RESUMO: O presente trabalho se desenvolve a partir de uma análise da educação no Brasil, enfatizando seu caráter de direito fundamental a ser prestado pelo Estado. O sistema educacional do país é objeto de estudo, principalmente no que tange aos objetivos a ele traçados constitucionalmente, a saber: plena formação do indivíduo, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Utiliza-se, para tanto, da hermenêutica constitucional e de uma interpretação conforme da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96. Com a percepção da insuficiência do sistema no alcance pleno das finalidades educacionais, é realizado um estudo acerca do ensino jurídico e da sua contribuição no alcance de tais finalidades. Uma pesquisa empírica consistente na aplicação de um questionário a alguns alunos do ensino médio de escolas da rede pública estadual em Caetité, realizada como forma de constatar o nível de conhecimento básico de Direito e cidadania dos concluintes. Por fim, o trabalho propõe a inserção de disciplina concernente a conhecimentos de direito no ensino médio, considerando sua necessidade e utilidade prática, como forma de atingir os objetivos traçados à educação e de otimizar o acesso à justiça, almejando a construção de uma sociedade justa, nos termos do art. 3º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Direito. Educação. Ensino Jurídico. Noções básicas.
ABSTRACT: The present work develops from an analysis of education in Brazil, emphasizing its character of a fundamental right to be provided by the state. The country's education system is the object of study, especially in regard to the goals he outlined constitutionally, namely: full development of the individual, preparation for citizenship and work eligibility. It is used for both, the constitutional hermeneutics and interpretation as the Law of Guidelines and Bases of National Education - Law 9.394/96. With the perceived failure of the system in the full range of educational purposes, a study on legal education and its contribution in achieving these goals is accomplished. A consistent empirical research on the application of a questionnaire to some high school students in state public schools in Caetité is held as a way to establish what level of basic knowledge of law and citizenship graduates. Finally, the paper proposes the inclusion of discipline concerning the knowledge of law in high school, considering its necessity and practical utility as a way to achieve the goals set to optimize education and access to justice, aiming to build a society fairly, in accordance with art. 3, I, of the Constitution of the Federative Republic of Brazil 1988.
Keywords: Access to justice. Basic notions. Education. Legal Education. Right.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 3º estatui como objetivos fundamentais da República Federativa a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além da promoção do bem de todos, a erradicação da pobreza e redução das desigualdades, entre outros.
A concretização destes objetivos, entretanto, revela-se inalcançável sem que haja, primeiramente, uma conscientização da população acerca das noções básicas de cidadania e, ainda, dos direitos que lhes são formalmente conferidos pelos diplomas legais, mas que muitas vezes encontram-se adormecidos nos códigos e leis sem que se tenha conhecimento de sua existência, inviabilizando o efetivo acesso à justiça.
Tais considerações denunciam um problema estrutural no sistema educacional brasileiro que, não cumprindo plenamente os objetivos traçados constitucionalmente à educação, produz uma formação incompleta dos estudantes, os quais concluem o ensino médio desconhecendo algumas noções básicas de Direito e as normas jurídicas essenciais à vida em sociedade o que, consequentemente, obsta o acesso à justiça e inviabiliza a construção de uma sociedade justa.
A partir desse panorama, o presente trabalho desenvolve-se no sentido de denotar as falhas existentes na efetividade dos objetivos constitucionais traçados à educação, buscando um mecanismo que proporcione, principalmente, uma formação plena dos estudantes e seu devido preparo para o exercício da cidadania. Destarte, levanta-se a hipótese da inserção de conhecimentos elementares de direito na grade curricular, especificamente, no ensino médio, como forma de atingir efetivamente as finalidades educacionais, ampliando o acesso à justiça.
1.1 MATERIAL E MÉTODOS
Com objetivo de ratificar a constatação da formação incompleta dos estudantes concluintes do ensino médio, faz-se necessária uma pesquisa de campo consistente na aplicação de um questionário aos alunos do 3º ano de diferentes escolas da cidade de Caetité, buscando analisar seus conhecimentos acerca das noções básicas de direito e das normas vigentes, presumidamente necessárias na formação do indivíduo.
Por fim, o presente Trabalho de Conclusão de Curso desenvolve uma projeção do ensino jurídico básico no ensino médio, considerando sua relevância na vida do cidadão e avaliando sua utilidade prática na medida das necessidades cotidianas do indivíduo.
2 EDUCAÇÃO: UM DIREITO FUNDAMENTAL
A concepção da educação enquanto um direito fundamental é resultado de uma construção história. Para que atingisse o status de direito subjetivo público (direito de todos e dever do Estado) o ensino no Brasil se sujeitou a diversas reformas, sempre condicionada às conjunturas políticas e sociais pelas quais o país se encontrava.
Para nosso trabalho, daremos foco ao que se desenrolou a partir da promulgação da primeira lei brasileira a estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional em todos os níveis. Trata-se da Lei nº 4.024/61 (discutida no Congresso Nacional por treze anos antes de ser promulgada).
