é assim, direta, pois, a própria constituição estabelece que partes desses recursos deve ser destinados a ela.
Por fim, ainda que o estado consiga arrecadar, além da maior parte ser destinada a saúde, é praticamente impossível atender a todas as demandas existentes na sociedade, para que se possa alcançar o êxito de oferecer um SUS de qualidade e que atenda as expectativas e necessidades do povo.
Segundo Harisson Leite, ainda que fossem sobrados todos os valores receitados para implementação, melhoria e prestação de saúde, ainda assim seriam insuficientes para que o Estado conseguisse arcar com todo o arcabouço de situações. O Autor ainda afirma que:
[...] é bom lembrar, por mais que se aloquem recursos em uma ou em outra área, a questão da escolha trágíca não terminará. Se hoje dobrarem-se os recursos em saúde, não significa atendimento íntegral da demanda, nem resolução de todos os problemas, posto que há problemas no déficit habitacional que exigem prioridade, há problemas infindáveis na educação e a realidade do saneamento causa espanto. Como há limitação de recursos, sempre há de contar-se com escolhas trágicas, com a plena ciência de que algumas necessidades não serão atendidas do modo pretendido.
Desta maneira, apesar de a saúde ser uma realidade necessária, não podendo ser vista de forma a ser esquecida, mas, cumprida, o Estado sofre com seus déficits e inúmeras demandas em outras áreas que exigem atenção por parte do administrador público, e, como bem mencionado pelo autor, “[...] como há limitação de recursos, sempre há de contar-se com escolhas trágicas, com a plena ciência de que algumas necessidades não serão atendidas do modo pretendido”.
Assim, diante da não efetivação desses direitos por parte do Estado, muitas pessoas buscam o judiciário afim de que sua demanda seja solucionada e para que o Estado seja obrigado a cumprir com suas obrigações no que diz respeito a prestação Estatal de saúde.
Diante desse acontecimento da judicialização da saúde, entra a cena a discussão sobre o princípio da Reserva do Possível nas ações de saúde contra a fazenda pública.
4 O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL NAS AÇÕES DE SAÚDE CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
O princípio da reserva do possível é um instrumento judicial no qual o Estado pode se agarrar, para que, diante de ações que envolvam a exigência de fazer, o mesmo utilize-se de sua receita para satisfazer a necessidade de um cidadão, como por exemplo de saúde, mas, diante deste princípio, o Estado somente poderá fazer, caso esteja dentro de seu orçamento ou que o possa fazer sem acarretar maiores transtornos aos cofres públicos.
Sobre o tema, Leny Pereira Silva afirma que:
O princípio da reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis.
Desta maneira, é necessário que seja observado que as atitudes do administrador público devem ser feitas, sendo baseada nos princípios da administração pública e da constituição federal, sendo eles, da razoabilidade e da proporcionalidade. Não podendo o mesmo, empregar toda receita pública, em uma única área, quando existem outras que também necessitam do mesmo olhar de cuidado.
Uma das maiores provas do princípio da reserva do possível, é o que diz respeito a exames e atendimentos médicos realizados fora do país. Para que tal medida seja aprovada, é necessário que se comprovem cientificamente os efeitos e os resultados da mesma e sua eficácia fora do país (AMADO, 2017, p. 73).
Na visão dos autores, o grande problema gerado atualmente é em relação a disputa do princípio da reserva do possível, em relação ao mínimo existencial. Nas palavras de BLENDEL (2019, p. 17-18):
Ao revés, no princípio do mínimo existencial encontram-se aqueles direitos mínimos que deverão ser usufruídos pela população para ter uma vida digna. É corolário, pois, do princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, pode-se citar o direito à educação, à alimentação, à saúde etc. No Brasil, há várias ações judiciais discutindo tais temas (reserva do possível versus mínimo existencial), seja porque o Poder Público não forneceu um determinado medicamento para tratar a patologia de um indivíduo, seja porque não realizou uma determinada cirurgia, entre outras problemáticas.
Desta forma, é uma grande discussão e luta que tem chegado até as vias judiciais, levando o Supremo Tribunal Federal a ter de se manifestar sobre o assunto da concessão de medicamentos pelo SUS, o mesmo afirmou que:
A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
(I) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(II) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e
(III) existência de registro na ANVISA do medicamento, observados os usos autorizados pela agência.
