MARCO ANTÔNIO ALVES BEZERRA[1]
(orientador)
RESUMO: Existe no ramo do Direito o princípio da insignificância que traduz a pouca repercussão social e jurídica de determinado crime. Esse princípio tenciona distanciar a tipicidade material, causando a não-punição da conduta, motivado pelo fato de que a sua penalização não ser necessária. Frente a isso, esse estudo teve o objetivo de discorrer sobre o princípio da insignificância, apresentando o seu conceito e sua legalização (ou não) no Direito brasileiro. Para além dessa temática, discutiu-se a aplicabilidade desse princípio nos crimes de furto. Buscou-se entender os posicionamentos dos Tribunais Superiores a respeito dessa possibilidade. Sendo um artigo de revisão de literatura, baseou-se a sua formalização em bases de pesquisa Google Acadêmico e Scielo. Os critérios de inclusão foram estudos relacionados ao tema proposto, publicados entre os anos de 2016 a 2021 na língua portuguesa. Nos resultados encontrados, por não se encontrar legislada na norma jurídica brasileira, o princípio da insignificância é respaldado pela doutrina jurídica e pela jurisprudência. Pelos Tribunais Superiores, apesar de haver posicionamentos diversos, é pacífico o entendimento de que não se aplica o presente princípio ao crime de furto quando verificado no caso concreto se: os bens furtados excede ao parâmetro de 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos, critério adotado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para mensurar a lesão ao bem jurídico tutelado; se o réu é reincidente específico em crime de furto; se o acusado é criminoso habitual e por não ser a conduta insignificante.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância. Furto. Direito Penal. Tribunais Superiores.
ABSTRACT: There is in the field of Law the principle of insignificance that translates the little social and legal repercussion of a certain crime. This principle intends to distance the material typicality, causing the non-punishment of the conduct, motivated by the fact that its penalty is not necessary. In view of this, this study aimed to discuss the principle of insignificance, presenting its concept and its legalization (or not) in Brazilian Law. In addition to this theme, the applicability of this principle to crimes of theft was discussed. We sought to understand the positions of the Higher Courts regarding this possibility. Being a literature review article, its formalization was based on Google Scholar and Scielo search bases. The inclusion criteria were studies related to the proposed theme, published between the years 2016 to 2021 in Portuguese. In the results found, as it is not legislated in the Brazilian legal norm, the principle of insignificance is supported by legal doctrine and jurisprudence. By the Superior Courts, despite having different positions, the understanding that the present principle does not apply to the crime of theft when verified in the specific case if: the stolen goods exceeds the parameter of 10% of the minimum wage in force at the time of the facts , criterion adopted by the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) to measure the damage to the protected legal interest; if the defendant is a specific repeat offender in the crime of theft; whether the accused is a habitual criminal and the conduct is not insignificant.
Keywords: Principle of Insignificance. Theft. Criminal Law. Superior Courts.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da Insignificância: aspectos gerais. 3. Aplicabilidade do Princípio da Insignificância no Direito Brasileiro. 4. O Princípio da Insignificância relacionado ao crime de furto. 4.1 O entendimento dos Tribunais Superiores. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Na sociedade, há determinadas ações - consideradas delitos - que devido a sua ínfima consequência acaba por receber uma penalidade compatível à sua gravidade, ou seja, também ínfima. É nesse cenário que adentra o denominado princípio da insignificância, que de modo geral é aquele que busca não criminalizar condutas que possuem efeitos mínimos para a vítima, para a sociedade e para o Estado (ALMEIDA, 2017).
De modo mais específico, Fagundes (2019) explica que o princípio da insignificância está ligado aos crimes que não repercutem de maneira ofensiva à sociedade e ao Estado. É um princípio que busca afastar a tipicidade material, causando a não-punição da conduta, devido ao fato que o bem jurídico tutelado não foi lesionado de forma tal que justifique a sua penalização.
Na concepção do renomado autor Ivan Luiz da Silva (2012) esse princípio tem natureza constitucional penal, que é implícito inerente ao Estado Democrático de Direito. Trata-se de um mecanismo de controle quantitativo-qualitativo das lesões aos bens jurídico-penais e de um instrumento de interpretação restritiva do Direito Penal.