Os objetivos da educação traçados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 – LDBE estavam enunciados logo em seu primeiro artigo, além de importantes considerações finalistas nos arts. 25 e 66, vejamos:
Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:
a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade;
b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem;
c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional;
d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum;
e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio;
f) a preservação e expansão do patrimônio cultural;
g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça. [...]
Art. 25. O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social. [...]
Art. 66. O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes, e a formação de profissionais de nível universitário. (Lei nº 4024/61)
A partir da LDBE, estruturou-se o ensino no Brasil dividindo em Educação pré-primária, para alunos até sete anos, ministradas em escolas maternais ou jardins de infância; Ensino Primário, composto por um mínimo de quatro séries anuais; Ensino Médio, composto por dois ciclos (ginasial, de quatro anos e colegial, de três anos), modalidades de curso secundário, técnico e de formação de professores; e Ensino Superior, com cursos de graduação, pós-graduação e de especialização, aperfeiçoamento e extensão.
O fim deste ciclo político se deu com o golpe militar e, como em todo regime ditatorial, as reformas nas políticas públicas ocorreram de forma vertical, sem qualquer participação popular.
A Constituição outorgada em 24 de janeiro de 1967 trouxe as principais propostas referentes à educação, de fato, com a Lei nº 5.540/68, que promoveu uma reforma do ensino superior (reforma universitária), tentando suprir as necessidades oriundas de um processo de crescimento na demanda deste nível de escolaridade, buscando, ainda, oferecer substrato ao crescimento econômico vivenciado no Brasil no período conhecido como “milagre brasileiro”.
Com o desgaste do regime militar e o início do seu declínio em meados de 1978, conjugado aos anseios da população brasileira pelo estabelecimento de um estado de direito, insurge um intenso movimento democrático por eleições diretas em 1984. Processo este que desaguou no fim do período de exceção, consolidando-se com a promulgação da Constituição de 1988, vigente até apresente data.
Trata-se do mais avançado instrumento legal à disposição do ordenamento jurídico brasileiro na história. Coadunando com o processo de redemocratização do país, a Carta de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, estabeleceu desde seu preâmbulo o compromisso em:
[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...] (CRFB/1988)
Quando à disciplina constitucional acerca da educação, a Carta de 1988 revela-se a mais extensa, detalhando especificamente a matéria em dez artigos específicos (art. 205 a 214) e sendo tratada em outros quatro (arts. 6º, 22, XXIV, 23, V, 30, VI e arts. 60 e 61 do ADCT- Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
Logo no caput do art. 6º, a constituinte concedeu à educação status de direito social, delatando a relevância da matéria diante da nova conjuntura política. Em seu art. 208, §1º estabelece sua natureza de direito público subjetivo. Reafirmando-a como direito fundamental, em seu art. 205 consolida os objetivos traçados a ela traçados, os quais serão detalhadamente explicitados em tópicos subsequentes.
Em seu art. 206, I expressa o princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, propondo a incorporação de sujeitos historicamente excluídos do direito à educação. O art. 206, VI estatui, ainda, o princípio da gestão democrática do ensino público.
Tornam-se deveres do Estado a promoção de creches e pré-escolas às crianças de 0 a 6 anos (art. 208, IV); a oferta de ensino noturno regular (art. 208, VI); o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências (art. 208, III).
Os princípios norteadores da educação são cumulados no art. 206, vejamos:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (CRFB/88)
Importante salientar a construção da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei nº 9.394/96), que, após o trâmite processual legislativo veio a ser sancionada em 20 de dezembro de 1996, configurando-se o instrumento legislativo infraconstitucional de maior relevância para o tema.
2.1 OBJETIVOS TRAÇADOS PARA A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - LDBEN
Após abordar os principais fundamentos da educação no Brasil, cumpre reafirmar e enfatizar o caráter de direito fundamental a ela atribuída pela atual Constituição Federal, fruto de uma construção histórica, consistindo-se como tal não apenas por se tratar de um direito social enunciado pelo artigo 6º da Lei Maior (incluído no Título II – Dos direitos e Garantias fundamentais), mas, sobretudo, por tratar-se de uma “necessidade individual”, como assevera o saudoso educador caetiteense Anísio Teixeira, revelando-se um requisito imprescindível para uma vida digna em sociedade e tratando-se de instrumento de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado: “Cumpre salientar, nesses primórdios do estabelecimento da educação como interesse público, o fato de ser a educação considerada uma necessidade individual e não apenas uma vantagem. (TEIXEIRA, 2009. Pág. 45)”
Importante destacar, ainda, o disposto no artigo 205 da Constituição Federal:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL,1988).
De forma correlata, a LDBEN, em seu artigo 2º dispõe:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996).
O artigo 35 da LDBEN, especificamente quanto às finalidades objetivadas no ensino médio dispõe:
Art. 35º. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (BRASIL, 1996).
