VANUZA PIRES DA COSTA[1]
(orientadora)
RESUMO: A pesquisa em questão tem por objetivo a análise jurídica do contrato de namoro, diferenciando-o do instituto da união estável e seus efeitos patrimoniais. O problema central visa averiguar a aptidão do contrato de namoro para afastar a comunicabilidade do patrimônio e caracterização de união estável. Esse contrato vem sendo utilizado como ferramenta para diferenciar uma mera relação de namoro, sem consequências jurídicas, de uma união estável, sendo que nesta as partes têm o objetivo de constituir família. Justifica-se o desenvolvimento desse estudo pela relevância do tema, em virtude do aumento da procura dos casais por esta ferramenta contratual, utilizada para prevenir problemas patrimoniais. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica, em legislação, doutrina, dissertações e entendimentos jurisprudenciais, valendo-se do método dedutivo para a abordagem teórica, formando um conjunto bem explorado acerca do tema. Concluiu-se que o contrato em questão tem potencial para prevenir a comunicação de patrimônio, afastando a alegação de união estável, se na prática o relacionamento existente é realmente namoro, não desconstituindo união estável já existente.
Palavras-chave: Contrato de namoro; Incomunicabilidade do patrimônio; Namoro; União Estável.
ABSTRACT: The research in question aims at the legal analysis of the dating contract, differentiating it from the stable union institute and its patrimoniais effects. The central problem aims to investigate the suitability of the dating contract to remove the communicability of the patrimony and characterization of a stable union. This contract has been used as a tool to differentiate a mere dating relationship, without legal consequences, from a stable union, in which the parties have the objective of constituting a family. The development of this study is justified by the relevance of the theme, due to the increase in the demand of couples for this contractual tool, used to prevent property problems. Bibliographic research was used, in legislation, doctrine, dissertations and jurisprudential understandings, using the deductive method for the theoretical approach, forming a well explored set on the subject. It was concluded that the contract in question has the potential to prevent the communication of assets, ruling out the allegation of stable union, if in practice the existing relationship is really dating, not dismantling an existing stable union.
Keywords: Dating contract; Incommunicability of the patrimony; Affair; Stable union.
1 INTRODUÇÃO
É possível notar de uma forma mais ampla nos dias atuais as modificações que ocorreram desde a criação do Código Civil e como o Direito de Família se apresenta em relação ao conceito de família e suas ramificações. Através de tantas mudanças o termo união estável se enquadra em um aspecto bastante relevante para o estudo, tendo em vista que já houve sua marginalização para ser considerada uma forma de constituir família (como o casamento), e após aceitação de que esse instituto é legal, as coisas ao redor passaram a mudar também e a adquirir outros entendimentos a depender do caso concreto.
O contrato de namoro surgiu como um meio em que as partes contratantes declaram que o relacionamento entre ambos não se enquadra nem preenche os requisitos de uma união estável, visando proteger o patrimônio dos contratantes, evitando que no futuro ele possa ser dividido ou compartilhado com o companheiro em questão.
Diante do exposto, a pesquisa em questão baseou-se no seguinte problema: o contrato de namoro é uma ferramenta apta para assegurar a incomunicabilidade do patrimônio afastando a alegação de união estável?
Além de uma repercussão de ordem jurídica acerca da questão envolvendo o contrato de namoro, existe também a repercussão de ordem social em que as pessoas tendem a postergar a união estável, colocando a mesma numa posição frágil diante do instrumento de contrato.
O estudo visa contribuir como fonte de informação e tem o objetivo de sanar dúvidas acerca do contrato de namoro, sua eficácia e suas particularidades, não sendo confundido com a união estável.
Portanto, primeiramente será apresentando o conceito de união estável e seus requisitos, em seguida será exposto o conceito de namoro, esclarecendo a diferença entre o mesmo e o instituto da união estável e, finalmente, é feito um levantamento acerca da eficácia jurídica do contrato de namoro e seu potencial para garantir a incomunicabilidade do patrimônio.