A sua natureza jurídica é de Direito Penal. Mas tem-se aplicado o princípio em estudo em outras áreas, como nos delitos tributários, nos crimes ambientais (onde a conduta resulte em baixo impacto negativo no meio ambiente) e nos crimes patrimoniais. Dessa forma, o princípio da insignificância representa uma causa de excludente da tipicidade material.
A justificativa para a escolha desse tema é pelo fato de que esse princípio ainda não se encontrar normatizado no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo com que a doutrina e a jurisprudência tenham que aplicá-lo (ou não) a depender de cada caso concreto.
Isso dá uma amplitude sobre essa temática, que tenciona buscar uma maior rapidez nos julgados, vide o atolamento de processos existentes, sendo muitos deles de valor jurídico e processual ínfimo. O que motiva a discussão desse tema é a sua aplicação.
Como esse princípio está ligado a várias áreas do Direito, para fins dessa pesquisa, buscou-se limitar essa temática relacionando-a ao crime de furto. Com isso, objetivou nesse estudo discutir a possibilidade de aplicabilidade ou não do princípio da insignificância nos crimes de furto.
Portanto, no decorrer dessa pesquisa procura-se responder as seguintes indagações: o que configura o princípio da insignificância? e qual o entendimento jurisprudencial para a aplicação do princípio da insignificância no crime de furto?
Conforme já citado anteriormente, esse princípio não está legislado na norma jurídica brasileira, sendo respaldado pela doutrina jurídica e pela jurisprudência, por meio de julgados tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal admite a sua aplicação, desde que respeitada as suas condicionantes.
De todo modo, é nítido observar que a aplicação desse princípio não se encontra unânime nem na doutrina jurídica e nem nos Tribunais. Isso mostra a importância em se discutir esse tema, haja vista que no Brasil, existem mais crimes de menor potencial ofensivo do que os realmente graves.
A metodologia utilizada para a realização do presente estudo se pautou no método qualitativo. Caracterizada como uma revisão de literatura, a pesquisa bibliográfica foi feita através de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os meses de fevereiro a abril de 2022.
2. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ASPECTOS GERAIS
Antes de se adentrar no tema proposto por esse estudo é preciso discorrer a respeito do que seja o Princípio da Insignificância. Assim, nesse tópico serão apresentados os seus aspectos históricos e conceituais.
O Princípio da Insignificância tem a sua origem nos textos jurídicos romanos. Pode ser encontrada ainda na Idade Média sendo eventualmente usada na forma minimis non curat praetor. Essa forma pode ser traduzida como o fato jurídico onde um magistrado tem de desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis (RIBEIRO, 2017).
Com base na lei romana, “não é função do pretor cuidar dos delitos bagatelares, pois só deve ocupar-se das lesões significantes, as quais são capazes de comprometer a paz e a ordem da sociedade” (RIBEIRO, 2017, p. 01).
Resgatado pelo regimento jurídico alemão em 1964, ainda na tradução do termo latim supracitado, o princípio da insignificância também pode ser traduzido da seguinte forma: o pretor não deve se responsabilizar por coisas pequenas. Com isso, o Direito Penal também não deve ‘perder tempo’ com condutas que não resultem em danos realmente graves em detrimento de condutas que de fato trazem como resultado o desequilíbrio nas relações jurídicas em sociedade (SANTIAGO, 2018).
Cabe destacar ainda que esse princípio só adentrou no ordenamento jurídico alemão por meio de Claus Roxin. Como relata o professor Sanguiné (2002 apud RIBEIRO 2017, p. 01) “o recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é inafastavelmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina mínima non curat praetor”.
Nota-se que desde o seu surgimento, o princípio em estudo traz em seu bojo o entendimento de que se devem priorizar casos que realmente irão impactar a sociedade ou que vá exigir uma atenção maior do Direito. Os delitos considerados irrelevantes devem imediatamente ser esquecidos ou rapidamente desprezados.
Justamente por essa compreensão é que o Princípio da Insignificância tem como base o Direito Penal. Inclusive é no Direito Penal que esse princípio reside. Desse modo, o Direito Penal não deve se preocupar com condutas incapazes de lesar o bem jurídico (FAGUNDES, 2019).
Assim, pode-se conceituar esse princípio, também denominado de princípio da bagatela, como aquele que possui o objetivo de eliminar ou afastar a tipicidade penal. Nas palavras de Seraphim (2017, p. 02) “isto significa que o ato praticado não é considerado como crime e, por isso, a aplicação desse princípio culmina na absolvição do réu e não somente na diminuição e substituição da pena”.
