Resumo: O presente artigo trata da controvérsia jurídica existente quanto à aplicabilidade da Teoria das Nulidades ao ramo do Direito Administrativo, em especial, aos contratos administrativos, regidos atual e principalmente pela Lei Federal nº 8.666/1993. Ainda, traz à baila o tratamento normativo concebido pelo Congresso Nacional para a Nova Lei de Licitações, segundo o Projeto de Lei nº 4.253/2020, recentemente aprovado por ambas as suas Casas.
Palavras-chave: Teoria das Nulidades. Contratos administrativos. Nova Lei de Licitações. Proporcionalidade.
Sumário: Introdução. 1. A Teoria das Nulidades e o Direito Administrativo. 2. As nulidades nos contratos administrativos e o tratamento concebido para a Nova Lei de Licitações. 3. Considerações finais. Referências bibliográficas.
A questão atinente à nulidade dos atos jurídicos é objeto de estudo pela Ciência do Direito já há bastante tempo, sendo usualmente considerada como espécie típica de sanção derivada da inobservância de normas jurídicas por autoridade ou sujeito às quais se encontre vinculado[1].
Nesse sentido, ao menos desde o desenvolvimento das teorias positivistas do século XIX, é reconhecidamente aceita como verdadeira a proposição de que, sob um olhar eminentemente sistemático, a legitimidade dos atos jurídicos inferiores de um ordenamento depende de sua perfeita adequação ao que informam aqueles outros atos considerados superiores[2].
Por outro lado, a significação jurídica da contrariedade verificada entre atos de diferentes escalões é alvo de relevantes debates nos mais diversos campos do Direito, tendo se originado no Direito Privado o que se convencionou chamar de Teoria das Nulidades, que tem hoje, ainda, alguma dificuldade de conformação com as nuances próprias do Direito Administrativo.
Com efeito, a incidência da legalidade, como norma basilar orientadora da atuação pública, e o comum acolhimento, no campo do Direito Administrativo, da ideia de que o ato nulo não produz efeitos – em consonância com o brocardo latino quod nullum est, nullum producit effectum – frequentemente conduzem o intérprete a uma compreensão excessivamente formalista a respeito do tema, funcionando, em certas ocasiões, como dogmas desvinculados dos fins efetivamente perseguidos pelo Estado.
Ocorre que, sob o ponto de vista prático, esse entendimento, embora incorporado ao artigo 59, da Lei Federal nº 8.666/1993[3], é repetidamente colocado em xeque em situações reais examinadas pelo gestor público, especialmente quando o ato inquinado corresponde a um contrato administrativo. Isso porque, em não raras vezes, a constatação da existência de um vício jurídico se dá apenas em um segundo momento, quando o concerto já produziu, ao menos em parte, os seus efeitos, inclusive prestacionais e financeiros, e a sua extirpação do mundo jurídico pode ter o condão de gerar importantes prejuízos ao interesse público.
Ademais, verifica-se que, sob a égide da Lei Federal nº 8.666/1993, os cientistas do Direito não foram capazes de conceber fórmulas jurídicas que pudessem ser abraçadas com segurança pelo gestor ao apreciar acertos contratuais defeituosos[4], o que, na realidade, apenas deixa transparecer a dificuldade e, principalmente, os riscos ínsitos à tomada de decisão, mormente pela possibilidade de algum órgão de controle vir a apresentar apontamentos que destoem da deliberação administrativa.
Diante desse cenário marcado por embaraços práticos e teóricos, o presente trabalho propõe-se a expor a divergência doutrinária a respeito do ajustamento da Teoria das Nulidades ao Direito Administrativo e, em especial, aos contratos administrativos. Ainda, pretende-se tratar dos aspectos gerais da normativa que, pertinente ao tema, foi concebida para a Nova Lei de Licitações, cuja vigência depende, sob ótica do processo legislativo, apenas da sanção presidencial e da subsequente promulgação do seu texto de lei[5].
Se, desenvolvida pelo Direito Privado, a Teoria das Nulidades ainda causa celeumas nesse âmbito jurídico, a sua transposição para o Direito Administrativo é objeto de ainda maiores discussões, mormente no que concerne à eficácia dos atos jurídicos contrários à ordem normativa em vigor.
Preliminarmente, contudo, ao exame dessas questões, impende que se tragam à baila algumas noções relativas aos diferentes planos do fenômeno jurídico, mais precisamente, aos planos da existência (ou da perfeição), da validade e da eficácia, com vistas a tornar possível uma adequada compreensão do tema.
Em rigor, pode-se afirmar que o plano da existência (ou da perfeição) diz respeito ao campo em que se situam aqueles fatos considerados jurídicos, ou seja, na linha do que expõe Caio Mário, a partir da concepção de Savigny, aqueles acontecimentos que são relevantes e, portanto, existem para o Direito, criando, modificando ou extinguindo relações jurídicas[6].
Adotando-se a proposta de sistematização de Marcos Bernardes de Mello[7], os fatos jurídicos classificam-se em fatos jurídicos ilícitos e lícitos, a depender de sua conformidade com a ordem jurídica. Estes, por sua vez, podem consistir em fatos jurídicos stricto sensu, correspondentes àqueles derivados da natureza, em atos-fatos jurídicos, decorrentes de comportamentos humanos que, para adquirirem relevância jurídica, não dependem da existência de uma vontade particular emanada por um agente, e em atos jurídicos lato sensu, consistentes naqueles provenientes de uma ação humana vocacionada para um dado fim. A seu turno, os atos jurídicos lato sensu são subdivisíveis em atos jurídicos stricto sensu, relativos a uma atuação humana dirigida à produção de certos efeitos já antevistos pela ordem pública, e em negócios jurídicos, que se referem àqueles atos jurídicos provenientes de um comportamento humano cujos efeitos derivam da conjugação da vontade da lei e da vontade do agente[8].