Espera-se que a partir dos dados deste estudo, outras pesquisas possam ser desenvolvidas no intuito de proporcionar reflexões acerca dos direitos, garantias e a eficácia do contrato de namoro, sanando as dúvidas pertinentes.
2 DA UNIÃO ESTÁVEL: CONCEITO E REQUISITOS PARA SUA CARACTERIZAÇÃO
Para configurar união estável é necessário que as pessoas se unam de forma duradoura, contínua e com convivência pública, visando constituir família. Dessa forma, define-se o termo união estável como “uma relação afetiva de convivência pública e duradoura entre duas pessoas, do mesmo sexo ou não, com o objetivo imediato de constituição de família” (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2017).
Existe a possibilidade de os companheiros regularem suas questões patrimoniais, denominando-se contrato de convivência, reconhecido juridicamente, podendo abordar questões retroativas (PAVIANI; KEMPFER, 2019, p. 121).
Foi regulamentado através das Leis 8.971/94 e 9.278/96 o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, e trouxe os contornos da união estável como sendo uma relação pública, contínua e duradoura. Ademais, conforme os requisitos estabelecidos pelo Código Civil de 2002, o qual está em vigência, é necessário ter a intenção de constituir família entre homem e mulher, mas é importante ressaltar também que a diversidade sexual foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal através da ADI 42772 e ADPF 132 de 2011, de maneira a permitir que se tenha os mesmos efeitos às uniões homoafetivas (BRASIL, 2011).
Sendo assim, as relações entres pessoas do mesmo sexo podem ser equiparadas à união estável, passando a ser reconhecido como um núcleo familiar como qualquer outro, independentemente de ser um casal formado entre sexos opostos. Então, a união estável é entidade familiar equiparada ao instituto do casamento sendo resguardada e configurada dentro dos conformes estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, e, para configurar a união estável, é preciso que a relação seja entre duas pessoas e, não mais entre um homem e uma mulher. Há previsão na Constituição Federal de 1988:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL, 1988).
A união estável existe desde a posse do estado de casado, com notoriedade e longa duração, e segue até a união adulterina. Retrata não apenas acerca das relações de sexo, mas também a prolongada comunhão de vida. Abrange o casamento religioso, quando o homem e a mulher contraem um compromisso comum de fidelidade mútua, bem como a união adulterina, em que um ou o outro mantém uma vida matrimonial paralela, mas sem convivência. (RIZZARDO, 2018, p. 851)
Assim, se pode concluir que a família cultivada pela união estável simula um fato natural e muito presente na sociedade desde os tempos históricos, autenticada na realidade brasileira pela jurisprudência, por leis esparsas, se ajustando no respaldo constitucional, rompendo assim com a injustiça, o casuísmo, o preconceito, de maneira a permitir que o homem fincado na tipologia de família que melhor lhe ajustar possa, tendo sua essencial dignidade valorizada, desenvolver os atributos essenciais à sua personalidade (MALUF, 2010, p. 108).
3 DO NAMORO: CONCEITO E DIFERENCIAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
O namoro é uma relação afetiva entre duas pessoas onde há o desejo de estarem juntas e partilhar momentos. O casal encontra-se comprometido socialmente, mas não estabelece um vínculo de natureza matrimonial perante a legislação vigente. O Dicionário Houaiss conceitua a palavra namoro como “aproximação física e psíquica entre duas pessoas em um relacionamento, fundamentado na atração recíproca, que aspira continuidade para o futuro”. (HOUAISS, 2007, p. 1993)
É importante destacar a característica do que se trata o termo namoro, que não possui responsabilidades dentro da esfera jurídica. Então, por não existir especificação dentro do cenário jurídico o conceito da relação namoro, se torna impossível classificá-lo como entidade familiar, mas apenas um envolvimento amoroso entre um casal com uma expectativa de constituir família no futuro. (RIBEIRO, 2014, p. 2)
Dentro do contexto atual, o termo namoro pode ser interpretado de diversas maneiras, muitas vezes sendo confundido com a união estável. Verifica-se que atualmente o namoro em muitos casos permite a convivência ou encontros casuais, até relacionamentos mais sérios e duradouros com interesse do casal em constituir uma família proveniente dessa relação entre eles.