É chamado de princípio da insignificância, na opinião de Pádua (2019, p. 23) “aquele que trata de ações tipificadas como crime, mas cujo efeito concreto é completamente irrelevante e não causa qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico ou à própria vítima”.
A suas prerrogativas dá base para os julgadores em todas as instâncias para que não se detenham na dedicação de incriminar condutas de pouca ou nenhuma expressão econômica ou social (NETO, 2020).
3. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO BRASILEIRO
Para a realização da aplicabilidade do princípio da insignificância é preciso ter como base dois aspectos: a tipicidade formal e a tipicidade material. A tipicidade formal é “a conformidade exata entre o fato praticado e os elementos que constam de um tipo penal” (SERAPHIM, 2017, p. 03).
A tipicidade material está direcionada ao agravo social e real da conduta, ou seja, busca entender quais consequências a conduta delituosa possui no âmbito social. É nessa tipicidade que se encontra o princípio em análise (RODRIGUES, 2019).
Para a configuração da tipicidade material, “é necessário que o ato praticado tenha sido capaz de cometer uma lesão, expor terceiros a risco ou provocar lesões significantes ao bem jurídico tutelado” (SERAPHIM, 2017, p. 03).
Este princípio possui ligação direta com a atuação do Estado, que nesse caso deve ser mínima. Em outras palavras, parte-se do “princípio o Estado deve interferir minimamente nas questões de direitos dos indivíduos, para que com isso a atuação do Estado não resulte desproporcional frente a uma ação incapaz de gerar lesão ou ameaça de prejuízo ao bem jurídico tutelado” (FAGUNDES, 2019, p. 27).
No entendimento de Neto (2020, p. 14) “o princípio da insignificância pode ser entendido como uma forma que o Direito Penal encontrou em recuperar o ligamento de seus valores à qualidade dos fatos que objetiva, de maneira abstrata ou concreta, reprimir”.
Como entendem Eisele; Cruz (2021, p. 36), “nos casos de ínfimo abalo ao bem jurídico, a substância do injusto é tão pequenina que não subsiste nenhum porquê à aplicação de pena, de modo que a mínima sanção penal seria patentemente desproporcional à real significância material do episódio”.
O princípio da Insignificância visa não punir aqueles delitos cuja consequencia social e até mesmo jurídica não seja impactante, não cause um dano maior. É o princípio que busca dar uma maior celeridade aos processos penais, não atolando o Judiciário com litígios onde a causa e a consequência sejam ínfimas.
Nesse sentido, Pádua (2019, p. 22) explica que quando não há lesão ao bem jurídico tutelado, deve-se aplicar o princípio da insignificância, pois isto ajudará a “desafogar o Judiciário, uma vez que a análise do fato será feita diretamente em seu nascedouro”.
Tendo como fundamento os princípios constitucionais e penais da adequação social, da legalidade, da proporcionalidade e o da razoabilidade, verifica-se que o princípio da insignificância caminha lado a lado com estes. Cabe frisar contudo, que o princípio da adequação social “absorve total aprovação da sociedade, enquanto no princípio da insignificância a conduta delitiva é tolerada devido a sua ínfima lesividade” (PÁDUA, 2019, p. 23).
Desse modo, compreende-se que nos casos onde as ofensas são mínimas, não se justifica a entrada do direito punitivo, já que tornaria este guardião de fatos de ínfima importância.
Com tais considerações esplanadas, é preciso esclarecer quando uma conduta resulta em insignificante ou não. Como esse princípio é todo moldado pela doutrina penalista e pela jurisprudência, é relevante destacar que ambas trazem em seu bojo alguns requisitos para que o aplicador do direito possa adotar o princípio da insignificância de determinada conduta.
Esses requisitos são: a ofensividade da conduta ser ínfima; a falta de periculosidade social da ação; o comportamento delituoso seja considerado de baixa reprovabilidade e a pouca expressividade da lesão jurídica (NETO, 2020).
Com esses requisitos acima elencados, cabe frisar que a sua aplicação é determinada a cada caso concreto, onde o Magistrado deve ter o bom senso ao analisar o caso. É necessário analisar se o reconhecimento do princípio da insignificância deve ser feito unicamente pelo nível ínfimo da lesão sofrida, isto é, pelo desvalor do resultado (NETO, 2020).
