ELOÍSA DA SILVA COSTA[1]
RESUMO: O escopo do presente trabalho encontra-se em apresentar a problemática da fetichização da Democracia e do fenômeno democrático dentro da construção social, bem como demonstrar como tal conceito ideal se ergue através da história enquanto um fenômeno em sua aparência, agindo como instrumento e mecanismo técnico de manutenção de um sistema ausente de coesão social e distante das liberdades individuais, erguendo-se através da legitimação de seus meios pelo próprio homem. Desse modo, a partir de uma perspectiva de pesquisa bibliográfica, tendo como base uma análise teórica de autores que estudam o fenômeno da Democracia e o indivíduo humano e seu papel, bem como sua atuação na história, como Ronald Dworkin, Wendel Antunes Cintra e, de forma complementar, Oliveira Viana, conteúdo ao qual se funda grande parte da obra de sua vida e a de autores como Marx, analisando através de teorias e fatos que abordam o tema em perspectiva temporais e históricas diferentes, trazendo para esse diálogo autores como Hegel, utilizando-se ainda do materialismo histórico dentro de um método histórico-dedutivo para que se possa compreender o contexto de construção social no qual se deu a Democracia e o seu contexto social, partindo ainda de uma reconstrução histórica do tema.
Palavras-chave: Democracia. Fenômeno democrático. Liberdades individuais.
ABSTRACT: The scope of the present work is to present the problematic of the fetishization of Democracy and the democratic phenomenon within the social construction, as well as to demonstrate how such an ideal concept rises through history as a phenomenon in its appearance, acting as a technical instrument and mechanism of maintaining a system absent from social cohesion and distant from individual freedoms, rising through the legitimation of its means by man himself. Thus, from a bibliographic research perspective, based on a theoretical analysis based on authors who study the phenomenon of Democracy and the human individual and their role, as well as their role in history, such as Ronald Dworkin, Wendel Antunes Cintra and , in a complementary way, Oliveira Viana, content on which a large part of his life's work and that of authors like Marx is founded, analyzing through theories and facts that approach the theme in different temporal and historical perspectives, bringing to this dialogue authors as Hegel, still using historical materialism within a historical-deductive method to understand the context of social construction in which Democracy and its social context took place, starting from a historical reconstruction of the theme.
Keywords: Democracy. Democratic phenomenon. Individual freedoms.
A partir do panorama atual do fenômeno democrático concebido hodiernamente, vemos surgir um problema ontológico em seu discurso. Temos o desenvolvimento atual da Democracia enquanto ator de solução para os problemas sociais, políticos, econômicos. Jurídicos e culturais que são levantados ao redor do mundo, no entanto, essa visão da Democracia enquanto estado perfeito de governo do povo bebe de uma fonte muito perigosa a respeito do que pode se considerar enquanto participação popular.
Investigar as bases que transformaram a Democracia ao longo do tempo, é compreender como ela se instaura no mundo atual e por consequência, entender também seus problemas de atuação e efetividade. Trazer tal debate ao âmbito acadêmico é dar continuidade ao estudo desenvolvido por filósofos e juristas ao longo dos séculos na investigação de um sistema democrático de direito que melhor atenda às necessidades humanas e corresponda ao sentido de coletividade e de comunidade envolta no momento de sua fundação pelos atenienses.
Desse modo, diante de uma visão estrita do objeto ao qual se apetece a presente pesquisa, é que se levantam as seguintes questões: Como o que se tem por Democracia moderna se apresenta enquanto falseamento da realidade e indução do povo a um governo não-coletivista?
Assim, o presente trabalho será então desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica, com o intuito de utilizar o material existente a respeito do tema, bem como traçar um diálogo entre os autores de fundamental importância para a discussão do assunto a ser abordado, como Ronald Dworkin, Oliveira Viana, Amartya Sen, Bercovici e Boaventura de Souza Santos.