Ratificando os objetivos já traçados pela Constituição federal e pela própria LDBEN, o artigo acima transcrito apresenta detalhamentos de imensa importância na construção do campo de análise e na sustentação da hipótese e desenvolvimento, trazendo à pauta a formação ética, desenvolvimento intelectual e pensamento crítico como objetivos incluídos no desenvolvimento do educando.
Assim, traça-se, sistematicamente, três objetivos constitucionais, reafirmados na LDBEN, destinados à educação, o que, consequentemente, implica ao Estado o dever de sua promoção e incentivo.
2.1.1 Pleno desenvolvimento do indivíduo
O pleno desenvolvimento refere-se, neste caso, ao aperfeiçoamento do indivíduo enquanto ser humano que opera sua racionalidade.
O homem precisa educar-se, formar a inteligência, para poder usar eficazmente as novas liberdades. A inteligência, no sentido em que falamos, não é algo de nativo, mas algo de cultivado, de educado, de formado, de novos hábitos que a custo se adquirem e se aprendem. (TEIXEIRA, 2009, pág. 33)
A “plenitude” a qual o constituinte e o legislador se referem envolve o ser humano como um todo, concebendo-o de forma integral, almejando o desenvolvimento de todas os campos da vida, seja quanto às suas capacidades cognitivas, motoras, de equilíbrio, autonomia pessoal e de inserção social, de forma completa.
Porque a forma democrática, como procuramos acentuar, é a confiança na razão humana devidamente cultivada, a participação de todos na formação da sociedade, com o desenvolvimento de cada um até o máximo de suas possiblidades e o enriquecimento o pensamento individual de cada ser humano, com todos os recursos possíveis da informação livre e exata. (TEIXEIRA, 2009, pág. 39)
2.1.2 Preparo para exercício da cidadania
O preparo para o exercício da cidadania, remete-nos a uma conexão entre o indivíduo, a sociedade e o Estado, refletindo no exercício dos direitos políticos, civis e sociais. Tal exercício, entretanto, não envolve apenas atividades formais, obrigatórias e corriqueiras executadas pelo indivíduo, como o voto, registro de nascimento, casamento, etc. Ser cidadão, em sentido amplo, importa em ter consciência dos direitos dos quais são sujeitos e lutar para que sejam efetivamente aplicados.
A cidadania, portanto, está integralmente vinculada a ideia de participação social, remetendo o indivíduo a um envolvimento em atividades enquanto membro de uma coletividade.
Destarte, enquanto objetivo da educação, o preparo do educando para a vida em sociedade exige, a princípio, um programa de ensino que proporcione uma interação entre os alunos, de forma respeitosa, fazendo-os perceber os limites dos seus direitos em relação ao próximo, sobre esta interação já lecionava Paulo Freire:
Não houvesse esta integração, que é uma nota de suas relações, e que se aperfeiçoa à medida que a consciência se torna crítica, fosse ele apenas um ser da acomodação ou do ajustamento, e a história e a cultura, domínios exclusivamente seus, não teriam sentido (FREIRE, 2011, pág. 59).
Implica, também, em possibilitar ao aluno sua participação política, educando-o quanto a importância e implicações das suas escolhas, tornando-o um agente ativo da democracia.
2.1.3 Qualificação para o trabalho
Por derradeiro, o último objetivo traçado à educação pela Constituição Federal refere-se ao preparo e capacitação do educando para o trabalho.
Evidentemente, os planos da maioria dos estudantes da sociedade brasileira contemporânea são traçados com a projeção em uma atividade econômica que os possibilite uma estabilidade financeira. Assim, a carreira profissional é uma ambição de praticamente toda a classe estudante. Um diploma conquistado é considerado quase como um passaporte para o ingresso no mercado de trabalho, e, em muitos casos, critério diferenciador que se permite sobressair neste mercado tão competitivo.
O saudoso educador caetiteense Anísio Teixeira contribui com o tema afirmando:
O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um processo de especialização de alguns para certas funções da sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo de trabalho e do tipo de relações humanas. (TEIXEIRA, 2009. Pág. 66).
Entretanto, a obsessão pela conquista profissional conjugado com abarrotamento do mercado de trabalho torna a “qualificação para o trabalho” o principal (quando não único) objetivo educacional a ser estimulado e propagado nas instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas, o que cria um cenário de desequilíbrio a ser discutido no tópico subsequente.
2.2 DÉFICIT E DESEQUILÍBRIO PRÁTICO DOS OBJETIVOS
Apesar de ser tratado posteriormente aos dois outros objetivos acima explanados (fato que pode gerar uma interpretação de que a disposição dos objetivos traz uma ordem de prioridade), a qualificação profissional revela-se como alvo mais almejado pelos estudantes e ao qual mais se direciona o ensino em nosso país, fato notável quando observadas as grades curriculares do ensino médio.
É forçoso convir que o interesse do Estado e, em igual medida, dos estudantes, é cumprir com um cronograma escolar, concluindo-se o ensino básico, direcionando o estudante, quando muito, à realização de processos seletivos que o insiram no ensino superior, e, posteriormente ao mercado de trabalho.