Desta maneira, percebe-se que, ainda que seja obrigação do Estado fornecer os medicamentos, como previsto na Constituição Federal, estando tal atividade vinculada à uma saúde digna, teve o STF de se manifestar afim de serem listados parâmetros para tal situação, pois, o Estado tem fundos limitados, não podendo ser oneroso ao mesmo todas as atividades.
Por essa razão, que na forma como o tribunal se manifestou, uma das exigências é que a pessoa seja incapacitada financeira de arcar com o curto do medicamento prescrito. Esse entendimento foi visando a situação financeira do ente federativo.
Contudo, ainda exista quem discorde da posição do STF, afirmando que a situação financeira do requerente, não pode ser mero caminho para inviabilizar o acesso à saúde. Nesse sentido, entende Pretório Excelso quando afirma que:
Cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo poder público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (art. XXV).
Vale salientar ainda, que a legitimidade passiva de tais ações tanto podem ser da União, como dos Estados, dos Municípios ou do DF, ou de todos em litisconsórcio passivo, pois, de acordo com a constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é competência comum. Desta maneira, não pode um ente falar que não tem legitimidade para a ação.
Nesse sentido, veja o julgado do STF:
Relativamente à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45 MC/DF (DJU de 29.4.2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município, considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde (RE 195192/RS, DJU de 31.3.2000 e RE 255627/RS, DJU de 23.2.2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da responsabilidade solidária no RE 566471/RN (DJE de 7.12.2007), que teve reconhecida a repercussão geral e no qual se discute a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na Corte a Proposta de Súmula Vinculante 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art. 23, II), a Lei federal 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se, assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento não configuraria grave lesão à ordem pública.
Por fim, desta forma, não há que se discutir o dever do Estado em garantir saúde de qualidade à população em território nacional, como também, de esquivar-se de sua responsabilidade de fornecer medicamentos e outros produtos necessários para que a população possa viver de forma digna.
Todavia, não pode ser esquecido que as receitas dos entes federativos são taxativas, existindo inúmeras outras condições necessárias para assegurar o mínimo existencial as populações, como moradia, educação, lazer, entre tantos outros direitos sociais.
Desta forma, qualquer ação que demande prestação do Estado, deve ser analisada de forma única, ou seja, no caso concreto, para que a coletividade, tendo os recursos dos cofres públicos vindo a sofrer diminuição financeira com a prestação a um único indivíduo, venha a ser prejudicada.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A saúde é um direito de todo cidadão brasileiro e de todo aquele que se encontre em território nacional, não podendo seus agentes agirem com discriminação ou discricionariedade para qualquer um que venha a precisar de cuidados do sistema público de Saúde.
Dessa forma, para que assim ficasse estabelecido, na constituição Federal de 1988, o direito a saúde ficou elencado como direito social, ganhando, a partir do artigo 196, do mesmo dispositivo, um rol para tratar de sua importância e de como as autoridades públicas deveria agir em sua prestação. Sendo, ainda, considerado tão importante, que, sua efetivação, como por exemplo com leis, foi considerada competência comum entre os entes federativos.
Assim, fica esclarecido que sem saúde, nenhuma pessoa consegue viver de forma digna em sociedade, vindo a sofrer com as mazelas desse mundo. Ainda por cima, sem saúde de qualidade e pública, as pessoas tendem a perecer, pois, muitas, não possuem condições de custear tais cuidados médicos, como por exemplo, a compra de remédios.
Todavia, é necessário que isso seja analisado de uma forma como um todo, não adianta se falar em saúde de qualidade quando os cofres públicos sofrem demasiadamente. Ou seja, os entes federativos sofrem com a escassez de recursos que possam ser investidos em saúde, educação, lazer.
Dessa forma, como um cidadão, individualmente, ingressa com uma ação procurando auxílio médico, para um exame que custe milhares de reais, a coletividade, em contra partida, caso tal demanda enseje causa ganha ao autor, vai sofrer pois, com a escassez já existente e a diminuição ainda maior da receita estatal.
Dessa forma, diante do caso concreto, é necessário que analise a situação como um todo. Não se fala aqui em negar saúde de qualidade ou qualquer assistência necessária. Mas, em uma análise maior dos casos para que, futuramente, a coletividade não venha a sofrer com a falta de recursos, pois, dia após dia, aumentam essas demandas no judiciário, furando os cofres públicos.
6 REFERÊNCIAS
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, JOELMA PINTO DE. A reserva do possível nas ações de saúde contra a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2020, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55499/a-reserva-do-possvel-nas-aes-de-sade-contra-a-fazenda-pblica. Acesso em: 11 dez 2024.
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