Enquanto método de abordagem entende-se que aqui se faz necessária a escolha do Dialético, tratando-se de uma apresentação de situações diversas e oponentes e o choque de realidades para a demonstração de elementos conflitantes que nascem das mesmas, com a apresentação de fatos que se opõem como fonte de explicação de uma nova situação proveniente do embate, desse modo, será possível estabelecermos uma relação temporal e espacial do fenômeno democrático com a questão do homem enquanto sujeito ativo e formador de decisões dentro da coletividade.
2 COMENTÁRIOS A RESPEITO DA DEMOCRACIA E O SEU DEBATE FILOSÓFICO
O mundo moderno parece ter deixado cair no esquecimento os alertas e questionamentos feitos por tais filósofos antigos a respeito da Democracia. Prefere-se pensar na Democracia enquanto um bem inequívoco, do contrário de compreendê-la como um sistema que só chega a ser tão efetivo quanto o sistema educacional que a envolve. Como resultado disso, têm-se a eleição de diversos tiranos e exploradores dos desejos humanos, bem como a deterioração dessa instituição em uma Demagogia (CINTRA, 2013).
É comum o entendimento de que o sistema democrático ao qual fazemos parte hoje, é fruto do que foi criado ainda na Grécia Antiga, concebendo-a e cultuando-a enquanto resposta aos anseios humanos por igualdade e justiça social. No entanto, quando se trata de analisar as similaridades entre a Democracia Ateniense e a Democracia Moderna, é possível observar de forma mais contrastante ainda as suas diferenças, de modo que, a Democracia Ateniense tratava-se de uma democracia direta, na qual as pessoas, coletivamente, enquanto indivíduos, tinha um voto em particular para tomar decisões em nome da nação. Já na Democracia Moderna, tem-se o que se considera enquanto um governo representativo, na qual são elegidos representantes, que estes irão tomar as decisões em nome da nação (CINTRA, 2013).
No que compreende tais fatos, os atenienses possivelmente nem mesmo reconheceriam atual conjuntura Democrática moderna enquanto Democracia, de fato. Nesse sentido, um ponto crucial é compreender como ocorreu tal mudança, para que se possa racionalizar a respeito de suas repercussões na sociedade atual, assim, na Grécia Antiga, filósofos como Platão e Sócrates criticavam a Democracia por entregar o poder da decisão de assuntos da nação a indivíduos que não eram capacitados para realizar tais reflexões críticas (PLATÃO, 2001).
Assim, ainda sendo observadas as construções históricas e as experiências romanas com a formação da República, a Democracia foi sendo moldada para abrigar em si a liderança daqueles representantes que eram escolhidos pelo povo, defendendo a ideia de que a ideia de um líder experiente para a tomada de decisões seria mais benéfica que estender essa responsabilidade àqueles que não tinham capacidade para tal (CINTRA, 2013).
No entanto, a crítica à Democracia que foi feita pelos antigos, continua a ser destacada desse sistema reformado, de modo que, se a crítica à democracia direta, formada pela tomada de decisão coletiva de indivíduos era embasada na sua inaptidão para formular um pensamento mais aprofundado e claro a respeito de tais decisões, afastando-o de uma decisão que liderasse para o bem estar da nação, do mesmo modo, a crítica à democracia moderna pode ser elencada em um modo ainda mais significativo, pois tal representatividade ainda é guiada pela escolha equívoca de tais indivíduos, tendo em vista que os mesmos continuam a mover suas ações a partir de um mundo sem a educação adequada para que se possa eleger um indivíduo que possa de fato representar a população.
Há evidentemente em tudo isto um grande equívoco, uma grande ilusão, que perturba a visão exata das realidades nacionais a todos esses descentristas e autonomistas, que são, afinal, aqui, todos os espíritos que se jactam de liberais e adiantados. Porque é preciso recordar, com Seeley, que a Liberdade e a Democracia não são os únicos bens do mundo; que há muitas outras causas dignas de serem defendidas em política, além da Liberdade - como sejam a Civilização e a Nacionalidade; e que muitas vezes acontece que um governo não liberal nem democrático pode ser, não obstante, muito mais favorável ao progresso de um povo na direção daqueles dois objetivos. Um regime de descentralização sistemática, de fuga à disciplina do centro, de localismo ou provincialismo preponderante, em vez de ser um agente de força e progresso, pode muito bem ser um fator de fraqueza e aniquilamento e, em vez de assegurar a liberdade e a democracia, pode realmente resultar na morte da liberdade e da democracia (VIANA, 1930, p. 97).