O desequilíbrio é evidente. Há uma maior preocupação na formação do profissional que na construção do cidadão, o que acarreta uma sociedade competitiva, de relações conflituosas e em pessoas individualistas, alheias aos anseios coletivos, mutiladas em sua racionalidade e pensamento crítico, subordinadas a um ciclo de vida automático e pré-determinado.
O status alcançado pela educação, a saber, o de direito fundamental, pressupõe a efetivação de todos os objetivos a ela traçados. O desequilíbrio no sistema de ensino brasileiro ameaça sua consolidação enquanto direito fundamental e denuncia um planejamento educacional falho.
3 ENSINO DO DIREITO E A NECESSIDADE DO CONHECIMENTO JURÍDICO
3.1 DIREITO E SOCIEDADE
O artigo 44, II da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece que o ensino superior abrange, entre outros, os cursos de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio (ou equivalente) e tenham sido classificados regularmente em processo seletivo.
Podemos, pois, dizer, sem maiores indagações, que o Direito corresponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade. É a razão pela qual um grande jurista contemporâneo, Santi Romano, cansado de ver o Direito concebido apenas como regra ou comando, concebeu-o antes como "realização de convivência ordenada”.(REALE, 2001, pág. 1-2)
Conforme acentua o jurista Miguel Reale, a concepção científica surge a partir da perspectiva de análise do direito enquanto fato social (fenômeno histórico-cultural), conceito do qual se depreende o brocardo “ubi societas ibi jus, ubi jus ibi societas” (onde está a sociedade está o Direito, onde está o Direito está a sociedade).
3.2 O DIREITO E OS OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO
Cumpre evidenciar que o estudo do direito não somente atende perfeitamente aos objetivos constitucionais traçados à educação como revela-se imprescindível para a plena concretização destas finalidades.
Assim, cumpre sistematizar a funcionalidade do conhecimento jurídico como meio de garantir o pleno desenvolvimento do indivíduo, conscientizá-lo quanto ao exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho.
3.2.1 O Direito e o pleno desenvolvimento do indivíduo
Inegavelmente, o conhecimento jurídico, ainda que elementar, amplia o nível de discernimento do indivíduo, garantindo-lhe uma instrução normativa, sociológica e filosófica de forma a permitir-lhe o acesso aos direitos que possui e às obrigações que lhe são impostas, auxiliando na sua plena formação enquanto ser humano sujeito de direitos e obrigações inserido numa sociedade plural.
Nesta linha, para que haja de fato um pleno desenvolvimento do indivíduo enquanto ser humano e, também enquanto ser relacional, pressupõe-se a necessidade de conhecimento elementares de direito, de forma a permitir um acesso simples e direto ao ordenamento jurídico vigente.
Algumas concepções básicas próprias do curso – como a própria conscientização do brasileiro enquanto parte de um Estado Democrático de Direito, a sua organização jurídica, a sistematização dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), o que compete a cada um deles e como se dá a interação deles com o indivíduo e a sociedade – auxiliam para que as pessoas se aproximem das instituições próprias da sociedade e iniciem uma reflexão sobre a coletividade (SOUZA, 2010, pág. 73).
O conhecimento acerca das atribuições e competências dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) trará ao cidadão a oportunidade de integrar-se ativamente da sociedade, sabendo onde deve buscar solução para seus problemas ou de sua comunidade.
3.2.2 O Direito e a Cidadania
O preparo do indivíduo ao exercício da cidadania, refere-se, em sentido restrito, à participação política, ativa ou passiva. Todavia, a cidadania em sentido amplo não se limita ao direito de sufrágio (votar e ser votado), mas sim, num engajamento na gestão da res pública e no interesse da coletividade, interagindo e interferindo na esfera das políticas sociais e na tomada de decisões, auxiliando ou fiscalizando.
A cidadania investe o indivíduo de um status jurídico.
O ensino jurídico contribui na formação cidadã à medida que fornece ao indivíduo o conhecimento dos seus direitos e deveres enquanto ser inserido numa sociedade, bem como das instituições existentes ao serviço da coletividade, incentivando seu engajamento na luta pela efetivação dos direitos e da justiça social, capacitando-o para uma mobilização política, social, econômica e cultural.
Em síntese, nas palavras de Nilson José Machado, educar para a cidadania significa:
[...] prover os indivíduos de instrumentos para a plena realização desta participação motivada e competente, desta simbiose entre interesses pessoais e sociais desta disposição para sentir em si as dores do mundo.
[...]
Múltiplos são os instrumentos para a realização plena desta cidadania ativa: [...]; a participação do processo político, incluindo-se o direito de votar e ser votado; a participação da vida econômica, incluindo-se o desempenho de uma atividade produtiva e o pagamento de impostos; e, naturalmente, o conhecimento de todos os direitos a que todo ser humano faz jus pelo simples fato de estar vivo.
[...]