Já o plano da validade tem relação de pertinência exclusivamente com certos fatos jurídicos, mais propriamente com os atos jurídicos lato sensu, que, como se disse, alcançam os atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos, pressupondo, assim, a sua prévia qualificação como fatos jurídicos. Trata-se, pois, de plano que exige que se ultrapasse, preliminarmente, o da existência. Valendo-se das palavras de Fredie Didier Jr., “o ato jurídico inválido existe. Ato inexistente não tem defeito”[9]. No entanto, impõe-se, também, a sua perpetração em sintonia com as prescrições do ordenamento posto, sob o risco de não se alcançar esse segundo plano[10].
Insta salientar, neste ponto, a distinção entre defeito e nulidade, ou seja, entre vício e sanção jurídica. Se, por um lado, todo ato inválido se mostra defeituoso, a constatação de certo vício jurídico não demanda, ao menos não necessariamente, a nulificação do ato inquinado. O Direito tem fartos exemplos dessa realidade em seus mais diferentes ramos, lhe cabendo estabelecer as balizas para a invalidação de atos jurídicos que se apresentem defeituosos.
Finalmente, o plano da eficácia corresponde ao âmbito da produção dos efeitos típicos do ato[11] e requer, igualmente, que se transponha a barreira atinente ao plano de existência. Entretanto, é preciso reconhecer que não detém a mesma relação de dependência com o plano da validade, tendo em vista ser possível que atos jurídicos válidos sejam ineficazes, assim como o inverso, que atos inválidos produzam consequências relevantes no mundo jurídico.
Nessa medida, deve ser rechaçado como verdade absoluta o entendimento, aplicado, ainda hoje, com certa automaticidade ao Direito Administrativo, de que o ato inválido não produz efeitos, bem como qualquer concepção de ato inválido a partir da sua eficácia. De fato, “o ato inválido existe – portanto pode produzir efeitos. Não é correto dizer que toda hipótese de nulidade implica a impossibilidade de o ato produzir efeito”[12].
Talvez o exemplo mais claro a corroborar essa compreensão diga respeito à previsão legal constante do artigo 27, da Lei Federal nº 9.868/1999, que permite ao Supremo Tribunal Federal, ao declarar a institucionalidade de ato normativo, “restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”[13].
Essas noções gerais podem ser entendidas como próprias da dogmática jurídica, tendo pertinência com qualquer campo do Direito em que se discutam questões concernentes à invalidade de atos jurídicos, devendo ser consideradas quando da formulação de uma Teoria das Nulidades, bem como de sua eventual aplicação a ramos jurídicos examinados de maneira individualizada.
Partindo, pois, dessas ideias preliminares, verifica-se que, no âmbito do Direito Privado, em que se desenvolveu a Teoria das Nulidades, adotou-se um modelo dicotômico para tratar das invalidades dos atos jurídicos existentes, diferenciando-se as nulidades das chamadas anulabilidades.
Em termos gerais, costuma-se suscitar que a nulidade, cujas causas principais figuram atualmente no artigo 166, do Código Civil[14], diria respeito a invalidades mais graves, violadoras de preceitos de ordem pública, que não poderiam ser superadas ou convalidadas pela vontade das partes. A seu turno, a anulabilidade existiria em situações em que a contrariedade ao ordenamento jurídico fosse mais leve (v. artigo 171, do CC[15]) e, não havendo interesses públicos envolvidos, caberia ao interessado requerer a sua declaração, sendo possível o seu aproveitamento[16].
Há quem critique essa intelecção, como Celso Antônio Bandeira de Mello, que pondera não existirem graus de invalidades, mas, sim, distintos graus de repulsa pelo Direito:
Não há graus na invalidade. Ato algum em Direito é mais inválido do que outro. Todavia, pode haver e há reações do Direito mais ou menos radicais ante as várias hipóteses de invalidade. Ou seja: a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma gradação no repúdio a eles[17].
De todo modo, o ajustamento da dicotomia trazida pela Teoria das Nulidades ao campo do Direito Administrativo suscita importantes questionamentos, havendo diferentes posicionamentos doutrinários acerca da questão[18].
Uma primeira corrente, de cunho monista, defende a inaplicabilidade ao Direito Administrativo da dicotomia enunciada pela Teoria das Nulidades, sob o argumento de que, nessa seara, as normas eventualmente violadas seriam sempre de ordem pública e os interesses envolvidos seriam, igualmente, públicos[19]. Assim, o ato administrativo seria inexoravelmente nulo ou válido, não havendo de se falar da existência de atos anuláveis.
Compartilham dessa orientação Hely Lopes Meirelles, Diógenes Gasparini e outros importantes autores, cujas razões podem ser assim sintetizadas, valendo-se das palavras do primeiro:
Ato nulo é o que nasce afetado de vício insanável por ausência ou defeito substancial em seus elementos constitutivos ou no procedimento formativo (...). Em qualquer um destes casos, porém, o ato é ilegítimo ou ilegal e não produz qualquer efeito válido entre as partes, pela evidente razão de que não se pode adquirir direitos contra a lei (...).
A Lei federal 9.784/99 admite a convalidação do ato administrativo (...). Essa norma, ao exigir a preservação do interesse público para a convalidação, leva-nos a rever a posição adotada em edições anteriores sobre a convalidação. Todavia, continuamos a não aceitar o chamado ato administrativo anulável no âmbito do Direito Administrativo, justamente pela impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre o público e não ser admissível a manutenção de atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência da legalidade administrativa[20].