Desse modo, passa-se a criar da Democracia um mito, uma falsa realidade de que a mesma se desenvolve em um sentido de alcance das igualdades e liberdades humanas, mas se por um lado ela se ergue com o intuito de melhor realizar o que foi iniciado na Grécia Antiga, por outro ele ainda arrasta os mesmos vícios de seu conceito ancestral, trazendo para si uma nova ilusão de solução social, que em suma verte-se em utopia.
Apesar da crítica à Democracia Ateniense realizada pelos filósofos antigos ser fundamentada nas capacidade, ou melhor, incapacidades de escolha dos membros da sociedade na tomada de decisões em nome da nação, faz-se de fundamental importância compreender que a população ateniense, mesmo sob tais circunstâncias, era significativamente mais educada do que a nossa sociedade moderna, tendo em vista a constante busca pelo saber travada pelos gregos, partindo ainda de sua participação ativa nas decisões sobre o Estado, a busca pelo justo e pelo conhecimento da política era algo que dominava a maior parte da população naquela era (CABRAL NETO, 1997).
2.1 Considerações sobre seus princípios e pretensões
Com o intuito de construir uma melhor fundamentação sobre o que é Democracia, bem como suas distinções, conceitos e pretensões, passa-se a utilizar como base fundante para a construção desse tópico do trabalho, o texto escrito por Ronald Dworkin.
Nesse sentido, o autor quando se debruça a analisar a questão travada entre o Constitucionalismo e a Democracia, debatendo as ideias que indicam uma subversão da Democracia pelo Constitucionalismo, o mesmo vem a traçar e elucidar um conceito do que é Democracia, bem como a sua distinção de outras definições que comumente são associadas a ela. E no que diz respeito a isso, Dworkin traz as seguintes palavras:
Acredito que o conflito há pouco descrito é ilusório, por que é baseado numa compreensão incorreta do que a democracia é. Devemos começar anotando uma distinção entre democracia e regra de maioria. Democracia quer dizer regra da maioria legítima, o que significa que o mero fator majoritário não constitui democracia a menos que condições posteriores sejam satisfeitas. É controverso o que essas condições exatamente são. Mas algum tipo de estrutura constitucional que uma maioria não pode mudar é certamente um pré-requisito para a democracia (DWORKIN, 2013, p. 2).
Assim, Dworkin ressalta que o próprio conflito entre a ideia da subversão da Democracia pelo Constitucionalismo é ilusório, no sentido de que, não há uma compreensão rela, em termos gerais, do que é Democracia quando se fala da mesma, isto é, o debate a respeito da Democracia é fundamentado a partir de visões também ilusórias sobre o que de fato a mesma representa.
Com isso, a partir da diferenciação que Dworkin faz entre Democracia e regra de maioria, percebe-se que a Democracia, em termos do que se tem por Democracia moderna, trata-se de uma legitimação dessa vontade majoritária, ou seja, depende ainda da validação social de determinada tomada de decisão, para além da escolha da maioria. E para ele, tais condições para que se possa estabelecer essa ideia de validação social, são fornecidas através das constituições, que age na promoção das garantias fundamentais e com o intuito de que mesmo uma escolha majoritária não venha a suprimir os direitos fundamentais de uma minoria.
Seguindo este pensamento, Dworkin discorre acerca de tais requisitos para a formação de uma democracia, tendo o posicionamento majoritário como algo incompleto para que a mesma possa ser possível. De modo que ele ainda acrescenta:
Não podemos dizer que apenas as normas possibilitadoras são pré-requisitos da democracia, por que algumas normas constitucionais que possam, aparentemente, ser normas limitadoras são plenamente essências à democracia. Uma maioria destruiria a democracia quase que efetivamente retirando de uma minoria o direito de livre expressão do mesmo modo que se negasse voto à mesma, por exemplo (DWORKIN, 2013, p. 3).