Educar para a cidadania deve significar também, pois, semear um conjunto de valores universais, que se realizam com o tom e a cor de cada cultura [...] (MACHADO, 2001, pág. 47-48)
3.2.3 O Direito e a qualificação para o trabalho
Não menos importante, a relação que se estabelece entre o ensino jurídico e a qualificação para o trabalho (terceiro objetivo constitucionalmente estatuído à educação), encontra respaldo à medida que a educação direcionada à qualificação laboral exige a disponibilização ao aluno de ferramentas adequadas à seus anseios profissionais.
Uma concepção amparada pela análise organizacional da sociedade civil permite tratar a qualificação para o trabalho como meio disponibilizado pelo Estado ao indivíduo para que este, numa relação mútua, retribua à sociedade com seu exercício profissional, beneficiando toda coletividade.
A educação básica só atinge plenamente seu terceiro objetivo ao dar uma base jurídica aos estudantes, com noções de norma e argumentação jurídica, visto que o Direito é que regulamenta todas as profissões reconhecidas no ordenamento. (SOUZA, 2010, pág. 80)
Neste sentido, a educação jurídica se mostra relevante à formação profissional do indivíduo, independente da ocupação pretendida, haja vista a importância do conhecimento dos direitos trabalhistas, da categoria que vier a pertencer, bem como a visão crítica do ordenamento jurídico pátrio, diante das situações atinentes à rotina de trabalho e às relações a ele vinculadas.
4 CONHECIMENTOS DE DIREITO NO ENSINO MÉDIO
A partir da precedente análise acerca da evolução da educação brasileira, com destaque nos atuais objetivos a ela fixados, e da perspectiva do ensino jurídico como fator essencial para alcance das finalidades estabelecidas à educação, o desenvolvimento do presente trabalho aponta na projeção deste ensino jurídico na educação básica, especificamente no ensino médio. Dessa forma, propõe a inserção de disciplina curricular destinada ao estudo de conhecimentos elementares de direito, com escopo de atingir efetivamente os objetivos traçados à educação, proporcionando uma ampliação no acesso à justiça, à medida que aproxima o Direito do cidadão, tornando-o consciente do seu status de “sujeito de direitos e deveres”, apto a reivindicar por justiça.
4.1 ANÁLISE DA PESQUISA EMPÍRICA
4.2 A UTILIDADE PRÁTICA DAS NOÇÕES ELEMENTARES DE DIREITO NO ENSINO MÉDIO
Cumpre, desta feita, comprovar a utilidade prática do ensinamento jurídico básico aos estudantes concluintes do ensino médio.
É certo que nem todas as pessoas que concluem o Ensino Médio têm a pretensão de cursar o Ensino Superior ou mesmo conseguem ser aprovados nos processos seletivos exigidos para seu ingresso. Neste sentido, imaginando que um indivíduo não se especialize em determinada área científica e, tão logo conclua o segundo grau, ingresse no mercado de trabalho e desenvolva suas atividades civis de forma natural, cabe a reflexão acerca dos conhecimentos que mais lhe serão necessários para vida. Indubitavelmente, de forma equivalente aos seus conhecimentos matemáticos, físicos, biológicos, geográficos, históricos, entre outros, revela-se imprescindível ao indivíduo o conhecimento básico acerca dos seus direitos.
Para demonstração empírica desses dados foi realizada pesquisa de campo através de questionário direcionado a estudantes em conclusão do ensino médio (3° ano) a duas escolas localizadas na cidade de Caetité, interior da Bahia, com população estimada pelo IBGE ano de 2011, em 52.531 habitantes, distante 645 quilômetros da capital do Estado, Salvador.
As escolas escolhidas foram o Instituto de Educação Anísio Teixeira e o Colégio Modelo Luiz Eduardo Magalhães, ambas referencias como estabelecimentos de ensino em nossa região. O pesquisa foi realizada no mês de Fevereiro do ano corrente envolvendo 100 (cem) alunos de idade entre 16 (dezesseis) a 20 (vinte) anos.
Conforme resultados trazidos, percebe-se que grande parte dos alunos tem dificuldades na compreensão dos papéis estabelecidos constitucionalmente aos três poderes. Nesse contexto é possível observar que a composição da grade curricular do ensino médio é direcionada sobre outras perspectivas das necessidades do indivíduo.
Neste ponto, o ensino jurídico justifica-se, na medida em que fornece um conteúdo mínimo para o pensamento crítico. Frise-se, não é toda a bagagem adquirida ao longo dos cinco anos do curso superior que se revela indispensável para esse fim, mas apenas conhecimentos jurídicos gerais, que contribuam para o pleno desenvolvimento da pessoa. Um modo privilegiado de assumir relações com a coletividade é reconhecê-la, interpretá-la e discuti-la, transcendendo a esfera individual e colocando-se como partícipe da esfera coletiva. (SOUZA, 2009. págs. 73-74)
Considera-se difícil, senão impossível, proceder-se a formação plena de um estudante, considerando-se a sua preparação para o “exercício da cidadania”, “formação ética”, “preparação para o trabalho”, “aprimoramento enquanto pessoa humana”, sem que este se posicione conscientemente como sujeito de direitos, conhecendo, ainda que de forma elementar, os direitos e garantias que lhe são concedidos.