Já a corrente contrária, perfilhada por Celso Antônio Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho e Seabra Fagundes, dentre outros doutrinadores de renome, reconhece gradações quanto à repulsa jurídica da contrariedade à lei e, sob esse olhar, a existência de atos nulos e de atos anuláveis, embora em um sentido diferente daquele enunciado para o âmbito do Direito Privado, tendo em vista a impossibilidade de se conferir natureza privada aos interesses geridos pela Administração.
Nesse diapasão, Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem seria possível o enquadramento dos atos inválidos em diferentes categorias, afirma existirem atos administrativos nulos e anuláveis, além dos inexistentes e daqueles tidos como meramente irregulares[21]:
Compartilhamos a doutrina que sustenta haver no Direito Administrativo brasileiro tratamentos díspares conforme o tipo de ilegitimidade. Daí a conveniência de se utilizar a expressão designativa do gênero e outras para referir às espécies. Por isso valemo-nos do termo “invalidade” para abranger quaisquer casos de desconformidade com o Direito.
(...)
Quanto a nós, sem negar as premissas de ambas as correntes, discordamos das conclusões. Aceitamos que há atos nulos e anuláveis, acompanhando nisto a Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, cujas lições, aliás, permeiam visivelmente todo o exame a que se procedeu dos atos administrativos.
Entretanto, parece-nos que há, além deles, uma categoria de atos viciados cuja gravidade é de tal ordem que, ao contrário dos atos nulos ou anuláveis, jamais prescrevem e jamais podem ser objeto de “conversão”.
Além disso, existe direito de resistência contra eles. São os que denominaremos com a expressão rebarbativa (reconheça-se) de “atos inexistentes”.
(...)
Assim, em nosso entender, são categorizáveis como inválidos (a) os atos inexistentes, (b) os atos nulos e (c) os atos anuláveis.
Registramos, ainda, que parece-nos existirem também – embora não como atos inválidos – os assim chamados atos “irregulares”. Estes não são atos inválidos e a eles nos referiremos em seguida, antes mesmo de examinarmos as espécies “inexistentes”, nulos e anuláveis[22].
Segundo essa orientação, os atos administrativos nulos corresponderiam àqueles impassíveis de convalidação, haja vista a gravidade do defeito subjacente, enquanto os atos considerados anuláveis, marcados por ilegalidades menos relevantes, poderiam ser aproveitados mediante a superação do vício jurídico[23].
Já no que diz respeito ao campo da eficácia, percebe-se ser comum a afirmação de que a decretação da invalidade enseja, como consequência natural, o desfazimento dos efeitos do ato inquinado[24], retornando as partes ao status quo ante, como se o ato jamais tivesse sido praticado.
A consolidação dessa compreensão é antiga, sendo, contudo, atual, vigente e frequentemente aplicada a orientação de que “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos” (v. Súmula nº 473, do STF[25]).
Não obstante, verificam-se vozes que impõem ponderações a esse posicionamento, relativizando, em certos casos, o entendimento de que o ato nulo não produziria quaisquer efeitos. A título ilustrativo, o emérito professor Celso Antônio Bandeira de Mello diferencia, quanto à eficácia, os atos inválidos restritivos dos ampliativos de direitos dos administrados, em nome da segurança jurídica e da boa-fé dos particulares:
Aliás, cumpre aqui discutir os efeitos da invalidação, buscando-se saber se ela sempre, ou nem sempre, tem efeitos ex tunc e o que determina se seus efeitos serão desta espécie ou se e quando serão ex nunc.
Reformulando o entendimento que sempre adotamos na matéria, pensamos hoje que o assunto só se resolve adequadamente tomando-se em conta a fundamentalíssima distinção – e que cada vez nos parece mais importante para uma teoria do ato administrativos – entre atos restritivos e atos ampliativos da esfera jurídica dos administrados (...).
Na conformidade desta perspectiva, parece-nos que efetivamente nos atos unilaterais restritivos da esfera jurídica dos administrados, se eram inválidos, todas as razões concorrem para que sua fulminação produza efeito ex tunc, exonerando por inteiro quem fora indevidamente agravado pelo Poder Público das consequências onerosas. Pelo contrário, nos atos unilaterais ampliativos da esfera jurídica do administrado, se este não concorreu para o vício do ato, estando de boa-fé, sua fulminação só deve produzir efeitos ex nunc, ou seja, depois de promulgada.
Com efeito, se os atos em questão foram obra do Poder Público, se estavam, pois, investidos da presunção de veracidade e legitimidade que acompanha os atos administrativos, é natural que o administrado de boa-fé (até por não poder se substituir à Administração na qualidade de guardião da lisura jurídica dos atos por aquela praticados) tenha agido na conformidade deles, desfrutando do que resultava de tais atos. Não há como duvidar que, por terem sido invalidamente praticados, a Administração – com ressalva de eventuais barreiras à invalidação, dantes mencionadas (n. 166) – deva fulminá-los, impedindo que continuem a desencadear efeitos; mas também é certo que não há razão prestante para desconstituir o que se produziu sob o beneplácito do próprio Poder Público e que o administrado tinha o direito de supor que o habilitava regularmente[26].
Por fim, insta perceber o surgimento de um novo posicionamento, impulsionado pelo denominado neoconstitucionalismo, que, oriundo do segundo pós-guerra e da percepção da necessidade de readequação das ordens jurídicas[27], passou a propugnar a incorporação de valores substantivos às Constituições ao redor do mundo e a ressignificação do papel dos princípios, enquanto normas jurídicas a que, ao lado das regras, também se deveria conferir normatividade[28].