Em outras palavras, “juntamente com o nível da lesão, devem ser analisadas se as circunstâncias judiciais, como a culpabilidade do agente, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, consequências, circunstâncias, etc., são favoráveis” (FAGUNDES, 2019, p. 28).
A jurisprudência abaixo traz como exemplo, os pressupostos para a aplicação do princípio da insignificância:
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. FURTO. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. MULTIRREINCIDÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância só é possível quando há a satisfação concomitante dos seguintes pressupostos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A 3ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP n. 221.999/RS, fixou a tese de que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, o aplicador do direito verificar que a medida é socialmente recomendável. 2. 1. A apelante ostenta diversas condenações transitadas em julgado por crimes contra o patrimônio. A reiteração revela, de forma concreta, a contumácia delitiva da agente, razão pela qual não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. 3. Apesar de a pena ser inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, a multirreincidência específica da ré justifica a imposição de regime inicial semiaberto. 4. Recurso conhecido e desprovido. (07164771820198070003 - (0716477-18.2019.8.07.0003 - Res. 65 CNJ). 1º Turma Criminal. Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO. Data de Julgamento: 10/03/2022. Publicado no PJe: 04/04/2022) (grifo do autor)
Com base na jurisprudência acima, reafirma-se novamente que deve prevalecer o bom senso do magistrado para que situações concretas não se tornem verdadeiras aberrações no mundo jurídico. Para evitar isso, basta verificar os pressupostos de aplicabilidade do presente princípio já pacificados na jurisprudência pátria para que não se tenha injustiças e desproporções.
Insta salientar que o princípio em destaque não possui previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme explicam Fontes; Moraes (2016, p. 02) "a bagatela própria não encontra previsão no Código Penal Brasileiro, sendo considerada uma causa supralegal de exclusão da tipicidade”.
No entanto, essa situação tende a mudar. Ainda em tramitação, existe o Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012, que trata sobre a Reforma do Código Penal Brasileiro que traz em seu texto de forma expressa, a aplicação do princípio da insignificância.
Sobre essa possibilidade de formalização normativa, Almeida (2017, p. 10) acentua que mesmo sendo um avanço no “âmbito das garantias fundamentais, o referido texto deverá ser cuidadosamente redigido para que não limite e restrinja demasiadamente a possibilidade de sua aplicação”.
Há ainda na doutrina jurídica brasileira quem entenda que existe a previsão expressa da insignificância no Código Penal Militar nos seus artigos 209 § 6° e 240 § 1°. Há também a menção em um eventual processo penal, diante da constatação da ocorrência de um fato criminoso e insignificante, restará ao juiz absolver o réu por não constituir o fato infração penal nos moldes do artigo 386 III do Código de Processo Penal (ALMEIDA, 2017).
Como já mencionado, o princípio da insignificância até esse momento não possui uma previsão legal na legislação brasileira. Porém, ela é aplicada através da jurisprudência que a tem admitido em determinados casos, desde que preenchidos os seus requisitos, também já citados anteriormente.
Mesmo que em algumas situações não há aplicação do princípio da insignificância, como por exemplo, nos casos de apropriação indébita previdenciária, no estelionato envolvendo Fundo de Garantia (FGTS), nos crimes militares, aos delitos previstos na Lei de Drogas, tais como o tráfico, o uso ou outros tipos penais previstos nesta norma, no crime de moeda falsa, dentre outros, é afirmativo concluir que é grande o número de situações em que se aplica tal princípio.
Um ponto a ser considerado para a não aplicação do princípio da insignificância é o valor sentimental da vítima sobre o objeto. Nesse sentido, entende-se que a análise da extensão do dano causado ao ofendido é imprescindível para aquilatar o cabimento do princípio da insignificância.
Por conta disso, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) são pacíficos no entendimento de que “o valor sentimental do bem exclui a aplicação do principio da insignificância, ainda que o objeto furtado não apresente relevante aspecto econômico” (RODRIGUES, 2019, p. 36).
Desta feita, é fato que o princípio analisado por esse estudo se encontra plenamente aplicado na jurisprudência brasileira. Ocorre que, nem todos os casos esse principio é aplicado. Sobre essa questão, apresenta-se a seguir a discussão sobre a aplicabilidade ou não deste princípio no crime de furto.
4. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RELACIONADO AO CRIME DE FURTO
Antes de adentrar na discussão central desse estudo, é preciso estabelecer o que seja o crime de furto. Esse crime se encontra normatizado no art. 155 do Código Penal no Título II, ligados aos crimes em desfavor do patrimônio. Representa a subtração para si (ou para terceiro) de coisa alheia móvel, resultante do dolo e especial forma de agir (BRASIL, 1940).
O renomado doutrinador Bittencourt (2016) explica que o verbo núcleo 'subtrair' significa “tirar, retirar, surrupiar, tirar às escondidas”. Adverte que não é a simples retirada da coisa do lugar no qual se encontrava, posto que é necessário, posteriormente, seja ela sujeita ao poder de disposição do agente que detém a finalidade precípua de assenhorar-se do objeto para si ou para terceiro, com animus definitivo.
Nesse contexto, percebe-se que o objeto do furto somente pode ser coisa móvel, alheia e economicamente apreciável, excluindo-se, por conseguinte, aquelas que não pertencem a ninguém (res nullius); abandonadas, malgrado pertecente a alguém em outrora (res derelicta) e coisas de uso comum (res commune omnium), as quais são destituídas de ocupação em sua totalidade, como por exemplo o ar, a luz do sol, o calor etc. (BITTENCOURT, 2016).
Os bens jurídicos penalmente tutelados na espécie delitiva sub examen são a posse e a propriedade de coisa móvel. No que tange à posse, Mattos (2017) defende que o objeto imediato do crime de furto consiste justamente na proteção à posse, e, posteriormente, à propriedade. Apesar desse entendimento, dentro da análise do crime de furto há correntes doutrinárias divergentes quanto ao momento de consumação. Para exemplificar o entendimento de cada corrente, apresenta-se:
A Contrectatio é a teoria que defende que a consumação configura-se pelo simples contato entre o agente e res furtiva. O mero toque já ensejaria a subsunção ao tipo formal.
A Apprehensio delineia que consuma-se o furto no momento em que a coisa subtraída transfigura-se para o poder do sujeito ativo, mesmo que por breve espaço de tempo e que o agente seja desde logo perseguido pela polícia ou pela vítima.
A Ablatio, a seu turno, consigna que repercute a consumação quando a coisa, além de apreendida, é transportada para diferentes lugares.
A Ilatio, por fim, assevera que a consumação somente se efetua quando a res é levada ao local desejado pelo agente com o condão de tê-la a salvo.
(MATTOS, 2017, p. 63)
Em que pese essas correntes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) já vem entendendo pacificamente que o momento consumativo do furto configura-se com a posse do objeto subtraído, mesmo que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição do agente, dispensando-se a possa mansa e pacífica ou desvigiada (CAVALCANTE, 2017).
Nesse sentido, tem-se como base a teoria da Apprehensio, em que firmou a seguinte tese: “Consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição do agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada”.[2]
No que tange a tentativa, esta se formaliza quando o processo executório do delito restar impossibilitado de prosseguir por circunstâncias alheias à vontade do agente. Assim, há impedimento de sua consumação na hipótese do agente, por exemplo, subtrair produtos em um supermercado e ser obstado de sair do estabelecimento pelos seguranças (MATTOS, 2017).
De modo geral, o crime de furto pode ser compreendido como aquele em que há uma subtração de um bem (coisa) do patrimônio de um terceiro. O sujeito ativo possui o animus furandi de manter consigo ou de terceiro a posse mansa e pacífica da res furtiva. Com essa definição sintética, pode-se retirar a impressão que o crime de furto não causa uma lesão significativa à vítima, uma vez que não gera lesão a sua integridade física. É um crime que repercute apenas no âmbito patrimonial (NETO, 2020).
Por essa razão, tem-se entendido que o crime de furto pode devidamente ser enquadrado no princípio da insignificância, haja vista que ele não traduz um prejuízo substencial à vítima. O prejuízo financeiro, nesses casos, pode ser facilmente recuperado ou restituído à vítima, via processo judicial. Apesar disso, há entendimento fortes e numerosos que entendem que esse crime traz prejuízos além do patrimonial à vítima e também para a sociedade, o que afasta a aplicabilidade do princípio em destaque (EISELE; CRUZ, 2021).