4.3 CONHECIMENTO ACERCA DO ACESSO A JUSTIÇA.
Diante dos dados analisados da pesquisa, fica evidente a falta de conhecimento dos estudantes sobre um aspecto fundamental garantido em nossa Constituição que é o acesso à Justiça. Institutos importantes como a Justiça Gratuita e o Jus Postulandi são inegavelmente desconhecidos pela maioria da população.
Portanto, ressalta-se a importância do conhecimento do educando acerca dos Institutos mais importantes do Ordenamento Jurídico, com ênfase no estudo da matéria constitucional, civil, penal, consumerista e laboral. Tudo isto com escopo de orientar o indivíduo nas diversas relações rotineiras nas quais se envolverá durante a vida.
A propósito, a divisão temática dos “livros” que compõem o Código Civil sugere a cadência lógica da vida do indivíduo, apontando: o nascimento e aquisição de personalidade e capacidade civil o fim da vida que acarreta implicações jurídicas no Direito das Sucessões (Parte Especial, Livro V)
No tocante ao Direito Penal, a necessidade do conhecimento elementar passa, inicialmente, pelo estudo das condutas tipificadas como delitos. Neste aspecto, a previsão do art. 21 do Código Penal preceitua que o desconhecimento da lei é inescusável, funcionando, em alguns casos, apenas como causa de diminuição de pena. Assim, imprescindível o direito do estudante em conhecer os principais tipos penais a fim de proceder-se de acordo com o legalmente estabelecido para uma vida em sociedade.
Ademais, importante a instrução do indivíduo acerca dos direitos processais que possui, transmitindo-lhe noções acerca do habeas corpus, as hipóteses de prisão preventiva, tempo de duração, noção de prisão ilegal, entre outros, de forma a conscientizá-lo das garantias processuais penais que possui.
Por sua vez, uma abordagem sucinta acerca do Código de Defesa do Consumidor no ensino médio proporcionaria uma compreensão geral acerca dos direitos do consumidor, oferecendo os conceitos de “consumidor”, “fornecedor” e de “relação de consumo”, formas de prevenção e reparação de danos, alguns direitos básicos próprios do consumidor, noções acerca da “garantia legal” e “garantia contratual”, alerta quanto à vinculação da oferta à publicidade, promovendo um conhecimento sobre a responsabilidade civil dos fornecedores nas relações de consumo.
Por outra senda, mais que razoável seria o ensino básico da legislação trabalhista aos estudantes do ensino médio. Isto porque o conhecimento dos direitos que possuem ou que possuirão enquanto empregados é imprescindível à plena preparação do indivíduo ao mercado de trabalho, ou à sua formação profissional, objetivo traçado à educação constitucionalmente e pela LDBEN.
Neste sentido, Antônio Alberto Machado alerta acerca do potencial transformador do conhecimento do direito:
Neste caso, para além de simples instrumento de controle, repressão e manutenção do status quo, o direito poderia funcionar como mecanismo de direção e promoção social, impulsionando as mudanças que poderiam significar, no limite, um conjunto de medidas contrárias à lógica da ordem vigente, de verdadeiro confronto com os valores, ou com os padrões das relações sociais típicas de uma sociedade capitalista, como é o caso, por exemplo, do uso do direito para a inclusão social, para garantir a autonomia dos trabalhadores, para a distribuição de renda e socialização dos direitos básicos, para a democratização da propriedade etc. [...]
De modo que, não é inteiramente estranha aos juristas a ideia de que o direito possa vir a ter uma função transformadora, de mudança social, sobretudo naquelas sociedades cujos padrões de socialização já revelam sinais de esgotamento, quer pelo grau elevadíssimo de exclusão, miséria e pobreza, quer pelos desníveis estabelecidos entre os extratos sociais incluídos no processo de participação política e econômica, numa evidente demonstração de que tais padrões já atingiram patamares extremos de injustiça, incompatíveis com a própria ideia de direito. É o que efetivamente acontece nas sociedades em desenvolvimento, como as sociedades dos países periféricos, em que o grau de injustiça social desvela todos os aspectos de crise do direito e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, faz recair sobre este último as maiores expectativas de mudança (MACHADO, 2001, págs. 174-175).
A plena formação do indivíduo e o preparo ao exercício da cidadania objetivados pela educação no Brasil demandam, para sua efetivação integral, um conhecimento básico acerca da Lei Maior que rege o país. É inconcebível a sugestão de que um estudante concluinte do ensino médio encontra-se plenamente apto ao exercício da cidadania ou em nível aceitável de desenvolvimento pessoal, sem que tenha adquirido um conhecimento elementar acerca da Constituição Federal. Sem tais informações os alunos se formam sem conceber claramente a divisão dos três poderes e as devidas atribuições de seus representantes (podendo, inclusive, participar do sufrágio a partir dos 16 anos sem saber ao certo qual a efetiva função do representante que está escolhendo); sem a ciência acerca da autonomia dos entes federativos e princípio da não intervenção; e, sobretudo, sem conhecer os direitos constitucionalmente estabelecidos.