A partir dessa novel concepção, a legalidade precisaria ser entendida como uma norma de estatura jurídica superior que conviveria harmonicamente com outros interesses constitucionais, mas que, por vezes, poderia se envolver em conflitos pontuais em que tivesse, eventualmente, que ceder espaço a outros valores relevantes na situação concreta[29].
Um desses intérpretes seria justamente o gestor público, que, quando da tomada de decisão, não poderia ater-se apenas à letra fria da legislação, devendo conceder atenção a toda ordem jurídica, em especial, aos demais princípios constantes da Constituição. Daí a substituição ventilada pela doutrina da vinculação do administrador à legalidade pela vinculação à juridicidade[30].
Sob essa perspectiva, não seria facultado ao gestor o exame do defeito de um ato administrativo apenas sob a ótica da legalidade, proclamando-se a sua nulidade mediante uma simples apreciação da sua perfeita aderência às normas legais pertinentes. Diferentemente, deveria proceder a uma avaliação mais ampla, à luz de todo o Texto Constitucional, o que poderia, diante das peculiaridades verificadas, recomendar a tolerância da ilegalidade, impedindo, assim, a invalidação do ato ou o desfazimento de seus efeitos típicos[31].
De fato, a controvérsia está longe de estar devidamente equacionada. Em que pese se deva admitir que a violação a normas legais torna defeituoso o ato administrativo, a decretação de sua invalidade e questões relativas à sua eficácia atormentam, ainda, a doutrina jurídica e, em especial, o administrador público, responsável, em última instância, pela gestão da coisa pública e dos interesses públicos concretamente considerados.
No âmbito do direito administrativo contratual, percebe-se que a questão ganha contornos ainda mais complexos, haja vista a previsão legal de que “a declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos”, constante do artigo 59, da Lei Federal nº 8.666/1993.
Note-se que a disposição em comento não se imiscui na controvérsia atinente à aplicabilidade da Teoria das Nulidades à seara do Direito Administrativo, mas se adstringe a consignar que, ao ser proclamada a invalidade de um concerto, a decisão nulificadora deve auferir eficácia ex tunc, descontruindo, inclusive, os efeitos que já tenham sido produzidos.
Em verdade, o comando em tela não informa quais as situações ou os defeitos na formação dos vínculos administrativos que devem conduzir o aplicador do Direito à invalidação do ajuste. Talvez seja até possível considerar que um conluio entre o gestor público e o vencedor de um certame licitatório tenda a ensejar a nulificação da pactuação. Ainda, é possível que eventual ratificação exigida de autoridade superior (v. g., para a legitimação das contratações diretas[32]) que tenha sido aposta um dia após o prazo previsto na legislação seja identificada como um vício sem aptidão para gerar a extinção prematura do contrato.
Ocorre que, entre o céu e a terra, há uma infindável gama de defeitos que podem ser constatados no contrato ou na licitação que o tenha antecedido, cabendo ressaltar, nos termos do artigo 49, § 2º, da Lei Federal nº 8.666/1993, que “a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato”[33]. Afinal, a existência de inconsistências no projeto básico tem a aptidão de acarretar a invalidação da avença? Se sim, de qualquer inconsistência? E a falta de parecer jurídico aprovando as minutas do edital da licitação e do termo contratual, tal como exigido pelo artigo 38, parágrafo único, também da Lei Geral de Licitações[34]? A ausência de observância de normas de cunho financeiro-orçamentário significa o necessário rompimento do ajuste?
A seu turno, caso haja uma decisão no sentido da invalidação de certo contrato administrativo, é cogente que os seus efeitos jurídicos, inclusive pretéritos, sejam todos combalidos, resguardando-se apenas um direito indenizatório conferido ao contratado, desde que não lhe seja imputável o vício, como apregoa o artigo 59, parágrafo único, da Lei Geral de Licitações? Ainda, quando seria possível afirmar ser imputável o vício ao contratado e, não sendo esse o caso, o que estaria acobertado pela indenização? Poderia esta ter expressão equivalente à remuneração prevista no ajuste ou deveria adstringir-se apenas a certos danos devidamente comprovados?
Com efeito, parece ser bastante claro que a Lei Federal nº 8.666/1993 não fornece parâmetros suficientes para responder de maneira adequada a esses questionamentos. Por sua vez, a doutrina e a jurisprudência, embora delas se possam extrair compreensões razoáveis, mais corroboram as incertezas interpretativas existentes do que concedem critérios seguros à deliberação do gestor, haja vista a notória disparidade de manifestações doutrinárias[35] e judiciais, inclusive no âmbito do STJ[36].
Não há como negar que a Lei Federal nº 13.665/2018, que acrescentou os artigos 20 a 30 à Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, trouxe elementos importantes ao tratamento de algumas das questões expostas, mormente em razão do conteúdo do seu novo artigo 21[37].
A partir do que preconiza o dispositivo, o gestor passou a ter o dever expresso de indicar as consequências jurídicas e administrativas da invalidação do contrato administrativo. Ainda, impôs-se a explicitação das condições necessárias à sua regularização, desde que sejam proporcionais e não causem prejuízo aos interesses gerais ou perdas ou ônus anormais ou excessivos aos sujeitos atingidos.