Para aprofundar acerca das particularidades e não haver confusões sobre o nível de relacionamento é primordial entender o sentido de namoro.
Em relação as mudanças dos relacionamentos afetivos na atualidade, referentes ao namoro de um casal, relevante o entendimento doutrinário que segue:
Ademais, o namoro não é mais encarado como mero período experimental que conduz necessariamente ao casamento. Pode-se dizer que ganhou contornos autônomos, o que faz com que casais optem por vivenciar namoros de longos anos. Ocorre que, por vezes, esse relacionamento é tomado por uma complexidade tão grande que o leva a ser confundido com união estável, fazendo com que ao namoro sejam imputadas as consequências jurídicas que o reconhecimento desta entidade familiar necessariamente conduz (XAVIER apud CALDERÓN, 2020, p. 99).
Conforme Euclides de Oliveira:
Passo importante na escalada do afeto ocorre se o encontro inicial revela o início de uma efetiva relação amorosa. Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois o amor vai se consolidando aos poucos, com encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo. (2011, p. 256)
O namoro simples está ligado a um relacionamento aberto ou sem compromisso, o qual não pode ser confundido com o instrumento da união estável. Além disso, em que pese a presença do relacionamento e convivência das partes, não há evidências de intenção futura em constituir uma família, ou seja, não se encaixa numa relação contínua, pública, duradoura e sólida (CABRAL, 2014, p. 2).
Em relação ao namoro qualificado, é importante salientar que este se trata de um relacionamento onde é facilmente confundido com a união estável por apresentar os mesmos requisitos objetivos, sendo eles: convivência habitual, pública, duradoura e contínua. Além desses requisitos, destaca-se a importância de que ambos não estejam impedidos matrimonialmente (CABRAL, 2014 p. 2).
Existem muitas semelhanças entre o namoro qualificado e a união estável, mas apesar disso, os termos não devem confundir-se entre si. Há a similitude por se tratar de relações com um tempo de duração significativo, dotado de relações sexuais não eventuais, e na hipótese de se ter um filho sem planejamento, não se enquadra dentro dos termos de uma união estável. Identificar essa situação pode ser mediante a exposição ao público da existência da relação, e que seja duradouro, mas sem vontade das partes em formar família (SÉRGIO, 2019, p. 28)
Não obstante haja confusão entre as nomenclaturas, existe a diferença entre o namoro qualificado e a união estável em virtude do requisito subjetivo, o qual necessita da vontade de constituir família, e é manifestada expressamente, não bastando que o casal apenas conviva continuamente e de forma pública. Isso ocorre, pois a união estável é uma forma de constituir família como estabelece o Código Civil, no artigo 1.723:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (BRASIL, 2002).
Para analisar as diferenças e particularidades de cada termo sem que haja confusão ou contradição, é preciso que cada caso em questão seja avaliado particularmente, e que necessariamente preencha todos os requisitos de união estável, de forma a se atentar não somente no vínculo afetivo, mas sim ao elemento animus, onde há a verdadeira e pura intenção em constituir uma família proveniente do relacionamento (CABRAL, 2014, p. 6).
A importância em diferenciar os institutos supracitados se justifica pelas consequências jurídicas geradas, pois na união estável as partes têm direito a meação de bens e a heranças familiares, enquanto no namoro essas possibilidades não existem, uma vez que não há um vínculo verdadeiro entre as pessoas.
4 DO CONTRATO DE NAMORO E SUA APTIDÃO PARA ASSEGURAR A INCOMUNICABILIDADE DO PATRIMÔNIO
É possível notar de uma forma mais ampla nos dias atuais sobre as modificações que ocorreram desde a criação do Código Civil e como o direito de família se apresenta em relação ao conceito de família, além de suas ramificações. Através de tantas mudanças o termo união estável se enquadra em um aspecto bastante relevante para o estudo, tendo em vista que já houve sua marginalização para ser considerada uma forma de constituir família (como o casamento), e após aceitação de que esse instituto é legal, as coisas ao redor passaram a mudar também e adquirir outros entendimentos a depender do caso concreto.