Importante frisar, ainda, que a construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades - objetivos da República Federativa do Brasil estatuídos no art. 3º, I e III da Constituição Federal – carece de uma educação jurídica básica, especialmente quanto ao conhecimento dos direitos constitucionais, tendo em vista a ampliação do acesso à justiça que tal medida ocasionaria.
Na mesma esteira de pensamento, o recém-eleito senador pelo Rio de Janeiro, Romário de Souza Faria, à época deputado federal, propôs o Projeto de Lei nº 6.954/2013, em trâmite no Congresso Nacional, objetivando inserir o ensino constitucional como disciplina obrigatória nos currículos dos ensinos fundamental e médio. Faz-se pertinente transcrever a justificativa do então deputado que sustenta a proposta:
A promulgação da Constituição Federal de 1988, que completou 25 anos este ano, foi o grande marco da restauração da democracia no Brasil e a renovação do orgulho cívico no país.
Foi a maior movimentação política de várias classes sociais, sindicais e das minorias já registrado na história da nação brasileira, marcada pela conquista de direitos individuais e a liberdade de expressão.
O objetivo deste projeto de lei é expandir a noção cívica dos nossos estudantes, ensinando-lhes sobre seus direitos constitucionais, como cidadão e futuro eleitor, e, em contrapartida, aprenderem sobre seus deveres.
Ao completar 16 (dezesseis) anos o jovem brasileiro tem a faculdade de tirar seu título de eleitor e exercer seu direito de cidadão, que é escolher seu representante político através do voto, iniciando sua participação ativa nos assuntos da sociedade.
Esses jovens estudantes já têm uma base educacional sólida ao cursar o ensino médio para compreender a importância de ser um cidadão consciente e as consequências geradas à gestão pública ao escolher um candidato despreparado ou ficha suja.
Especialmente após as manifestações de junho deste ano, tornou-se necessária maior atenção aos nossos jovens, quase adultos, que nos remetem à lembrança dos caras pintadas de outrora.
Desta forma, certo da compreensão dos nobres Pares sobre a relevância deste Projeto, espero o apoio de Vossas Excelências em sua rápida aprovação (CONGRESSO NACIONAL, 2013).
Com isso, a proposta desenvolvida no presente trabalho requer uma releitura dos objetivos constitucionais traçados à educação, bem como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de forma a constatar a necessidade da inserção de disciplina relativa às noções básicas de direito no ensino médio para efetivo alcance das finalidades educacionais, e como solução para desequilíbrio prático entre elas e, sobretudo, para a ampliação do acesso à justiça, democratizando o conhecimento jurídico aos “sujeitos de direitos”.
4.4 A NECESSIDADE DA DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO JURÍDICO PARA A PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
A partir do exposto, insta ressaltar a necessidade do ensino jurídico básico na educação de nível médio como forma de democratização do conhecimento jurídico.
A justificativa e os fundamentos utilizados como esteio para tal medida desenvolve-se a partir do presumido dever do Estado em garantir a todo indivíduo o conhecimento e compreensão dos direitos que lhe são formalmente conferidos pelos diplomas legais, mas que, muitas vezes, encontram-se adormecidos nos códigos e leis sem que se tenha ciência de sua existência.
Ora, se o ordenamento jurídico confere direitos e estabelece obrigações, a construção desses preceitos tiveram um fim comum, qual seja, a incidência sobre o indivíduo. Razoável é, portanto, que tais indivíduos, destinatários dos direitos e submetidos às obrigações estabelecidas, não apenas tenham a possibilidade de acesso a tais normas, mas, principalmente, que lhes sejam oferecidas oportunidades de conhecimento e entendimento acerca delas.
Justifica-se a proposta de inserção de disciplina destinada ao ensino jurídico básico no ensino médio, especificamente, por trata-se de um nível no qual encontram-se alunos com uma carga de conhecimento adquirido mais propícios à apreensão de tais conceitos, os quais exigem certa maturidade intelectual para melhor compreensão do status de sujeito de direitos. Além disso, a faixa etária - considerando como padrão de análise os alunos regulares – contribui para a melhor absorção do conteúdo e desenvolvimento de um pensamento crítico.
A propósito, no Brasil, a partir dos 16 anos de idade já é possível o alistamento eleitoral, conferindo ao jovem a possibilidade de participação política. Além disso, para a candidatura como vereador o ordenamento jurídico estabelece a idade mínima de 18 anos. Considerando-se a importância e responsabilidade em conferir tais direitos aos jovens, revela-se imprescindível um preparo acadêmico mais completo, que deveria incluir o ensino jurídico básico, instruindo acerca da divisão dos poderes, dos direitos humanos, das noções de justiça, dos direitos garantidos constitucionalmente, dos direitos civis, entre outros.
Deste exposto, considera-se que o dever do Estado na garantia do acesso à justiça não se restringe ao também imprescindível fornecimento de iguais oportunidades de acesso ao Poder Judiciário, no ingresso em juízo com as mais diversas demandas judiciárias (CRFB, art. 5º, XXXV); mas, principalmente, em assegurar a todos os indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, à tutela jurisdicional justa e eficaz.