Dando prosseguimento a essa questão, é possível compreender a complexidade do papel do indivíduo dentro dessa democracia moderna, de maneira que, esse papel que ocupa em tomar as decisões a partir de uma representatividade e não mais de forma direta como na antiga Grécia, mas agora de maneira indireta a partir de seus representantes, há de observar ainda a manutenção e promoção das garantias e direitos dos outros indivíduos humanos.
Assim, percebe-se que dentro do sistema democrático moderno, perde-se a antiga ideia de uma democracia que se ergue enquanto união da coletividade ou força e escolha individual de cada pessoa a respeito dos problemas que se referem a nação. Mas o povo passa a ocupar um papel de figurante, que resulta de sua “incompletude” (CINTRA, 2013, p. 54).
Ainda sobre a democracia, Dworkin vem salientar o que a mesma vem a significar dentro de seu aspecto coletivo:
A democracia, como quase todas as outras formas de governo, envolve uma ação coletiva. Dizemos que numa democracia o governo é do povo: queremos dizer que o povo faz coisas coletivamente – escolhe líderes, por exemplo – que nenhum indivíduo faz ou pode fazer sozinho. Existem dois tipos de ação coletiva, contudo – estatística e comunitária – e nossa concepção das pré-condições essenciais da democracia mudarão segundo cada tipo de ação coletiva acharmos que um governo democrático requer. A ação coletiva é estatística quando o que o grupo faz é apenas uma questão de alguma função, rudimentar ou específica, a qual os membros individuais do grupo exercem para si próprios, ou seja, sem qualquer noção de fazer algo como um grupo (DWORKIN, 2013, p.3).
Nesse sentido, podemos perceber que o que Dworkin retrata enquanto ação coletiva estatística, é o que obtemos hoje dentro do sistema que compreende a Democracia moderna. De modo que, não o cultivo de uma noção de coletividade, ou de ações voltadas para um pensamento comum.
A Democracia em seus primórdios se voltava para a promoção de uma unidade de povo, não em um conceito fictício, como abordado por Cintra (2013), mas parte de uma noção de consciência coletiva, despertada com o intuito de se pensar não apenas a partir do eu, mas a partir do bem comum.
Tem-se, desse modo, uma ampliação do conteúdo que abarca a feitura das normas e dos ordenamentos, para além do que se considera Estado Democrático de Direito, essa visão de povo enquanto coletividade legitima uma convivência humana de não-coercitividade, no sentido da não imposição da vontade de uns sobre os outros, mesmo que seja a vontade da maioria.
3 AS EXPECTATIVAS SOBRE A DEMOCRACIA MODERNA E A SUA FETICHIZAÇÃO
Espera-se da Democracia uma fonte inacabável de justiça social e toma-se tal instituição por uma cura de todos os males quem podem vir de uma sociedade doente. No entanto, importa compreender Democracia como um instituo que também está carregado de seus próprio vícios e problemas, que anseiam resolução na medida em que se propõe a realizar uma transformação social.
Nesse sentido, a promoção de uma Democracia baseada em uma ação coletiva comunitária (DWORKIN, 2013), é o que nos pode proporcionar uma reflexão possível a se obter uma real forma de cidadania, bem como de participação social.
Para Marx (2015, p. 37), “a emancipação política não implica em emancipação humana”, de modo que, ele ainda nos afirma que “toda emancipação é a redução do mundo humano, das relações, ao próprio homem” (MARX, 2015, p. 51).
Isto é, assim como a Democracia se propões a ser instrumento de emancipação humana, a mesma cumpre apenas o seu papel enquanto emancipador político do indivíduo humano. Com isto, a cidadania então emerge enquanto ponto muito importante das liberdades do capitalismo moderno, porém atua de forma extremamente limitada. Não somos realmente livres.
O que nos é hoje assegurado enquanto cidadania, partindo do conceito de Democracia moderna, vindo ainda de garantias conquistadas tardiamente e herdadas da Revolução Francesa, se volta para o conceito do que Marx (1985) nos fala enquanto falsidade da realidade, pois se apresenta enquanto ideia e acaba por nos trazer uma falsa noção de participação da sociedade, tendo em vista que ela não se apresenta de modo efetivo, a partir do momento em que o indivíduo humano está inserido nessas relações sociais enquanto objeto de direitos.