Para melhor entendimento sobre essa situação, apresenta-se no tópico seguinte os posicionamentos jurisprudenciais das Cortes Superiores que debatem esse tema.
4.1 DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Na área penal, o princípio em tela pode ser encontrado principalmente em crimes de furto. Nesse caso, esse princípio não deve ter como base somente o valor da res furtiva (coisa subtraída). Devem-se analisar todas as circunstâncias do fato e o real impacto da conduta do agente na sociedade, para somente assim decidir sobre o seu enquadramento (RODRIGUES, 2019).
Como acentua Pádua (2019, p. 05) “o simples fato de o furto ser qualificado não impede a aplicação do princípio da insignificância, podendo este ser afastado de acordo com as peculiaridades do caso concreto”.
Na jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça não vem aplicando esse princípio no crime de furto, principalmente quando se verifica o valor dos bens substraídos (a propósito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem utilizado o limite de 10% (dez por cento) do salário mínimo como indicativo de inexpressividade da lesão jurídica provocada pela conduta), a especial reprovabilidade da conduta do agente, e principalmente quanto à possívei reincidência do criminoso. Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO, NA FORMA TENTADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. ESPECIAL REPROVABILIDADE DA CONDUTA. CRIME PRATICADO MEDIANTE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E DURANTE O REPOUSO NOTURNO. VALOR DOS BENS SUPERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO. INCIDÊNCIA DO PRIVILÉGIO. REDUÇÃO DE 1/3 (UM TERÇO). JUSTIFICATIVA IDÔNEA. SUBSTITUIÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS POR MULTA. MEDIDA SOCIALMENTE NÃO RECOMENDADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve observar as peculiaridades do caso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, para que seja identificada a necessidade ou não de operar o direito penal como resposta estatal. 2. Diante do caráter fragmentário do direito penal moderno, segundo o qual se devem tutelar apenas os bens jurídicos de maior relevo, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que implicam lesões de significativa gravidade. É certo, porém, que o pequeno valor da vantagem patrimonial ilícita não se traduz, automaticamente, no reconhecimento do crime de bagatela. 3. Na espécie, as circunstâncias extraídas dos autos -imputação de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo e praticado durante o repouso noturno, bem como a subtração de bens com valor total superior à 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos - evidenciam a especial reprovabilidade da conduta do Agente e, assim, justificam o não reconhecimento da insignificância penal. 4. O valor dos produtos subtraídos, a incidência da qualificadora de rompimento de obstáculo e a condição pessoal do Agravante fundamentam, de forma idônea, a escolha pela redução da pena em 1/3 (um terço) diante da incidência da forma privilegiada descrita no art. 155, § 2.º, do Código Penal. 5. A substituição da pena privativa de liberdade por uma sanção restritiva de direitos e multa não se mostra socialmente recomendável quando o preceito secundário do tipo penal cumula a multa penal com a pena privativa de liberdade. 6. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no HC 607957/SC, Sexta Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 14/12/2021, publ. no DJe 17/12/2021) (grifo do autor)
Em outro julgado da mesma Corte, cabe mencionar:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO. ABUSO DE CONFIANÇA. ART. 155, § 4º, II, DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INEXISTÊNCIA DOS POSTULADOS NECESSÁRIOS AO RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, QUE POSSUI MAIOR OFENSIVIDADE E REPROVABILIDADE.PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta Corte Superior adverte que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade nos casos de crime de furto qualificado pelo abuso de confiança, tendo em vista que tal circunstância denota maior ofensividade e reprovabilidade da conduta. Precedentes. 2. Além disso, na hipótese, não houve indicação do valor dos bens furtados, não sendo possível verificar se eram ou não de valor ínfimo, requisito indispensável para a aferição da expressividade ou não da lesão jurídica provocada e, consequentemente, para aplicação do princípio da bagatela (AgRg no HC n. 517.144/ES, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 14/5/2021). 3. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no AREsp 1940372/TO, Sexta Turma, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 07/12/2021, publ. no DJe 13/03/2021).