As dúvidas, porém, não deixaram de existir. Exige o caput do referido artigo 21 a simples apresentação, quando da motivação do ato, dos efeitos provenientes da sua invalidação ou, consoante sustenta José Vicente Santos de Mendonça, “o julgador não poderá invalidar o ato, negócio ou norma administrativa quando, disso, decorrerem estados jurídicos ou administrativos inconstitucionais e/ou inexequíveis”[38]? Na mesma linha, ao dispor o seu parágrafo único que o agente deve, “quando for o caso”, indicar as condições para a regularização do ato, não se esclarecem quais os casos ou os limites para que essa regularização possa (ou deva) ocorrer.
Conforme já nos manifestamos anteriormente[39], entendemos a proporcionalidade como uma norma constitucional implícita que condiciona indistintamente todos os agentes públicos e que lhes inflige a obrigação de considerar o contexto fático-jurídico quando da resolução dos problemas concretos, mormente quando valores igualmente tutelados pelo ordenamento se apresentem contrapostos.
Não nos parece aceitável, pois, que a legalidade seja vista como um preceito normativo que imponha de forma apriorística e indeclinável o desfazimento de todo ato administrativo que não se mostre perfeitamente aderente às disposições legais. Ao gestor deve ser reconhecido um poder-dever de ponderação dos elementos fático-jurídicos envolvidos, conferindo-lhe a possibilidade não apenas de regularizar, quando viável, o contrato administrativo, mas, quando não o for, de tolerar, à luz da situação concreta, a subsistência do concerto ilegal ou, ao menos, de seus efeitos, total ou parcialmente, conforme o caso[40].
Longe de ser uma novidade no campo jurídico, essa intelecção encontra perfeito amparo nas lições de Flávio Amaral Garcia, que defende a necessidade de harmonização da legalidade administrativa com os diferentes valores acolhidos pelo Texto Constitucional e, por conseguinte, a inexistência de um dever de invalidação cega de atos administrativos defeituosos:
A rigidez do princípio da legalidade deve ser harmonizar com a estabilidade das relações jurídicas, com a boa-fé de terceiros e outros valores indispensáveis à consecução de um Estado Democrático de Direito.
De qualquer modo, no desfazimento dos atos administrativos devem ser respeitados os direitos adquiridos. Trata-se de mais um reconhecimento do primado do princípio da segurança jurídica. Daí se entender que a Administração tem a faculdade e não o dever de anular os atos ilegais[41].
Imagine-se, a título exemplificativo, um contrato administrativo de prestação de atividades de natureza contínua que, relevante à execução dos serviços de saúde de certo município, tenha sido firmado sem licitação, muito embora a legislação não concedesse suporte normativo à contratação direta. Seria possível afirmar que a nulidade da avença deva invariavelmente ser pronunciada tão logo descoberta a ilegalidade, assim como determinada a imediata paralisação da atividade desempenhada pelo particular, independentemente das implicações concretas sobre a prestação do serviço público?
Malgrado seja preciso proceder a uma minuciosa apreciação do cenário fático-normativo subjacente à hipótese concreta, sustentar a imperiosa decretação da invalidade e, como aparentemente recomenda o artigo 59, da Lei Federal nº 8.666/1993, a necessária extirpação de todos os efeitos emanados e emanáveis do contrato significaria consentir com a possibilidade de ser ignorada, no exemplo dado, a relevância do direito fundamental a saúde, o que não parece se coadunar com o Texto Constitucional.
Atento ao problema, que alcança potencialmente qualquer pactuação administrativa, o Congresso Nacional entendeu por bem inserir no projeto relativo à Nova Lei de Licitações, já aprovado por ambas as suas Casas, uma nova sistemática jurídica que, dirigida principalmente ao gestor público, autoriza que sejam corrigidos defeitos porventura existentes em ajustes administrativos, com vistas à sua conservação. Ainda, estabelece que, caso não seja viável o saneamento do concerto, a deliberação acerca de sua eventual nulificação deva considerar, em conjunto com a ilegalidade verificada, os aspectos direta e indiretamente decorrentes do vínculo contratual:
Art. 146. Constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou anulação do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos:
I - impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
II - riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
III - motivação social e ambiental do contrato;
IV - custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
V - despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados;
VI - despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades;
VII - medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados;
VIII - custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas;
IX - fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação;
X - custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato;
XI - custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.
Parágrafo único. Caso a paralisação ou anulação não se revele medida de interesse público, o poder público deverá optar pela continuidade do contrato e pela solução da irregularidade por meio de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis[42].
Desde logo, impende salientar que o Parlamento aparenta ter rechaçado a compreensão de que as invalidades no ramo do Direito Administrativo atenderiam a uma lógica binária, de que o ato praticado nessa seara seria inexoravelmente nulo ou válido, sem que se pudesse falar da existência de atos anuláveis. Assim, admitiu, de um lado, a possibilidade de regularização de acertos administrativos viciados e, de outro, a necessidade de impedir que construções jurídicas apriorísticas e desvinculadas do contexto fático-jurídico concreto pudessem embasar de forma suficiente a pronúncia de uma nulidade contratual[43].
Não obstante, verifica-se que o regramento estabelecido não conferiu ao gestor uma verdadeira faculdade jurídica, na medida em que, como é sabido, o agente público não detém liberdade para agir como bem entender. Conforme explicita o parágrafo único acima transcrito, à Administração Pública cumpre dar continuidade à pactuação se, em um juízo de discricionariedade[44], restar verificado ser essa a medida que satisfaz mais adequadamente o interesse público.