3.1 A contradição histórica da democracia no mundo moderno
Hodiernamente, pra se falar de democracia, não se fala de democracia, se fala de Estado de Direito, enfatizando a forma de como o próprio discurso jurídico acaba se ligando intimamente ao discurso político, havendo uma certa confusão entre os mesmos, chegando ao ponto de uma polarização partidária, na qual a busca e a luta por direitos se dão apenas por uma concepção partidária.
Não podendo se fundar em determinado truísmo como ponto de partida metodológico dentro de uma abordagem da Democracia como forma política, tratando-se acima de tudo, de buscar tratar da especificidade de cada esfera. Dentro dessa perspectiva, enquanto a moral se apresenta enquanto aspecto singular, a ética se demonstra enquanto patamar mediador entre a atividade do homem individual, mediações sociais e uma esfera universal que vai se caracterizar enquanto Estado.
A Democracia então, ao mesmo tempo em que assume um papel de representatividade humana e, portanto, traz consigo a realidade factual construída, o modo pelo qual essa realidade vai se operar só é possível até certo ponto.
Marx (2015) ao tratar sobre a Revolução Francesa, ressalta que a mesma já havia promovido um grau de emancipação, a qual se caracterizou enquanto a separação do Estado e da religião, no entanto, ele percebia essa emancipação enquanto incompleta e irreal, representando, além de tudo, os interesses burgueses e o próprio capitalismo.
O homem então passa a se tornar produto de si mesmo, dando início ao processo de objetificação do indivíduo, tendo na exploração do trabalho o principal mecanismo dessa estrutura de complexos. No entanto, partindo da grande quebra social causada através da Revolução Francesa, que, apesar de atuar em prol de um sistema ainda fundado em atar o indivíduo com suas próprias correntes, ele nos deu a oportunidade de atingir uma concepção de que o homem poderia sim atuar de forma ativa dentro de sua própria história.
Nesse sentido, Netto ainda nos afirma que, “o que interessa é que o estabelecimento do mundo burguês abriu uma etapa de desenvolvimento sócio-humano que, previamente, sequer seria vislumbrada” (NETTO, 2006, p. 11-12).
Desse modo, podemos pensar então, que a partir desse passo inicial que foi dado com a Revolução Francesa, e através da “questão da revolução proletária” (NETTO, 2006, p. 11) que foi ascendida após ela durante o século XIX, dá-se início a uma nova etapa dentro da construção histórica do homem, na qual, através da luta de classes, cria-se uma consciência social do lugar do indivíduo a história.
Essa consciência de classe é o primeiro passo na busca pela emancipação humana dentro da sociedade, tomando o ser humano enquanto indivíduo humano e ativo dentro do seu processo de construção social, sendo ele parte da natureza e agindo a partir dela (MARX, 1985).
4 O QUE NOS LEVA A IDEALIZAR UM CONCEITO IRREAL DE DEMOCRACIA?
Seguindo uma visão em que esse complexo entendimento a respeito da Democracia, nesse sentido de Democracia moderna, atuante a partir de uma ação coletiva estatística (DWORKIN, 2013), ela atua enquanto instrumento, torna-se um mecanismo de alienação e reificação do sujeito, que se funda no modo de ocultar a opressão da maioria pela minoria e, desse modo, a própria objetificação do sujeito e desconsideração da particularidade do ser.
Nessa perspectiva, temos uma concepção de uma relação social que se funda dentro de um sistema capitalista com base nessas concepções mercantis de um processo de afastamento do valor de uso, agindo de forma a transformar uma sociedade, afastando-a de suas características iniciais, fazendo do objeto mercadoria.
Da mesma forma, o homem, através se sua transformação dentro desse processo capitalista pelo qual perpassa a sociedade civil burguesa, perde o seu valor, havendo uma derrelição, abandono de sua particularidade enquanto ser social e separação de suas características enquanto sujeito ativo à destinatário de direitos, observando a categoria do direito como forma de expressão da categoria econômica.