O contrato de namoro surgiu como um meio onde as partes contratantes declaram que o relacionamento entre ambos não se enquadra dentro dos requisitos de uma união estável, e isso serve justamente para proteger o seu patrimônio, evitando que no futuro ele possa vir a ser compartilhado com o companheiro em questão.
Conforme Xavier (2011, p. 128), o contrato de namoro é um documento escrito no qual as partes que estão tendo um relacionamento afetivo acordam consensualmente que não há entre eles o objetivo de constituir família.
Ademais, Maria Berenice Dias, afirma que o contrato de namoro pode representar uma fonte de enriquecimento ilícito:
Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito (DIAS, 2010, p. 186).
Além disso, pode ser uma espécie de documento que visa resguardar o casal dos efeitos da união estável, como exemplo: divisão de bens, pensão e direito de sucessão nos casos em que houver falecimento entre outras pessoas.
Fábio Coelho relata sobre a importância de não confundir o termo união estável com um mero namoro:
Enquanto na primeira é indispensável à vontade comum de fundar uma família (relação horizontal), no último, esse elemento anímico não está presente. Os namorados ainda não têm claramente definida a vontade de constituir família ou têm claramente a de não a constituir: estão se conhecendo melhor ou simplesmente se divertindo (COELHO, 2013, p. 142).
É importante ressaltar que se o casal não quer que os seus bens se comuniquem, porém estão vivendo em união estável, é importante ir a um Tabelionato de Notas e requerer uma Escritura Pública de União Estável, optando pelo regime de separação convencional de bens.
Através de outra visão, o conceito pode ser definido nas palavras de Mauro José Pereira:
Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinada a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (PEREIRA, 2019, p. 3).
Após explanação sobre o conceito doutrinário e o que consta no dicionário acerca do contrato, torna-se mais simples e fácil a compreensão do tema.
No tocante à natureza jurídica, o contrato de namoro não concerne ao ramo dos contratos sinalagmáticos, devido não ter o que se falar em direitos ou obrigações. Também há a ausência de solenidade, isto é, não tem formalidade pois a lei não trata de maneira específica acerca do contrato em questão, apenas deixa em aberto quando expressa “salvo contrato escrito entre os companheiros” (BRASIL, 2002, art. 1725).
Levando em consideração as palavras de Maria Helena Diniz:
O contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados (DINIZ, 2011, p. 31)
Além, Carlos Roberto Gonçalves elucida que:
Os contratos distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pela manifestação de vontade de apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios jurídicos bilaterais, que decorrem de mútuo consenso, constituem os contratos. (GONÇALVES, 2012, p. 22)
Para que se determine como um objeto jurídico, o contrato precisa cumprir a função social, a qual conduz aos diversos paradigmas do sistema constitucional, e visa resguardar os direitos, a fim de que seja apreciado a pessoa humana por causa da dignidade (KUMPEL E FERRARI, 2017, p. 402).
O Código Civil é contundente ao falar da função social, em seu artigo 421, que diz “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002). Mediante entendimento do Código Civil, Carlos Roberto Gonçalves ressalta acerca do negócio jurídico:
Os contratos distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pela manifestação de vontade de apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios jurídicos bilaterais, que decorrem de mútuo consenso, constituem os contratos. (GONÇALVES, 2012 p. 22)
Além de uma repercussão de ordem jurídica acerca da questão envolvendo o contrato de namoro, existe também a repercussão de ordem social em que as pessoas tendem a postergar a união estável e assim a colocam numa posição frágil diante do instrumento do contrato.
4.1 O contrato de namoro é eficaz?
Os contratos de namoro estão crescendo cada vez mais com a desconstrução do pensamento das pessoas na atualidade, em que apenas pelo fato de duas pessoas viverem em estado de coabitação, é necessário empregar-se o status de união estável entre elas.