Vale pontuar que, em nossa visão, o âmbito de eficácia das prescrições em comento não deve se circunscrever aos contratos firmados pela Administração Pública, mas se estender a qualquer ato administrativo que não esteja inteiramente legitimado sob a estrita ótica da legalidade. Não somente por imperativo constitucional derivado da proporcionalidade, mas, a partir da promulgação do projeto aprovado, por coerência sistêmica, a decretação da nulidade de atos ou ajustes em geral firmados pelo Poder Público deve perpassar por um juízo valorativo amplo à luz do caso concreto.
Já no que diz respeito aos efeitos da decisão nulificadora, andou bem o Congresso Nacional ao reconhecer que a eficácia de um ato administrativo não exige a sua validade, muito embora tenha sido mantido, ao mesmo como regra geral, que a nulificação de um contrato administrativo deve gerar efeitos ex tunc:
Art. 147. A declaração de nulidade do contrato administrativo requererá análise prévia do interesse público envolvido, na forma do art. 146 desta Lei, e operará retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que deveria produzir ordinariamente e desconstituindo os já produzidos.
§ 1º. Caso não seja possível o retorno à situação fática anterior, a nulidade será resolvida pela indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e aplicação das penalidades cabíveis.
§ 2º. Ao declarar a nulidade do contrato, a autoridade, com vistas à continuidade da atividade administrativa, poderá decidir que ela só tenha eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez[45].
De fato, é importante ressaltar a autorização concebida para que gestor, mesmo reconhecendo a existência de um vício e, ainda, a invalidade do ajuste, mantenha temporariamente hígidos os seus efeitos, inclusive no período posterior à pronúncia da nulidade. Isso porque é certo que a expedita paralisação da atividade contratada pode, em alguns casos, acarretar prejuízos graves ao interesse público e, sobretudo, superiores àqueles derivados da subsistência provisória da eficácia do concerto.
Na realidade, a essência da disposição referida, assim como a sua literalidade, se aproxima em grande medida da previsão legal que permite ao Supremo Tribunal Federal que confira eficácia diferida às declarações de inconstitucionalidade, o que não causa, em verdade, qualquer estranhamento. Afinal, se a proporcionalidade consiste, como sustentado, em uma norma que condiciona todos os agentes públicos de todos os Poderes de Estado, não há razão para se criarem instrumentos normativos destinados à sua concretização apenas ao Poder Judiciário.
Talvez, o que haja para se lamentar seja apenas o lapso temporal de mais de vinte anos desde a publicação da Lei Federal nº 9.868/1999 sem a edição de uma legislação similar dirigida, ao menos principalmente, àquele a quem compete de forma precípua a gestão concreta da coisa pública.
Não há dúvidas de que o cenário jurídico atualmente em vigor impõe relevantes incertezas ao exercício das funções desempenhadas pelos gestores públicos. Não só pela sempre vigilante atuação dos órgãos de controle, mas, também, pelas comuns discussões jurídicas que invadem toda a sorte de temas, a administração dos interesses públicos vem se tornando, cada vez mais, uma atividade arriscada, mormente sob a ótica pessoal do gestor.
No caso dos contratos administrativos defeituosos, essa realidade não é diferente. Ao contrário, ela é potencializada pelo volume de recursos públicos envolvidos e, ainda, pela ausência de clareza da legislação a respeito dos contornos e limites aplicáveis à correspondente atividade nulificadora, combinada com a inconveniente pluralidade de entendimentos existentes na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais.
Note-se que, preliminarmente, cabe ao gestor identificar a ilegalidade, malgrado, muitas vezes, até mesmo a sua caracterização esteja sujeita a controvérsias. Após, exige-se deliberação sobre a invalidação da avença e, se desconstituído o concerto e concedida à decisão a eficácia indicada pelo artigo 59, caput, da Lei Federal nº 8.666/1993, emergem novas dúvidas acerca dos limites legais do reconhecimento dos direitos atribuídos ao contratado, sem poder ser olvidada a necessária análise fática a ser realizada.
Pode-se contra-argumentar que a LINDB, mediante o seu artigo 22[46], conferiu ao gestor a garantia de ponderação pelos órgãos de controle das dificuldades reais, inclusive jurídicas, inerentes à tomada da decisão. No entanto, além de ser obscuro o resultado prático desse sopesamento, as incertezas quanto à decisão mais acertada se mantêm intocadas, assim como a insegurança imanente ao regular desempenho da função administrativa e, em última análise, à persecução dos interesses públicos.
Com efeito, cumpre ao Parlamento aperfeiçoar a legislação e estabelecer com maior precisão os poderes e os elementos que devam ser levados em consideração pelo gestor no exercício da atividade deliberativa em questão. Nessa medida, merece encômios a inovação normativa pretendida pelo Projeto de Lei nº 4.253/2020, muito embora tenham permanecido incólumes outros debates jurídicos existentes.
ABBUD, Wassila Caleiro; FEITOSA, Rogério Augusto Boger. O primado da realidade em tempos de COVID-19 e a dispensa de licitação na lei n.º 13.979/2020, p. 539-550, in POZZO, Augusto Dal & CAMMAROSANO, Márcio (organizadores). As implicações da Covid-19 no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
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[1] Nesse toar, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe que “os atos administrativos praticados em desconformidade com as prescrições jurídicas são inválidos. A noção de invalidade é antitética à de conformidade com o Direito” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 84, de 2.12.2004. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 473).
[2] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8ª. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019, p. 232.
[3] Artigo 59, da Lei Federal nº 8.666/1993: “A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa” (BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 18 fev. 2021).