Então, dentro dessa estratificação social, o indivíduo humano, dentro desse conceito de Democracia enquanto cumpridora de uma função específica (DWORKIN, 2013), passa a ser uma engrenagem de uma linha de montagem maior, motivo pelo qual ele perde o controle sobre a própria produção, o que se caracteriza enquanto a alienação do trabalhador, aliada a reificação do mesmo, que se dá através de um processo de coisificação do homem, transformando-o em res, a partir do momento em que no mundo moderno, tudo passa a ser mercadoria (MARX, 2015).
4.1 O que nos sobra pensar sobre o papel do indivíduo humano na construção histórica
Partindo de uma ideia na qual as vontades dos indivíduos venham a partir de uma perspectiva da sociedade primitiva, que ainda preserva suas barreiras naturais, podemos fundar uma ideia pura de Estado enquanto a própria reunião das vontades dos indivíduos.
A partir de um momento em que temos uma sociedade autogestionada e capaz de ser suficiente e operar por si mesma, desvinculando-se de mecanismos que ocultam os atributos capazes de fazer com que o homem se veja enquanto ator e autor dentro da sua própria história, podemos então ver o momento real do ser social (LUKÁCS, 2013) e a atuação de uma práxis social real.
Seguindo esse posicionamento, também podemos concluir que, segundo assinalou Hegel em seu livro a Filosofia do Direito:
O Estado é a efetividade da ideia ética, - o espírito ético enquanto vontade substancial manifesta, nítida a si mesma, que se pensa e se sabe e realiza o que sabe e na medida em que sabe. No costume, ele [O Estado] tem sua existência imediata e, na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediata, assim como essa, mediante a disposição de espírito nele [no Estado], como sua essência, seu fim e seu produto de sua atividade, tem sua liberdade substancial (HEGEL, 2010, p. 229).
O Estado então se funda numa construção que se dá a partir das consciências individuais e dos espíritos humanos, como uma grande nuvem que acolhe estes pensamentos humanos e o que pode ser concebido como momentos do ser social, de modo que, que surge no mesmo momento em que nasce essa autoconsciência humana. Desse modo, atribui-se uma ideia de uma imanência do sujeito.
A partir dessas observações, surge o materialismo histórico, que posteriormente criará espaço para o surgimento do materialismo dialético, funda-se na práxis política e teórica, na própria teoria como critério da práxis, sua principal característica então se encontra no fato de ser “uma ciência que não só inspira a ação política, mas também busca verificação na prática, desenvolvendo e crescendo através da própria prática política” (ALTHUSSER, 1953, p. 10).
Nessa perspectiva, Marx (2007) vai se pautar através de um viés da contradição (alienação) trazida pelo sistema capitalista e da apresentação da luta de classes como base para a construção de um sujeito que, a partir da consciência de classe, possa tomar o seu lugar a sociedade e reconhecer o seu espaço enquanto sujeito humano ativo dentro de sua própria história.
Assim, assume-se o conceito do determinismo econômico, isto é, retoma-se aqui a ideia do complexo categorial da economia enquanto aspecto prioritária no controle das relações humanas dentro da sociedade enquanto civil burguesa, compreendendo então as relações sociais enquanto relações de produção, uma vez que todas essas relações irão derivar de um fator econômico determinante.
Funda-se então o apontamento das relações sociais enquanto desdobramentos e continuidade das relações de produção existentes na sociedade.
Desse modo, identificamos uma construção da materialidade da criticidade do ser, dentro da perspectiva de um materialismo histórico, do sujeito enquanto consciente da práxis social e pensando através de um cientificismo. A partir da dialética, podemos observar a aplicação de tal materialismo histórico a partir de cinco passos que Marx (2007) vai considerar enquanto fundadores da historicidade humana, sendo o primeiro o fato de que os homens devem estar em condição de viver e fazer história, dentro da qual a primeira realidade histórica é a produção da vida material.