O aumento do número de contratos de namoro firmados no Brasil possui uma relação direta com o isolamento social da Covid-19, como também a intenção das pessoas de impedir a comunicabilidade de seus bens com o parceiro, tendo em vista que a relação entre elas é somente de um namoro. Esse contrato é eficaz pois se trata de um documento que visa resguardar o casal dos possíveis efeitos da união estável. Ademais, a respeito das cláusulas de natureza extrapatrimonial é necessário bastante cautela, pois, mesmo não havendo impedimento para esse tipo de disposição, os contraentes não podem versar sobre questões que são contrárias à lei (DIAS, 2016, p. 531).
Então, no tocante a validade jurídica do contrato de namoro, é importante salientar que não há previsão legal para essa modalidade, mas não deixa de ser um negócio jurídico celebrado pelas duas partes através de vontade expressa, e torna-se válido por meio da formalização. Então, os contratantes podem ir até um cartório de notas ou de forma particular oficializar o contrato em questão mediante escritura pública (GONZAGA, 2022, p. 1).
Já na visão de Maria Berenice Dias, o contrato de namoro é inexistente no ordenamento jurídico, para ela o tal contrato é ineficaz para produzir qualquer efeito, afirmando também que pode representar uma fonte de enriquecimento ilícito, já que devido muitos relacionamentos estarem firmados em um contrato de namoro no início do relacionamento, muitas pessoas conquistam bens pelo esforço em comum, mesmo sem ter o desejo de constituir uma família. Portanto, o contrato de namoro na visão da jurista é ineficaz dentro do ordenamento jurídico (DIAS, 2010, p. 186).
Há, porém, entendimento jurisprudencial reverso ao doutrinário. O Superior Tribunal de Justiça entendeu a ausência de união estável planejada por uma das partes do relacionamento, de forma a reconhecer o namoro qualificado, julgando então pelo não provimento de um recurso especial no estado do Rio de Janeiro, manifestando-se da seguinte forma:
Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um “contrato de namoro” não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato, a união tiver sido estável. A contrário senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma união estável o “contrato de união estável “celebrado antecipadamente à consolidação desta relação não será eficaz, ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico” (citado na decisão monocrática do AgInt no AREsp 1149402, Relator Ministro Og Fernandes, Dje: 03/04/2018).
Acerca do tema, em uma apelação cível, assim decidiu o TJ de São Paulo:
APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1000884-65.2016.8.26.0288; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ituverava - 2ª Vara; Data do Julgamento: 25/06/2020; Data de Registro: 25/06/2020)
Em suma, o contrato de namoro é considerado no âmbito judicial como um negócio jurídico válido, uma vez que os requisitos para validade e eficácia de um combinado entre ambas as partes estejam presentes, porém, o seu potencial para afastar o reconhecimento da união estável, prevenindo a comunicação de patrimônio, não é absoluto.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa desenvolvida procurou analisar a eficácia do contrato de namoro, suas peculiaridades e a linha tênue que diferencia as duas modalidades de relacionamento afetivo tão confundidas e discutidas atualmente, sendo elas, o namoro e a união estável.
Primeiramente, buscou-se avaliar os conceitos e objetivo, bem como identificar o tema no âmbito jurídico, especialmente a área de Direito de Família, a qual acompanhou as mudanças sociais que se fazem presentes na sociedade brasileira, surgindo, por exemplo, o chamado contrato de namoro.
Verificou-se que não existe vedação legal acerca da celebração do objeto estudado na presente pesquisa, de cunho declaratório, portanto, sua validade depende da veracidade dos fatos apresentados e analisados. Assim, se restar evidenciado que as partes contratantes estão num mero relacionamento de namoro, onde não há objetivo de constituir família nem compartilhar seus patrimônios, o contrato deve ser tido como válido.
É relevante ressaltar que a caracterização da união estável deriva de elementos fáticos, sendo objetivado e configurado levando em consideração as circunstâncias de cada caso concreto. Necessário que o contrato de namoro seja avaliado pelo julgador, averiguando todo o conteúdo probatório, revelando-se caso haja tentativa de fraude por alguma das partes contratantes interessadas em celebrar o negócio jurídico bilateral.