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal tem adotado medidas diversas a respeito desse tema. A priori, a Corte Máxima brasileira já julgou favorável a aplicação do princípio da insignificância diante da situação onde o acusado rompeu obstáculo após a subtração e com o fito de evadir-se do local. Veja-se:
A 2ª Turma concedeu habeas corpus para aplicar o postulado da insignificância em favor de condenado pela prática do crime de furto qualificado mediante ruptura de barreira (CP: “Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: ... § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa”), a fim de cassar sua condenação. Na espécie, o paciente pulara muro, subtraíra 1 carrinho de mão e 2 portais de madeira (avaliados em R$ 180,00) e, para se evadir do local, arrombara cadeado. Decorrido algum tempo, quando ainda transitava na rua, a polícia militar fora acionada e lograra êxito na apreensão dele e na devolução dos bens furtados à vítima. Inicialmente, consignou-se que não houvera rompimento de obstáculo para adentrar o local do crime, mas apenas para sair deste, o que não denotaria tamanha gravidade da conduta. Na sequência, salientaram-se a primariedade do paciente e a ambiência de amadorismo para a consecução do delito. Assim, concluiu-se que a prática perpetrada não seria materialmente típica, porquanto presentes as diretivas para incidência do princípio colimado: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 109363/MG, rel. Min. Ayres Britto, 11.10.2011. (HC-109363) 2ª Turma, noticiado no Informativo 644). (grifo do autor)
De igual entendimento cabe citar a presente jurisprudência:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FURTO. VALOR DO BEM SUBTRAÍDO INFERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. RÉU REINCIDENTE ESPECÍFICO E RESPONDE OUTRAS AÇÕES PENAIS POR DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. […] O furto foi praticado no dia 1º/2/2018, quando o salário mínimo estava fixado em R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais). Nesse contexto, seguindo a orientação jurisprudencial desta Corte, o valor do bem subtraído, avaliado em R$ 62,00 (sessenta e dois reais), é considerado ínfimo, por não alcançar 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos. […] o furto é um crime de resultado e não de mera conduta e que o direito penal não se destina a punir meras condutas indesejáveis, mas sim, condutas significativamente perigosas, lesivas a bens jurídicos, sob pena de se configurar um direito penal do autor e não do fato. […] Na linha da orientação jurisprudencial do STF, esta Corte Superior tem admitido a incidência do princípio da insignificância ao reincidente, à míngua de fundamentação sobre a especial reprovabilidade da conduta. Todavia, observa-se que o paciente é reincidente específico e responde a outras ações penais pela prática delitos contra o patrimônio, o que demonstra o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, sendo inaplicável o princípio da insignificância.[…] (STJ, 5ª Turma, HC 491.970/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/02/2019, publicado em 08/03/2019).
Nos casos acima, ficou claro que há a possibilidade de aplicar o princípio da insignificância nos casos de furto. Todavia, o próprio STF já evidenciou as suas condicionantes para que essa aplicabilidade seja efetiva. A título de exemplo, cita-se o seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO E TENTATIVA DE FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. NOTÍCIA DA PRÁTICA DE VÁRIOS OUTROS DELITOS PELO PACIENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 3. O grande número de anotações criminais na folha de antecedentes do Pacientee a notícia de que ele teria praticado novos furtos, após ter-lhe sido concedida liberdade provisória nos autos da imputação ora analisados, evidenciam comportamento reprovável. 4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. 5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 6. Ordem denegada.” (STF - HC102088/RS, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, Publicação DJe 21-05-2010) (grifo do autor)
O que a presente ministra do STF evidenciou no julgado supracitado é de que o furto, por menor que seja a sua penalidade ou efeitos sociais, não pode ser ligado automaticamente a um crime insignificante. É preciso analisar cada caso concreto e avaliar sistematicamente os danos causados ao patrimônio da vítima e suas consequências sociais (MATTOS, 2017).
Desse modo, o criminoso contumaz que apresentar comportamento reprovável, não pode ficar imune ao direito penal e sua conduta deve ser considerada materialmente típica. Caso contrário, abre-se brecha para que o criminoso possa continuar praticando o mesmo delito e fazendo novas vítimas. No corpo da decisão, a Ministra ilustra o seguinte exemplo:
Imagine-se a pessoa que furta de bancas de jornal situadas em locais diversos, todos os dias, um cartão telefônico no valor de R$20,00, de maneira que os delitos subsequentes não sejam havidos como continuação do primeiro. Um único crime, quando analisado sozinho, poderia configurar a bagatela, porém, no final de um mês, essa pessoa teria furtado aproximadamente R$600,00, quantia superior à do salário-mínimo vigente e com a qual muitos trabalhadores honestos sobrevivem (STF - HC102088/RS, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, Publicação DJe 21-05-2010).