Assim, de modo conclusivo, como nos afirma Dworkin, podemos conceber que:
Se adotarmos uma concepção estatística da democracia, então devemos refletir sobre as pré-condições da democracia no seguinte sentido. O fato nu e cru de que uma maioria ou pluralidade de pessoas favoreça uma decisão ao contrário de outra não proporciona, apenas por si só, mais legitimidade – não oferece uma razão moral convincente justificando a coerção da minoria, a qual pode ter sido seriamente posta em desvantagem pela decisão. [...] Um voto da maioria não alcança a legitimidade requerida a menos que, primeiro, todos os cidadãos tenham a independência moral necessária para participar da decisão política como agentes morais livres, e a menos que, segundo, o processo político seja tal que trate todos cidadãos com igual consideração e respeito (DWORKIN, 2013, p. 5-6)
De fato, é preciso repensar a Democracia enquanto instrumento não perpetuadora da alienação e reificação humanas, mas sim enquanto mecanismo de poder coletivo e representação do povo enquanto grupo, sendo respeitadas essas considerações e necessidades dos indivíduos em particulares.
Para isso, se faz fundamental a construção de um sistema educacional que tenha por fundamento a construção de um senso político e que parta do estímulo do pensamento reflexivo, para que cada indivíduo possa despertar a consciência necessária para pensar sobre os assuntos humanos e sobre os problemas do Estado enquanto questões intrinsecamente ligadas a ele mesmo. De modo que, a “democracia deve ser algo maior do que apenas dois lobos e uma ovelha votando no que se deve ter para o jantar” (BOVARD, 1994, p. 333, trad. livre)
Ao final e de forma apenas para encerrar o trabalho, pois o debate continua de forma mais abrangente enquanto sentido científico e filosófico, percebe-se que o tema da Democracia no mundo moderno é extremamente complexo e ao analisarmos de um viés histórico e ontológico, no sentido de compreendermos como a mesma se desenvolveu ao longo do tempo, torna-se ainda mais espinhoso.
Assim, podemos compreender que a Democracia não adquire uma qualidade de positiva ou negativa em si, mas a sua modelação através da história, bem como a sua adaptação a outros moldes sociais vai transformando-a em algo que acaba por restringir e limitar o indivíduo humano.
É inegável os avanços trazidos pela democracia num contexto social e de promoção dos direitos humanos no mundo moderno, bem como das garantias fundamentais e das liberdades individuais. No entanto, é de fundamental importância considerar que a forma como essa democracia se apresenta hodiernamente, implica em uma ilusória noção de participação do povo.
Desse modo, o que temos agora enquanto Democracia moderna, reflete uma ação coletiva estatística que visa das respostas imediatas a problemas imensuravelmente mais profundos, de maneira que age a partir de um falseamento da realidade, porque se de um lado obtivemos uma maior oportunidade de garantia de direitos através da instauração dos governos democráticos, por outro lado, ao longo do tempo esses governos vão cada vez mais se afastando de uma ideia de coletividade efetiva, ou seja, do intuito de uma construção e promoção da emancipação humana, e não tão somente emancipação política.
É necessário reviver e trazer à tona o pensamento dos antigos filósofos a respeito da Democracia enquanto decisão coletiva consciente. De modo que, é necessário, para que se alcance uma real representação do povo dentro desse sistema de governo, uma promoção da consciência política, social, econômica e histórica de tais indivíduos humanos, para que suas ações de escolha e voto dentro desse sistema não sejam mal guiadas.
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[1] Professora Orientadora na Universidade Brasil, Curso de Graduação em Direito, Campus Fernandópolis. E-mail: eloisacosta14@gmail.com.
Graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis – São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MODESTO, Denise Waine Rota. Comentários a respeito da democracia: sua fetichização e a supressão histórica da coletividade e protagonismo humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58703/comentrios-a-respeito-da-democracia-sua-fetichizao-e-a-supresso-histrica-da-coletividade-e-protagonismo-humanos. Acesso em: 03 out 2024.
Por: LIGIA PENHA STEMPNIEWSKI
Por: Wellington Santos de Almeida
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: Odelino Oliveira Fonseca
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