Em suma, apesar de entendimentos divergentes verifica-se que o contrato de namoro pode ser uma maneira inteligente e eficaz para afastar a ferramenta da união estável e assegurar a incomunicabilidade do patrimônio, quando restar comprovado que os contratantes somente possuem uma relação de mero namoro, não abrangendo possíveis fraudes. Neste caso o negócio jurídico deve ser declarado nulo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgado Procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 132 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4277. ADI 4277 e ADPF 132. Ministro Relator Carlos Ayres Britto, DF, 5 de maio de 2011. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em: 10 set. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1149402. Relator Ministro Og Fernandes. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 3 abril de 2018.
CABRAL, Maria. Namoro simples, namoro qualificado e união estável: o requisito subjetivo de constituir família, 2014. Disponível em: https://mariateixeiracabral.jusbrasil.com.br/artigos/135318556/namoro simples-namoro-qualificado-e-a-uniao-estavel-o-requisito-subjetivo-de-constituir-familia. Acesso em: 10 set. 2022.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso Desprovido. Apelação Cível 1000884-65.2016.8.26.0288; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ituverava - 2ª Vara; Data do Julgamento: 25/06/2020; Data de Registro: 25/06/2020.
CHAVES E ROSENVALD. Curso de Direito Civil. Famílias. 8º edição, 2016. Editora Juspodivim.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. Direito das coisas e direito autoral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 186.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. Edição São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 39° Edição, 2022, São Paulo. Ed. Saraiva.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.
GONZAGA, Daniele. Contrato de Namoro: qual sua validade jurídica. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/366547/contrato-de-namoro-qual-a-sua-validade-juridica. Acesso em 30 set. 2022.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
KUMPEL E FERRARI. Tratado Notarial e Registral. Tabelionato de notas. 3ª edição, 2018.
MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades, 2010. São Paulo, Atlas.
OLIVEIRA, Euclides, 2006 apud TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. P. 256.
PAVIANI, Gabriela Amorim; KEMPFER, Marlene. É Namoro ou União Estável? Da Análise do Contrato de Namoro e seus Efeitos Patrimoniais e Extrapatrimoniais. In: PAIANO, Daniela Braga; ESPOLADOR, Rita de Cássia R. Tarifa (coord). Relações Familiares sob uma Ótica Contemporânea: volume II. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2019. p. 121-141. Acesso em 20 set. 2022.
PEREIRA, Mauro José. DIREITO CIVIL – CONTRATOS. Mato Grosso, Estácio. 2022. Disponível em: https://www.angelfire.com/mt/ricardoprado/contrato.html. Acesso em: 10 set. 2022
RIBEIRO, Isaque Soares. O Contrato de namoro no ordenamento jurídico brasileiro. 2014, Jus.com. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30915/o-contrato-de-namoro-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 10 set. 2022.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Editora Forense,10 edição, 2018.
SÉRGIO, Carolina Ribas. São Paulo, 2019. O contrato de namoro e suas implicações no âmbito jurídico. https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10965/O-contrato-de-namoro-e-suas-implicacoes-no-ambito-juridico. Acesso em 10 set. 2022.
STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. 2017. São Paulo, Editora Saraiva.
XAVIER, M. P. Contrato de namoro: amor líquido e direito de família mínimo. 2011. 128 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba. https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/32251. Acesso em 30 set. 2022.
[1] Mestra em Direito. Professora da Universidade de Gurupi (UNIRG) e Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Graduanda do curso de Direito da Universidade de Gurupi (UNIRG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VALE, ALICE DA SILVEIRA. Contrato de namoro x união estável: da aptidão do contrato de namoro para assegurar a incomunicabilidade do patrimônio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2022, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60142/contrato-de-namoro-x-unio-estvel-da-aptido-do-contrato-de-namoro-para-assegurar-a-incomunicabilidade-do-patrimnio. Acesso em: 04 out 2024.
Por: LUCAS DA SILVA PEDRO
Por: Bruno Sposito Berjas
Por: Júlia Gato Santana
Precisa estar logado para fazer comentários.