Com base nos entendimentos jurisprudenciais, o que fica claro constatar é que tanto o STJ quanto o STF tem adotado a possibilidade de aplicação do princípio da insiginificância nos casos de furtos. No entanto, para que isso ocorra é necessário que os seus pressupostos sejam respeitados. Caso contrário, não há de se falar em aplicar esse princípio no caso aqui analisado.
Como bem menciona Fagundes (2019) para a aplicação do princípio da insignificância, não pode servir de parâmetro, de forma exclusiva e isolada, o valor da res furtiva. O grau de ofensividade da conduta frente ao bem jurídico tutelado, o desvalor social da ação e a intensidade da culpabilidade do agente devem ser apreciados.
Neto (2020) acrescenta que a simples alegação de que não houve prejuízo relevante para a vítima em nada altera a condenação. Se assim fosse, os furtos tentados e aqueles consumados, mas com recuperação dos bens subtraídos, seriam considerados penalmente atípicos em decorrência do princípio da insignificância.
Desse modo, para melhor parâmetro sobre quando aplicar ou não o presente princípio nos casos de furto, além de observar os efeitos que esse crime gera na vítima e na sociedade, é imperioso analisar se o valor do bem furtado supera 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Além disso, deve-se observar a reincidência do acusado, que, por si só, já impede a aplicação do referido princípio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste estudo restaram estabelecidas algumas ponderações a respeito do princípio da insignificância. O primeiro ponto a ser analisado é que a sua origem é do Direito Romano, tendo Claus Roxin o seu precursor. O segundo ponto é a sua conceituação, que se remete aos crimes que não possuem resultados importantes, ou seja, são crimes que não envolvem nenhum perigo direto à integridade física ou material de alguém.
O terceiro ponto é que a sua natureza jurídica é de Direito Penal, ainda que seja possível encontrá-lo em outras áreas. Para fins desse estudo, focou-se nos crimes patrimoniais. Dessa forma, o princípio da insignificância representa uma causa de excludente da tipicidade material.
Por não ter uma tipificação legal, o princípio da insignificância é estudado e aplicado na doutrina jurídica e na jurisprudência. Nesse campo, a sua aplicabilidade não é pacífica, tendo o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se posicionando de maneira diversa.
In casu, aplica-se o princípio da insignificância (mesmo não positivado) para que os casos onde se encontra os crimes penais cuja consequência jurídica e social seja ínfima, não resultem em excesso de norma, devendo ser aplicado a lei na mesma medida que seu resultado.
Todavia, nos casos do crime de furto, o que ficou claro observar é de que é preciso olhar atentamente as condicionantes para a possível aplicação (ou não) do princípio da insignificância. Nesse caso é necessário analisar se os bens furtados excede ao parâmetro de 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos, critério adotado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para mensurar a lesão ao bem jurídico tutelado; se o réu é reincidente específico em crime de furto; se o acusado é criminoso habitual e por não ser a conduta insignificante, a medida pretendida é socialmente desaconselhável.
Com esse fundamento adotado pelas Cortes brasileiras, esse estudo caminha no entendimento de que aplicar o princípio da bagatela no caso onde os pressupostos acima elencados são encontrados, fomentaria o sentimento de insegurança e de impotência da vítima diante do ataque a seu patrimônio, não se podendo confundir juízo de censura penal com condescendência estatal, a ponto de incentivar-se os furtos de pequena monta, deixando ao desamparo grande parte da sociedade. Logo, inegável a elevada ofensividade da conduta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Advogado e docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi - UnirG. E-mail: marcoantonio@unirg.edu.br.
[2] STJ. 3ª Seção. REsp 1.524.450-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/10/2015 (recurso repetitivo) Disponível no Informativo n. 572, STJ. Alguns precedentes que deram origem à tese fixada: STJ. 6ª Turma. HC 220.084/MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/12/2014; STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1346113/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 22/4/2014; STF. 1ª Turma. HC 114329, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 1/10/2013.
Acadêmica do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Stefany Pereira dos. Princípio da insignificância: o entendimento dos tribunais superiores para a sua aplicação nos crimes de furto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58338/princpio-da-insignificncia-o-entendimento-dos-tribunais-superiores-para-a-sua-aplicao-nos-crimes-de-furto. Acesso em: 11 dez 2024.
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