Entre as dificuldades e obstáculos à garantia do acesso à justiça emerge uma questão que merece realce face à hipótese desenvolvida neste trabalho, qual seja, o desconhecimento dos direitos, fato que provoca um distanciamento entre o indivíduo, sujeito de direitos, e os seus direitos propriamente ditos. Neste sentido, Mauro Cappelletti aduz:
Num primeiro nível está a questão de reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível. Essa barreira fundamental é especialmente séria para os despossuídos, mas não afeta apenas os pobres. Ela diz respeito a toda a população em muitos tipos de conflitos que envolvem direitos. [...] Mesmo consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta de que sua assinatura num contrato não significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias. Falta-lhes o conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de objeção. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 23, g.n.)
Assim, ao desconhecerem, não compreenderem e ignorarem os próprios direitos, os indivíduos se distanciam da justiça, posicionando-se de forma passiva e inerte diante das injustiças que marcam a sociedade brasileira, dificultando o alcance dos objetivos constitucionais de diminuição das desigualdades e construção de uma sociedade justa.
Como se percebe, o Estado tem se mostrado falho na tarefa de proporcionar aos brasileiros uma educação que lhes propicie, ao menos, acesso aos direitos básicos e fundamentais.
Para solucionar tal deficiência na educação brasileira e, consequentemente, no acesso à justiça, emerge a possibilidade de inserção de conhecimentos de direito na grade curricular do ensino médio, afim de equacionar os objetivos da educação traçados constitucionalmente na construção de uma sociedade mais justa, com cidadãos conscientes dos seus direitos e ativos na participação política, econômica e social do Estado. A proposta necessita, portanto, de uma releitura da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, através das lentes da hermenêutica constitucional, e da alteração legislativa, de forma a prever expressamente uma disciplina que envolva tal conteúdo, seja na própria LDBEN ou no Plano da Educação Nacional.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir deste levantamento é perceptível uma inconsistência no programa educacional, o qual não consegue atingir plenamente as finalidades a partir das quais é estruturado. Desta forma, a “qualificação para o trabalho” e, principalmente, “o preparo ao exercício da cidadania” e o “pleno desenvolvimento do indivíduo” restam prejudicados à medida em que não é oferecido aos estudantes, em sua grade curricular, uma disciplina que oportunize um conhecimento básico acerca das noções elementares de Direito, necessário, senão imprescindível, ao alcance destas finalidades.
Tal constatação é ratificada pela pesquisa de campo que instrumentaliza o presente trabalho. Os resultados relatados no desenvolvimento do presente trabalho comprova o déficit dos estudantes concluintes do ensino médio quanto às mais básicas noções de direito e cidadania, bem como o desconhecimento das leis vigentes, denunciando que os objetivos traçados à educação, especificamente ao ensino médio, são atingidos de forma incompleta. Consequentemente, o acesso à justiça encontra um obstáculo, haja vista a falta de conhecimento básico acerca dos direitos e deveres que lhes são dirigidos, tornando os indivíduos suscetíveis de abusos e injustiças, inviabilizando a construção de uma sociedade justa.
Nesta perspectiva, expostas as considerações acerca do ensino jurídico, da utilidade prática do conhecimento do Direito e da sua pertinência com os objetivos traçados à educação, projeta-se a inserção de conhecimentos básicos de direito na grade curricular do ensino médio, de forma a otimizar a formação individual do estudante, preparando-o para o exercício consciente da cidadania e melhor qualificando-o para o trabalho. Por fim, a hipótese levantada surge não apenas como uma alternativa, mas como uma medida de reestruturação educacional necessária, fornecendo o conhecimento jurídico básico como instrumento de acesso à justiça e, consequentemente, de promoção de uma sociedade justa.
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. (colab.) Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988.
CONSTITUIÇÕES
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
MACHADO, N. J. Cidadania e Educação. 3ª ed. São Paulo: Escrituras Editora, 2001.
NADER, P. Introdução ao Estudo do Direito.
REALE, M. Lições preliminares de Direito. 2001 ...
RIBEIRO, M. L. S. História da Educação Brasileira: a organização escolar.15ª ed. Ver. e ampl. – Campinas, São Paulo: Editora Autores Associados, 1998.
TEIXEIRA, A. Educação no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1969.
(Lei nº 4024/61)
http://www.ensinojuridico.com.br/dmdocuments/Artigo-Ensino-PDF.pdf
SOUZA, C. L.
Graduando ao curso de Bacharel em Direito, Faculdade Guanambi - FG,
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Herbert Teixeira. A inserção de conhecimentos de direito no ensino médio como forma de concretizar os objetivos da educação e cidadania Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47271/a-insercao-de-conhecimentos-de-direito-no-ensino-medio-como-forma-de-concretizar-os-objetivos-da-educacao-e-cidadania. Acesso em: 04 out 2024.
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