[4] Entende-se, em aderência à exposição de Tércio Sampaio Ferraz Jr., ser a decidibilidade o objeto da Ciência do Direito, pois se direciona à criação de instrumentais teóricos à tomada de decisões de cunho jurídico, ou seja, à definição de pressupostos subjacentes aos próprios processos decisórios. Por via de consequência, a Ciência Jurídica se manifesta como pensamento eminentemente tecnológico, na medida em que os seus enunciados visam a estabelecer condições à prolação de decisões, sejam elas legislativas, judiciárias, administrativas, contratuais e etc., e têm como parâmetro de validade a sua relevância prática (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 49-51).
[5] Cabe pontuar que o PL nº 4.253/2020, aprovado recentemente pelo Congresso Nacional e pendente da sanção presidencial, destina-se a substituir, dentre outros diplomas normativos, a Lei Federal nº 8.666/1993 e traz, em seus artigos 146 e 147, importantes normas com relevância para o tema da nulidade dos contratos administrativos, conforme se verá (BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 4.253, de 2020. Substitutivo da Câmara dos Deputados aos Projetos de Lei do Senado nºs 163, de 1995; e 559, de 2013. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8879045&ts=1607630768278&disposition=inline. Acesso em: 18 fev. 2021).
[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1. Introdução ao Direito Civil: Teoria geral do Direito Civil. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 392.
[7] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico – plano da existência. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 115-129.
[8] Consoante assevera Ricardo Marcondes Martins, citando Genero Carrió, “as classificações não são verdadeiras ou falsas, mas úteis ou inúteis” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 26).
[9] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1, 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 405.
[11] Luís Roberto Barroso ensina que “a eficácia dos atos jurídicos consiste em sua aptidão para a produção de efeitos, para a irradiação das consequências que lhe são próprias. Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para a qual foi gerado” (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14). Nesse mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello pontua que “eficácia, então, é a situação atual de disponibilidade dos efeitos típicos, próprios, do ato. Distinguem-se os efeitos típicos, ou próprios, dos efeitos atípicos. Os primeiros são efeitos correspondentes à tipologia específica do ato, à sua função jurídica. Assim, é próprio do ato de nomeação habilitar alguém a assumir um cargo; é próprio ou típico do ato de demissão desligar funcionário do serviço público. Os efeitos atípicos, decorrentes, embora, da produção do ato, não resultam de seu conteúdo específico” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 396-397).
[13] Artigo 27, da Lei Federal nº 9.868/1999: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado” (BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em: 18 fev. 2021).
[14] Artigo 166, do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção” (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 18 fev. 2021).
[15] Artigo 171, do Código Civil: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores” (Ibidem).
[16] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25ª ed. rev., ampl. e atual. até a Lei nº 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012, p. 152-153.
[18] É preciso expor desde logo que o presente trabalho não se predispõe a apresentar de forma ampla e detalhada os múltiplos posicionamentos existentes quanto ao tema, mas, tão somente, a identificar a existência da controvérsia, sobretudo no que toca à dicotomia concernente aos atos nulos e aos atos anuláveis e a sua aplicabilidade do Direito Administrativo.
[19] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 38ª ed. atualizada até a Emenda Constitucional 68, de 21.12.2011. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 215.
[21] Em consonância com o que já exposto, este artigo não visa a desenvolver ou a detalhar as nuances dos diferentes posicionamentos existentes, mas tão somente a evidenciar a existência da controvérsia quanto à aplicabilidade ao Direito Administrativo da dicotomia atinente aos atos nulos e aos atos anuláveis.
[23] De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, “nem todos os vícios do ato permitem seja este convalidado. Os vícios insanáveis impedem o aproveitamento do ato, ao passo que os vícios sanáveis possibilitam a convalidação. São convalidáveis os atos que tenham vício de competência e de forma, nesta incluindo-se os aspectos formais dos procedimentos administrativos. Também é possível convalidar atos com vício no objeto, ou conteúdo, mas apenas quando se tratar de conteúdo plúrimo, ou seja, quando a vontade administrativa se preordenar a mais de uma providência administrativa no mesmo ato: aqui será viável suprimir ou alterar alguma providência e aproveitar o ato quanto às demais providências, não atingidas por qualquer vício. Vícios insanáveis tornam os atos inconvalidáveis. Assim, inviável será a convalidação de atos com vícios no motivo, no objeto (quanto único), na finalidade e na falta de congruência entre o motivo e o resultado do ato” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 163-164).
[25] Súmula nº 473, do STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 473. Brasília, DF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1602. Acesso em: 18 fev. 2021).
[27] BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). in. QUARESMA, Regina (Coord.). Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 325-326.
[28] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves, A estrutura normativa das normas constitucionais. Notas sobre a distinção entre princípios e regras, in. PEIXINHO, Manoel Messias, GUERRA, Isabella Franco, e NASCIMENTO FILHO, Firly (organizadores), Os princípios da Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2006, p. 05.
[29] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal, 1ª ed. Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2002, p. 54-55.
[30] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 25.
[31] ROSA, Joabe Silva. Estabilização do ato administrativo inválido e a vinculação do poder público à juridicidade. Belo Horizonte, 2017, p. 75-106. Disponível em: https://repositorio.fumec.br/xmlui/handle/123456789/637. Acesso em: 18 fev. 2021.
[32] Artigo 26, da Lei Federal nº 8.666/1993: “As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos” (BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Op. cit.).
[33] Artigo 49, § 2º, da Lei Federal nº 8.666/1993: “A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei” (Ibidem).
[34] Artigo 38, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.666/1993: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração” (Ibidem).
[35] Sem prejuízo da controvérsia, extensível aos contratos administrativos, quanto à aplicabilidade da Teoria das Nulidades ao campo do Direito Administrativo, é possível verificar, a título exemplificativo, que, sobre a questão concernente aos direitos indenizatórios do contratado, Jessé Torres Pereira Júnior defende uma interpretação restritiva do dever estatal de indenizar, sustentando a exclusão da parcela remuneratória que compõe o preço estabelecido no contrato (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 676-677). Em linha similar, percebem-se as lições de Alexandre Santos de Aragão (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Prestação de serviços à Administração Pública após fim do prazo contratual. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 214, p. 167-176, out. 1998, p. 169). Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de Mello rejeita a interpretação de que a invalidação do contrato possa prejudicar aquele que não concorreu para a constituição do vício e que, estando de boa-fé, confiou na atuação da Administração (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 493). Já Flávio Amaral Garcia, em alinhamento com esta última interpretação, acrescenta que indenizar apenas os custos àquele que agiu de boa-fé ensejaria violação ao princípio da isonomia (GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e contratos administrativos: casos e polêmicas. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 453). Cabe mencionar, ainda, Marcos Juruena Villela Souto, que, amparado no princípio da livre iniciativa, defende a imprescindibilidade de que, mediante o pagamento do lucro contratualizado, a Administração remunere as prestações efetuadas pelo contratado (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo contratual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 392).
[36] O STJ já asseverou que, “em relação ao contratado de má-fé, não lhe é retirada a posição normal de quem sofre com a declaração de invalidade do contrato - retorno ao estado anterior, prevista no caput do artigo 49 do Decreto-Lei 2.300/86. Esse retorno faz-se com a recolocação das partes no estado anterior ao contrato, o que por vezes se mostra impossível, jurídica ou materialmente, como ocorre nos autos (obra pública), pelo que as partes deverão ter seu patrimônio restituído em nível equivalente ao momento anterior, no caso, pelo custo básico do que foi produzido, sem qualquer margem de lucro” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 1.153.337/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 01/10/2019, DJe 11/10/2019, Brasília, DF. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 18 fev. 2021). Já em outra oportunidade, o mesmo STJ rechaçou as pretensões indenizatórias do recorrente sob a justificativa de que estaria caracterizada a sua má-fé: “A indenização pelos serviços realizados pressupõe tenha o contratante agido de boa-fé, o que não ocorreu na hipótese. Os recorrentes não são terceiros de boa-fé, pois participaram do ato, beneficiando-se de sua irregularidade (...). O dever da Administração Pública em indenizar o contratado só se verifica na hipótese em que este não tenha concorrido para os prejuízos provocados. O princípio da proibição do enriquecimento ilícito tem suas raízes na equidade e na moralidade, não podendo ser invocado por quem celebrou contrato com a Administração violando o princípio da moralidade, agindo com comprovada má-fé” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 579.541/SP, Rel. Ministro José Delgado, julgado em 17/02/2004, DJ 19/04/2004, p. 165, Brasília, DF. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 18 fev. 2021).
[37] Artigo 21, da LINDB: “A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos” (BRASIL. Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 18 fev. 2021).
[38] MENDONÇA, José Vicente Santos de. Art. 21 da LINDB - Indicando consequências e regularizando atos e negócios. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 43-61, nov. 2018. ISSN 2238-5177, p. 48. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/77649/74312. Acesso em: 18 fev. 2021.
[39] ABBUD, Wassila Caleiro; FEITOSA, Rogério Augusto Boger. O primado da realidade em tempos de COVID-19 e a dispensa de licitação na lei n.º 13.979/2020, p. 539-550, in POZZO, Augusto Dal & CAMMAROSANO, Márcio (organizadores). As implicações da Covid-19 no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. p. 542.
[40] Aliás, a possibilidade de ponderação concreta da contrariedade a dispositivos constitucionais com outros interesses jurídicos relevantes é aceita sem maiores questionamentos no exercício do controle de constitucionalidade de atos normativos pelo Poder Judiciário, permitindo-se, v. g., a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade e a modulação dos efeitos típicos da decisão nulificadora (Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1.296-1.324).
[43] Com uma visão eminentemente pragmatista, Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega pondera que “os fenômenos e fatos sociais não são concebidos como algo acabado, mas como processo, coisas em andamento. O padrão, ou seja, a tipicidade não está encerrada em molduras teóricas terminadas, considerando que o exame das conseqüências na realidade constitui a base para a manutenção ou modificação deste padrão. Essa forma pragmatista de pensar o significado das coisas possibilitaria, assim, trazer para o núcleo conceitual da nulidade, as conseqüências que esta produz na realidade fática, acrescentando-se à sua formatação apriorística inicial de modo a alterá-la” (NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. O fenômeno da nulidade compreendido a partir do referencial pragmatista: clarificando e superando obscuridades conceituais. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/173.pdf. Acesso em: 18 fev. 2021).
[44] Valendo das palavras de Lucia Valle Figueiredo, “a discricionariedade consiste na competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar, dentro de critérios gerais de razoabilidade e proporcionalidade gerais, e afastado de seus próprios ‘standards’ ou ideologias, dos princípios e valores do ordenamento, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma” (FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 223).
[46] Artigo 22, da LINDB: “Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º. Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. § 2º. Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. § 3º. As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato” (BRASIL. Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Op. cit.).
Mestrando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Procurador do Município de São Paulo. Ex-Procurador do Estado de São Paulo. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FEITOSA, Rogério Augusto Boger. O problema das nulidades nos contratos administrativos e a nova lei de licitações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 mar 2021, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56211/o-problema-das-nulidades-nos-contratos-administrativos-e-a-nova-lei-de-licitaes. Acesso em: 03 out 2024.
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